Mudanças em regras da Receita pode reduzir custos no Brasil

por Mário Luiz Oliveira da Costa

O artigo 205 do Código Tributário Nacional autoriza a lei a exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, possuindo os mesmos efeitos desta a certidão de que conste a existência de créditos tributários não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa (CTN, artigo 206).

Atualmente, as certidões negativas são exigidas para a prática das mais diversas atividades, tais como participação de licitações, obtenção de financiamentos públicos, registros de determinadas alterações societárias na Junta Comercial e desembaraço de mercadorias importadas sob regimes especiais de tributação.

O claro objetivo da exigência é o de coibir a sonegação, mas, na prática, várias empresas têm suportado irreparáveis prejuízos, em especial quando, ao solicitarem a renovação de suas certidões, vêem-se surpreendidas pela inclusão de novos créditos tributários nos sistemas de controle da Receita Federal e, ou da Procuradoria da Fazenda Nacional, muitas vezes sem qualquer prévio aviso. Não é incomum, ainda, tratar-se de créditos que já tenham sido quitados, que se encontrem com a exigibilidade suspensa, extintos por compensação, ou mesmo atingidos por decadência ou prescrição.

Se tanto não bastasse, enquanto não apreciados os esclarecimentos apresentados pelos contribuintes no sentido da regularidade de sua situação fiscal, fica obstada a emissão das certidões negativas (ou positivas com efeitos de negativas), situação esta que pode perdurar por meses ou mais de um ano, como se tem verificado em relação às inscrições em dívida ativa da União Federal, cuja presunção de legitimidade resta seriamente abalada quando não precedida de notificação do contribuinte ou de adequado exame pela Receita Federal e pela Procuradoria da Fazenda Nacional.

O problema seria em muito minorado, sem prejuízo aos interesses do fisco, se a SRF e a PFN passassem a observar alguns simples procedimentos.

Por primeiro, antes que um suposto débito impeça a emissão da certidão com efeitos de negativa, há de se intimar o contribuinte para prestar os devidos esclarecimentos, podendo o mesmo, inclusive, questionar a exigência no seu mérito, quando não verificada preclusão para tanto. Afinal, o contraditório e a ampla defesa, mesmo na esfera administrativa, são assegurados pela Constituição (artigo 5º, LV) e pela legislação ordinária (artigos 2º, caput e parágrafo único, X; 5º e 48 da Lei nº 9.784/99, dentre outros dispositivos legais aplicáveis).

Outrossim, no curso do prazo para o contribuinte prestar os esclarecimentos ou, ainda, enquanto pendente de exame final a sua defesa, deve ser emitida, ao menos, a certidão positiva com efeitos de negativa, com a observação de que os créditos ali indicados ainda aguardam definição quanto à sua efetiva procedência. Assim é de rigor por configurar a manifestação do contribuinte efetivo recurso pendente, de modo que, independentemente de a legislação assegurar que dele resulte a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (conforme artigo 151, III do CTN), quando menos há de se reconhecer – inclusive em obediência aos princípios da razoabilidade, boa-fé e moralidade – que, até o seu exame, não há débito verdadeiramente exigível, líquido e certo.

De outro lado, além destas simples providências, impõe-se a alteração de determinadas normas que exigem a quitação ou a suspensão da exigibilidade da totalidade dos créditos tributários como condição para o exercício de determinadas atividades, quando a existência de medida judicial em curso já deveria ser considerada suficiente para tanto.

Realmente, ainda que a ausência da suspensão da exigibilidade do crédito tributário impeça a emissão da certidão negativa, a certidão positiva tendo por objeto apenas débitos que se encontrem sub judice não pode ter a mesma natureza e efeitos jurídicos daquela que indique débitos que, simplesmente, não tenham sido pagos, sem qualquer questionamento por parte do contribuinte.

A existência de medida judicial pendente de decisão final acerca do crédito tributário deveria ser suficiente a demonstrar a regularidade da situação fiscal do contribuinte, em especial para participar de licitações, liberar mercadorias, registrar atos societários, obter financiamentos (cabendo ao órgão financiador verificar se os débitos listados comprometem ou não a capacidade econômica da empresa, exigindo garantias adicionais, quando o caso) e outras atividades semelhantes.

Quando não verificada a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, poderá o fisco exigir o respectivo montante com os acréscimos legais. Todavia, impingir prejuízos adicionais ao contribuinte, inclusive quanto ao regular desenvolvimento de suas atividades, implica equipará-lo ao sonegador, além de configurar verdadeira coerção para o pagamento do tributo e grave restrição à livre iniciativa, punindo quem legitimamente recorreu ao Poder Judiciário na defesa de seus direitos.

Afinal, o que justifica o quadro normativo atual, em que se assegura aos contribuintes a regular obtenção de certidões negativas na pendência de decisões finais nos processos administrativos, mas não quando se trata de processos judiciais?

Porque exigir que o contribuinte, na ausência de decisão judicial provisória assegurando a suspensão da exigibilidade do crédito tributário questionado, seja obrigado a proceder ao seu depósito judicial apenas e tão somente para fins de obtenção de CND necessária à prática de determinado ato, quando, não fosse a urgência, poderia ao menos optar por aguardar a propositura de execução fiscal, no âmbito da qual ofereceria garantia menos onerosa (fazendo jus, a partir de então, à certidão prevista no artigo 206 do CTN)?

Qual a diferença razoável entre o contribuinte ao qual já tenha sido possibilitado o oferecimento de garantia em sede de execução fiscal e aquele que apenas não o tenha feito por mora exclusiva da Administração quanto ao ajuizamento da execução fiscal?

Assim, ao menos para a prática de determinadas atividades e ainda que seja necessário alterar a legislação para tanto, há de se atribuir efeitos de negativa à certidão positiva envolvendo exigências fiscais que se encontrem sub judice, exceto, apenas, quando, na ausência de qualquer condição suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, não tenha o contribuinte oferecido garantia suficiente em sede de execução fiscal da qual já tenha sido regularmente citado.

As providências de que ora se cogita – tanto de simples mudança nos procedimentos por parte da SRF e da PFN, quanto aquelas que envolveriam alterações no quadro normativo em vigor – seriam extremamente salutares, em especial em tempos em que se pretende, ao menos no discurso, reduzir ou eliminar o chamado “custo Brasil”, incentivar a produção, facilitar a geração de empregos e atrair novos investimentos.

Mário Luiz Oliveira da Costa é mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP, sócio do escritório Dias de Souza Advogados Associados S/C.

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