Autor: Gilberto Canhadas Filho e Fábio de Possídio Egashira (*)
O Procon de São Paulo integra a Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, sendo responsável pela coordenação e execução da política estadual de proteção aos consumidores. As sanções aplicadas pelo referido órgão têm por fundamento o poder de polícia administrativa, com o objetivo de defender os consumidores, considerados mais vulneráveis nas relações contratuais.
Nesse sentido, ao instaurar o auto de infração, o Procon-SP intima a empresa autuada a apresentar defesa ou a efetuar o pagamento de uma multa estimada com base na receita bruta da companhia.
Muitas vezes, o Procon-SP extrai a receita da empresa de algum site da internet e, se não houver impugnação na defesa apresentada, “(…) presumir-se-á aceita, pelo autuado, a receita mensal bruta estimada.” (parágrafo único do artigo 7º da Portaria Normativa 45/2015).
O Procon-SP, ao fixar a multa, ignora o fato de que a penalidade deverá ser graduada avaliando-se cumulativamente a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, conforma regra estampada no artigo 57 do CDC
Há o desprezo ainda da autoridade administrativa em relação ao fato de que diversas empresas, apesar de unidas por um mesmo CNPJ, possuem várias unidades autônomas de negócios dentro do grupo econômico, com produtos ofertados aos consumidores, em determinadas circunstâncias, completamente diferentes e em áreas distintas, cujo faturamento da unidade autuada, às vezes, pode corresponder de 3% a 5% da receita bruta da empresa.
Observe-se que a Portaria Normativa Procon 45/2015 (inciso II do artigo 7º combinado com o artigo 32) cria uma verdadeira limitação para quem resolver questionar a receita bruta estimada pelo Procon-SP, exigindo “(…) a apresentação de ao menos um dos seguintes documentos, ou quaisquer outros que os substituam por força de disposição legal:
I – guia de informação e apuração de ICMS – GIA, com certificação da Receita Estadual;
II – declaração de arrecadação do ISS, desde que comprovado o recolhimento;
III – demonstrativo de resultado do exercício – DRE, publicado;
IV – declaração de Imposto de Renda, com certificação da Receita Federal;
V – sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – DARF SIMPLES, com comprovante de recolhimento acompanhado do respectivo Extrato Simplificado”.
Como se vê, qualquer empresa detentora de apenas um CNPJ, e com várias unidades de negócios, nunca conseguirá comprovar a receita bruta da unidade autuada sem realizar uma prova pericial contábil para segregar as informações necessárias à apuração da referida receita. Em diversas oportunidades, na tentativa de comprovar a receita da unidade autuada, as empresas juntam aos processos administrativos as informações constantes do sistema contábil interno, mas tais documentos são absolutamente ignorados pelo Procon-SP.
O artigo 57 do CDC dispõe que uma das maneiras de graduação da multa é a vantagem auferida pela empresa. Ora, se a companhia possui dezenas de unidades autônomas de negócios, houve a autuação específica de determinado produto, como o Procon-SP pode considerar, para a aplicação da multa, a receita bruta de todo o grupo econômico?
Obviamente que essa atitude do Procon-SP pode e deve ser questionada judicialmente, com a finalidade de reduzir a multa aplicada, não apenas contestando a vantagem auferida pela autuada como demonstrando que a capacidade econômica não deveria ser o único critério a ser considerado pelo órgão autuante, já que a gravidade da infração consubstanciaria outro elemento a ser considerado para a fixação da penalidade.
O Procon-SP também não poderá deixar de avaliar se a empresa autuada é primária, o que reduziria em 1/3 a multa aplicada (alínea a do inciso I do artigo 34 da Portaria Normativa 45/2015), quantos consumidores foram atingidos pelo problema detectado na relação de consumo, se a infração foi local ou nacional, se a companhia autuada tomou providências imediatamente, readequando a problema do produto, entre outras medidas proativas da empresa em cada caso concreto.
Se a Portaria Normativa 45/2015 regulamentou e estabeleceu a forma de cálculo da multa para individualização da pena pecuniária, cujos critérios foram delimitados no artigo 57 do CDC, tal regulamentação deverá respeitar a Lei Federal, o que não vem acontecendo nas autuações administrativas do Procon-SP.
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem se posicionado pelo recálculo das multas do Procon-SP, reduzindo em até 90% as penalidades aplicadas, considerando a razoabilidade e a proporcionalidade, a exemplo da Ap 1009311-14.2015.8.26.0053; 6ª Câmara Extraordinária de Direito Público do TJ-SP; Rel. Des. Rebouças de Carvalho, 4.10.2016; da Ap 1033188-80.2015.8.26.0053; 13ª C. Dir. Público do TJ-SP ;Rel. Djalma Lofrano Filho; 3.5.2017; da Ap 1005923-74.2013.8.26.0053; 2ª C. Dir. Público do TJ-SP; Rel. Carlos Violante;. 26.4.2016; da Ap 0007876-90.2013.8.26.0053; 2ª C. Dir. Público do TJ-SP; Rel. Carlos Violante; 11.4.2017; da Ap 0018630-91.2013.8.26.0053. Rela. Des. Cristina Cotrofe; 8ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, 4.2.2015; da AC 1016283-34.2014.8.26.0053. Rel. Venício Salles; 4.3.2015; 12ª C. Dir. Público do TJ-SP; e dos Embargos Infringentes 0249258-45.2007.8.26.01000/50001; 8ª C. Dir. Público do TJ-SP; Rel. Des. Rubens Rihl; 5.11.2014.
Dessa forma, as empresas não somente podem como devem questionar judicialmente as multas administrativas excessivas aplicadas pelo Procon/SP com base na Portaria Normativa 45/2015 e que violem o artigo 57 do CDC.
Autor: Gilberto Canhadas Filho é advogado do Trigueiro Fontes Advogados, em São Paulo. Pós-graduado em Direito Civil pelo Mackeinze.
Fábio de Possídio Egashira é sócio de Trigueiro Fontes Advogados, pós-graduado em Direito Processual e em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia, em Direito Civil e Empresarial pela PUC-PR e em Direito Processual Civil pela PUC-SP.