Por Leonardo Alcantarino Menescal
Dentre as inúmeras arbitrariedades cometidas pelos entes federativos no campo tributário, uma das mais comuns é o abuso praticado pelos Municípios brasileiros na cobrança da espécie tributária “taxa”, especialmente na chamada “taxa de polícia”.
A taxa é uma espécie do gênero tributo, que pode ser instituída por todos os entes federativos, dentro de seu âmbito de abrangência, cujo fato gerador é uma atuação estatal específica, seja o regular exercício do Poder de Polícia ou a prestação ao contribuinte, ou colocação à disposição deste, de serviço público específico e divisível.
A despeito do novo status adquirido após a Constituição Federal de 1988 – notadamente em face da estrutura de repartição das receitas tributárias, prevendo impostos em seu âmbito privativo de competência – a maioria dos Municípios brasileiros continua com dificuldades no que tange à arrecadação tributária própria, seja pela pouca relevância ou mesmo inexistência de um setor de serviços vigoroso, bem como de imóveis com propriedade devidamente regularizada em cartório (prejudicando a cobrança, respectivamente, do ISS e do IPTU/ITBI).
A situação é agravada nos Municípios menos desenvolvidos, em face dos critérios constitucionais para a repartição da receita do ICMS, imposto mais relevante economicamente às Municipalidades. Na prática, quanto maior for a participação do Município na economia do Estado, maior será o repasse do imposto estadual, o que, por óbvio, acaba privilegiando as cidades mais ricas.
Diante deste quadro, tem sido muito comum a desvirtuação pelos Municípios – especialmente aqueles do interior dos Estados – da espécie tributária “taxa”, utilizada para fins de arrecadação, em total desconformidade ao arquétipo constitucional do tributo. O Estado do Pará não é exceção. Vejamos alguns exemplos de casos concretos verificados em determinados Municípios paraenses.
Um dos artifícios mais comuns utilizados pelos Municípios para aumentar a arrecadação tributária mediante taxas é a instituição desta espécie tributária sobre hipóteses absolutamente incompatíveis com o aspecto material do tributo (prestação de serviço público específico e divisível e efetivo exercício do Poder de Polícia).
Em certos Municípios, por exemplo, foram criadas taxas para a utilização do solo, subsolo e espaço aéreo (em face da colocação de postes de luz, cabos condutores de energia elétrica, minerodutos, gasodutos, etc.). O valor do tributo é cobrado com base no metro quadrado da área construída. Em outro caso concreto, um determinado Município criou a chamada “taxa de fiscalização de veículo de transporte de passageiro”, cujo fato gerador seria a suposta fiscalização exercida pela Municipalidade, calculada, incrivelmente, com base no número de vezes em que o trem passa pelo território municipal.
Em ambos os casos, os tributos evidentemente possuem natureza de taxa de polícia, vez que os Municípios pretendem “fiscalizar” as referidas atividades. Contudo, dentre outras ilegalidades e inconstitucionalidades, as cobranças padecem da mesma fragilidade: a evidente impossibilidade de exercer efetivamente o Poder de Polícia, pois é muito difícil crer que os fiscais municipais poderiam realizar qualquer tipo de fiscalização embaixo da terra ou durante a passagem de um trem em alta velocidade! Inexiste, portanto, o fato gerador da taxa. Tratam-se, na verdade, de exações fiscais teratológicas, que contrariam não apenas o Direito, mas até mesmo o senso comum.
De outra banda, abusos também são encontrados até mesmo nas hipóteses em que é devida a cobrança da taxa de polícia, como é o caso da Taxa de Licença para Localização e Funcionamento. O principal expediente utilizado por vários Municípios paraenses para majorar indevidamente o valor da TLPL é pautar a base de cálculo do tributo com base na área do estabelecimento. Ocorre que a taxa possui um caráter contraprestacional, ou seja, o montante exigido deve corresponder ao valor necessário para que o ente público realize a atividade certa e determinada a que se propõe. Logo, a taxa de licença não pode ter como base de cálculo o tamanho da área do estabelecimento, ou quaisquer outros elementos que não dizem respeito ao custo da atividade estatal no exercício do poder de polícia como, por exemplo, o patrimônio do contribuinte ou número de empregados.
A cobrança da TLPL com base na área do estabelecimento também enseja outra inconstitucionalidade muito comum, qual seja, conferir à taxa base de cálculo própria de imposto (no caso, o IPTU), violando o disposto no art. 145, §2º, da CF/88.
Estes são apenas alguns exemplos de abusos na cobrança de taxas pelos Municípios paraenses, os quais certamente se repetem nas municipalidades de todo o Brasil. A cobrança de taxa, especialmente a de polícia, tem sido utilizada pelos Municípios com finalidade flagrantemente arrecadatória, desconsiderando a necessária contraprestacionalidade desta espécie tributária, onde o valor cobrado deve ser equivalente ao custo do serviço.
Leonardo Alcantarino Menescal é advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará, gerente da área de tributos estaduais e municipais do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro e Scaff – Advogados.