Mudanças no licenciamento ambiental podem dificultar investimentos

Autor: Luciano Furtado Loubet (*)

 

Está em plena discussão no Congresso Nacional a criação de uma “Lei Geral do Licenciamento Ambiental”, que, a despeito de pretender “simplificar” ou “modernizar” esse instrumento de efetiva racionalidade no uso dos recursos naturais, vem em franco retrocesso em vários aspectos de uma política que busca — ainda que sem muita efetividade — implementar, na prática, os princípios da precaução/prevenção e da sustentabilidade.

O mais recente projeto — PL 3.729/04, na piorada versão do projeto do deputado federal Mauro Pereira (PMDB-RS), apoiado pela CNA e pela CNI (19/4/2017) — apresenta uma série de retrocessos ambientais, como já apontaram Ivan Carneiro Castanheiro, Luís Fernando Cabral Barreto Júnior e Sandra Akemi Shimada Kishi.

Contudo, um ponto importante está passando ao largo desta discussão: os possíveis impactos ou entraves que este desmonte no licenciamento ambiental pode vir a causar no acesso ao crédito fornecido por instituições financeiras internacionais.

Não pode ser ignorado que o crédito internacional fornecido por tais agentes financeiros tem fomentado algumas grandes obras no país, sendo que, segundo dados oficiais, o Banco Mundial já liberou cerca 430 financiamentos que somam US$ 50 bilhões ao Brasil nos últimos 60 anos, sendo que anualmente essa cifra gira em torno de US$ 3 bilhões.

Ocorre que atualmente a maioria das agências internacionais de crédito exigem um standard mínimo ambiental para a aprovação de projetos, podendo ser citado o New Development Bank, que é a agência financeira dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), que exige instrumentos mínimos por país para que seja possível a consecução dos projetos, como:

  • implementação do “princípio da precaução” (p. 05, item “g”);
  • efetiva avaliação de impactos ambientais e sociais, inclusive informando que cada projeto deverá ser monitorado quanto ao tipo, localização, escala e sensibilidade de sua magnitude quanto aos impactos ambientais e sociais (p. 07, item “d”, 9);
  • informa que, na avaliação de impactos ambientais e sociais, as normas do país deverão ser levadas em consideração (p. 07, item “d”, 11);
  • sistema de consulta pública e participação efetiva dos interessados nos processos de decisão (p. 03, item 04), sendo que essa consulta deverá ser efetiva e: I – deverá envolver as comunidades, grupos e pessoas afetadas pelo projeto; II – feita desde o início e se mantenha de forma contínua; III – forneça a divulgação oportuna das informações, de forma adequada e facilmente acessível, em ambiente livre de intimidação ou coerção; IV – seja inclusiva e respeite o gênero, bem como as condições das pessoas vulneráveis; V – permita a incorporação de todos os pontos de vista relevantes das pessoas afetadas e outras partes interessadas na tomada de decisões (p. 10, item 22);
  • que haja mecanismos efetivos de reclamações e soluções de conflitos, sendo que os mecanismos nacionais só poderão ser utilizados se forem eficientes nesta solução (p. 11, item 27).

Elementos semelhantes estão presentes em outros financiadores, como no caso do Banco Mundial, já que prevê a necessidade de efetiva avaliação de impactos ambientais e sociais (p. 28), monitoramento e informação de impactos (p. 35) e preocupação com a população atingida (p. 36).

Esta política de standards mínimos, em verdade, segue a linha dos princípios do Equador — “iniciativa do Banco Mundial e da International Finance Corporation (IFC) —, constituem padrão de referência internacional para tratar de riscos sociais e ambientais no financiamento de projetos de investimento de grande porte”.

Esses princípios, inclusive, vêm sendo adotado por diversos agentes financeiros, sendo que na data de 6/5/2005, 28 grupos já eram signatários dos mesmos, 18 com atuação em solo brasileiro.

É certo que tais salvaguardas mínimas ainda não são as ideais, tendo sofrido críticas de organizações da sociedade civil, mas já são um avanço e devem servir de norte para o sistema financeiro.

Note-se que a legislação brasileira já não atende completamente a esses princípios, pois, por exemplo, em vez de uma inserção da sociedade no processo de forma efetiva, o que ocorre é uma mera consulta formal, conforme apontam Manoela Carneiro Roland e Angelucci Paola, no artigo já citado.

Mas, no projeto proposto, conforme apontaremos mais adiante, a situação tende a se agravar. Nesse caso, prevalecerão, pelas regras desses bancos, os parâmetros mais restritivos.

Contudo, a falta de legislação interna poderá tornar mais morosa, dificultar ou até mesmo barrar esses investimentos, uma vez que não haverá a “regra do jogo” a ser aplicada.

Contudo, com a alteração proposta, vários desses itens sofrerão retrocesso, conforme muito bem apontado por Ivan Carneiro Castanheiro, Luís Fernando Cabral Barreto Júnior e Sandra Akemi Shimada Kishi:

  • limita a oitiva dos órgãos interessados que representam interesses sociais relevantes (Funai, Fundação Cultural Palmares, Gestores de Unidades de Conservação e autoridades que atuam no patrimônio cultural);
  • exclui da licença de instalação a análise do potencial degradador do empreendimento (desvirtuando o instituto);
  • estabelece rol exaustivo para tipologias de empreendimentos ou atividades, tornando uma lista fechada em que todos empreendimentos que não estão são dispensados do licenciamento;
  • a lista de empreendimentos deixa de ser feita pelo Sisnama (de forma participativa) e passa ser critério da autoridade licenciadora;
  • o descumprimento de condicionantes não será mais causa de suspensão ou cancelamento da licença (o que inviabiliza o monitoramento);
  • garante apenas uma audiência pública e somente em caso de EIA (restringindo a participação e oitiva das pessoas atingidas);

Acrescidos a esses retrocessos apontados, pode-se, ainda, apontar os seguintes, para fins deste artigo:

  • o projeto isenta de licenciamento as seguintes atividades: pecuária, agricultura e silvicultura; obras de infraestrutura e água e esgoto; drenagem de hidrovias e portos já existentes; obras de ampliação rodoviárias e ferroviárias, dentro dos critérios estabelecidos; obras de transmissão e distribuição de energia em áreas de faixa de domínio já implantadas e algumas de mineração (artigo 7º);
  • prevê o licenciamento ambiental por adesão, que será mero pedido na internet com imediata emissão da licença (artigo 15).

Ora, desses pontos, verifica-se que a mudança da legislação entrará em conflito direto com os standards mínimos apresentados, já que será ignorado o princípio da precaução, não haverá uma efetiva avaliação de impactos ambientais e sociais, a consulta pública não será efetiva, contínua, oportuna e nem mesmo obrigatória em todos os casos, além de não haver mecanismos efetivos de reclamações e soluções de conflitos.

Note-se que mesmo nas atividades em que haverá dispensa de licenciamento ambiental poderá haver dificuldade na emissão de crédito, pois, conforme dados do Banco Mundial, há vários projetos financiados justamente nos setores excluídos (em especial, na área de agricultura e infraestrutura de saneamento, energia e portos).

Em conclusão, verifica-se que a proposta de alteração que está sob análise com apoio dos principais agentes econômicos do país (CNA e CNI), além de colocar em risco o patrimônio e a política ambiental brasileira, podem na verdade, em vez de auxiliar o crescimento econômico e “destravar” a burocracia, dificultar ou mesmo inviabilizar acesso ao crédito para empreendimentos no país, uma vez que a legislação nacional entrará em conflito com os standards estabelecidos pelos principais bancos internacionais, os quais também são ou deveriam ser seguidos por inúmeros bancos nacionais.

 

 

 

 

 

 

Autor: Luciano Furtado Loubet  é promotor de Justiça no estado de Mato Grosso do Sul. Tem mestrado em Direito Ambiental e da Sustentabilidade pela Universidade de Alicante (Espanha) e especialização em Direito Ambiental pela Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.


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