Autor: Gustavo Filipe Barbosa Garcia (*)
A recente Medida Provisória 739, de 7 de julho de 2016, alterou os benefícios do Regime Geral da Previdência Social.
Na verdade, somente em casos de relevância e de urgência é que o presidente da República pode adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (artigo 62 da Constituição Federal de 1988). A restrição a direitos previdenciários, os quais possuem natureza fundamental, gerando nítido retrocesso social, evidentemente, jamais poderia ser considerada matéria de caráter urgente.
Portanto, observa-se a manifesta inconstitucionalidade das recentes previsões voltadas a restringir o recebimento de direitos sociais, estabelecidas até mesmo sem a necessária legitimidade democrática decorrente do prévio diálogo com a sociedade, do debate com os interessados e da regular aprovação pelo Congresso Nacional.
Passou-se a prever que o segurado aposentado por invalidez pode ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria, concedida judicial ou administrativamente (artigo 43, § 4º, da Lei 8.213/1991). É importante notar que o aposentado por invalidez e o pensionista inválido estão isentos do exame médico da Previdência Social após completarem 60 anos de idade(artigo 101, § 1º, da Lei 8.213/1991).
Além disso, sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou administrativo, deve fixar o prazo estimado para a duração do benefício (artigo 60, § 8º, da Lei 8.213/1991). Na ausência de fixação desse prazo, o benefício cessará após o prazo de 120 dias, contado da data de concessão ou de reativação, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação junto ao INSS, na forma do regulamento. Trata-se da chamada “alta programada”, anteriormente prevista apenas no Regulamento da Previdência Social (artigo 78, § 1º), ou seja, sem força de lei, e que não é aceita por parte da jurisprudência do STJ (REsp 1.563.601/MG), por ser nitidamente prejudicial aos segurados da Previdência Social no recebimento do auxílio-doença.
Da mesma forma que a aposentadoria por invalidez, o segurado em gozo de auxílio-doença, concedido judicial ou administrativamente, pode ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram a sua concessão e a sua manutenção (artigo 60, § 10, da Lei 8.213/1991). Entretanto, a jurisprudência do STJ não tem admitido o cancelamento automático do benefício previdenciário, mesmo quando o segurado não comparece à nova perícia perante o INSS, por ser necessário o prévio procedimento administrativo, em consonância com os princípios do contraditório e da ampla defesa (REsp 1.597.725/MT).
Passou-se admitir a reabilitação profissional também para a mesma atividade que o segurado exercia anteriormente ao recebimento do auxílio-doença (artigo 62 da Lei 8.213/1991).
Foi instituído, por até 24 meses, o chamado Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade (artigo 2º da Medida Provisória 739/2016). Esse BESP-PMBI corresponde ao valor de R$ 60 por perícia realizada. Espera-se que a previsão sobre a possibilidade de realização das perícias médicas em forma de mutirão (artigo 9º, inciso III) não acarrete maiores prejuízos e injustiças aos segurados, tendo em vista que o exame pericial de cada caso, naturalmente, deve ocorrer com os cuidados necessários.
Por fim, foi revogado pela Medida Provisória 739/2016 o dispositivo legal que tratava da chamada carência de reingresso (parágrafo único do artigo 24 da Lei 8.213/1991). Observa-se a intenção de não mais se admitir o cômputo das contribuições previdenciárias anteriores à perda da qualidade de segurado quanto a certos benefícios (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e salário-maternidade em certos casos), o que é extremamente prejudicial ao segurado.
Pode-se dizer que não é constitucionalmente válido desconsiderar as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado, pois o sistema previdenciário, segundo determinação constitucional, tem caráter contributivo (artigo 201 da Constituição Federal de 1988). Embora o acesso às prestações previdenciárias exija o recolhimento de contribuições sociais, não se pode invalidar o período contributivo existente, ainda que anterior à eventual perda da qualidade de segurado, nem mesmo para fins de carência, sob pena de enriquecimento indevido do Estado e de manifesta injustiça social. De todo modo, cabe salientar que a perda da qualidade de segurado não é considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição, especial e por idade (artigo 3º da Lei 10.666/2003).
Em síntese, é imprescindível que os Poderes da República, ao tratarem de matérias pertinentes à Seguridade Social, respeitem a determinação constitucional de que a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça social (artigo 193 da Constituição Federal de 1988).
Autor: Gustavo Filipe Barbosa Garcia é livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla.