Autora: Paula de Paiva Santos (*)
Para entendemos sobre o tema, primeiramente, cabe definirmos a finalidade da ação de prestação de contas. Segundo o doutrinador Parizatto a sua finalidade “é esclarecer dúvidas e solicitar a prestação de contas, por quem tenha o direito de exigi-las ou a obrigação de prestá-la.”
A doutrina diferencia a ação de prestação de contas como dois procedimentos especiais, dentro da mesma ação, com natureza jurídica de sentença dúplice. Na primeira fase aplica-se uma “sentença parcial”, de caráter declaratório, com julgamento parcial do mérito, na qual se verifica o interesse do Autor de exigir as contas e na segunda fase profere-se uma “segunda sentença”, de caráter condenatório, na qual se verifica possível saldo apurado na conta aprovada.
Segundo Alexandre Freitas Câmara: “A primeira é dedicada a verificar se existe ou não o direito de exigir prestação de contas afirmado pelo demandante. A segunda fase, que só se instaura se ficar acertada a existência da obrigação do demandado de prestar contas, destina-se à verificação destas e do saldo devedor eventualmente existente. ”
Ressalta-se que a obrigação de prestar contas não quer dizer, necessariamente, que o réu é devedor e o autor credor, apenas diz respeito a prestá-las quando estiver obrigado, para esclarecimentos de certas situações, em que poderá, futuramente, ser constituído ou não um débito, em favor do autor ou do réu.
Em se tratando das instituições financeiras, a qualquer correntista é dado o direito de exigir a prestação de contas, sendo lícito obter a prestação de contas, de forma mercantil, no intuito de verificar os lançamentos em sua conta. O Superior Tribunal de Justiça já tem se manifestado sobre o tema, ao declarar que: “Ao correntista que, recebendo extratos bancários, discorde deles constantes, assiste legitimidade e interesse para ajuizar ação de prestação de contas, visando obter pronunciamento judicial acerca da correção ou incorreção de tais lançamentos. ”
Prestada as contas, inicia-se a segunda fase do procedimento da ação de prestação de contas, classificada como “o acerto ou o erro” das contas prestadas, com a constatação da existência de saldo em favor de uma das partes. Não cabendo nessa fase a verificação de revisão de cláusulas, pois demandaria um procedimento não previsto na ação de prestação de contas, que se encerra, com a apuração de saldo, por meio de mera verificação das contas apresentadas, pelas partes.
Nesse sentido, define João Roberto Parizzato: “A ação de prestação de contas pressupõe que uma das partes receba da outra, bens ou valores para serem administrados, não sendo própria para impugnação de legalidade de cláusulas contratuais”.
A Ministra Maria Isabel Gallotti, por sua vez, em julgamento, na Segunda Seção, reforçou esse entendimento afirmando que: “A pretensão deduzida na inicial, voltada, na realidade, a aferir a legalidade dos encargos cobrados (comissão de permanência, juros, multa, tarifas), deveria ter disso veiculada por meio de ação ordinária revisional, cumulada com repetição de eventual indébito, no curso da qual pode ser requerida a exibição de documentos, caso esta não tenha sido postulada em medida cautelar preparatória. Embora cabível a ação de prestação de contas pelo titular da conta corrente, independente do fornecimento extrajudicial de extratos detalhados, tal instrumento processual não se destina à revisão de cláusulas contratuais.”
O pedido de revisão de cláusulas requerido na segunda fase não é compatível com o rito estabelecido na ação de prestação de contas, porquanto, revisar ajustes no contrato somente pode ser feito por meio de ação ordinária competente, qual seja a: ação revisional.
Salienta-se que a ação de prestação de contas é o instrumento que possibilita ao autor postular em juízo apenas com intuito de que sejam prestadas as contas devidas em razão de uma determinada relação jurídica de direito real. Assim, prestadas as contas e havendo crédito a ser ressarcido, a parte credora poderá, então, requerer esse crédito na segunda fase da ação de prestação de contas. Afinal, o que se pretende “é um acertamento da relação de débito e crédito e a apuração aritmética do saldo porventura, existente, com estrita observância à relação do direito material subjacente”.
Dessa forma, a doutrina é unânime em entender que não cabe revisão de cláusulas na ação de prestação de contas, por ser reconhecidamente inadequada, pela via eleita.
Assim, se a relação jurídica em questão for contratual e o autor desejar rever cláusulas do contrato, a medida adequada para esta situação é a ação de revisão contratual, isso porque a ação de prestação de contas não possui rito próprio para análise de revisão de contratos. Nesse sentido, segue inúmeros precedentes do Superior Tribunal de Justiça: (EDcl no AREsp 320.970/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, 3ª Turma, julgado em 19/08/2014, DJe 27/08/2014); (AgRg no REsp 1288436/PR, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, julgado em 14/10/2014, DJe 29/10/2014); (EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 1105618/PR, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, julgado em 02/09/2014, DJe 23/09/2014); (AgRg no REsp 1455450/MG, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, julgado em 05/08/2014, DJe 15/08/2014); (AgRg no REsp 1355882/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 21/03/2013, DJe 26/04/2013); (AgRg no REsp 1229174/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 01/03/2012, DJe 07/03/2012).
Dessa forma, diante da enxurrada das ações no Superior Tribunal de Justiça, com pedidos idênticos, e para pôr fim na presente discussão, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afetou sobre o rito dos recursos repetitivos, nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil, o RESP nº 1497831/PR, com o seguinte tema a ser discutido: “possibilidade de revisão de cláusulas contratuais, na segunda fase da ação de prestação de contas ”.
O recurso especial afetado pelo rito dos recursos repetitivos, ainda não tem data definida para julgamento, mas aguarda-se um resultado consoante o caminho já trilhado pela jurisprudência e pela doutrina, para enfim, consolidar o entendimento jurisprudencial pela impossibilidade de revisão de cláusulas na segunda fase da ação de prestação de contas, eis que incabível ao rito da ação, devendo a recorrida interpor ação adequada para esse fim: ação de revisão de cláusulas.
- Cabe remetermos ao artigo 914: a ação de prestação de contas competirá a quem tiver: I – o direito de exigi-las; II – a obrigação de prestá-las. Brasil. Lei nº 5.869. Código de Processo Civil. Publicado em 11 de janeiro de 1973.
- PARIZZATO, João Roberto. Ação de Prestação de Contas. 5.ed. São Paulo: Parizzato, 2011. p.01.
- MARCATO, Antônio Carlos. Procedimentos Especiais. São Paulo: Atlas, 2007. p. 136-137.
- Ressalte-se que trata-se de sentença de mérito e não decisão interlocutória, ao qual decide a primeira etapa da ação de prestação de contas. MIGLIAVACCA, Carolina Moraes. Da ação de prestação de contas (comentários aos artigos 914 a 919 do Código de Processo Civil). Juris Plenun, Rio Grande do Sul, Ano X, n. 55, 2015. p.79.
- CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. v.3. p.335-347.
- CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. v.3. p.339.
- PARIZZATO, João Roberto. Ação de Prestação de Contas. 5.ed. São Paulo: Parizzato, 2011. p.03.
- Mesmo que o réu não tenha apresentado reconvenção, ou ainda que ele seja revel, poderá ser constituído título executivo judicial, se demonstrada na prestação de contas, um saldo em seu favor. MARCATO, Antônio Carlos.Procedimentos Especiais. São Paulo: Atlas, 2007. p.137
- BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 259. A ação de prestação de contas pode ser proposta pelo titular de conta-corrente bancária.
- BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no RESP Nº 114237/SC. Relator: ZVEITER, Wlademar. Publicado no DJ de 01.03.1999. Disponível em:https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=199600739137&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea. Acessado em: 08.09.2015.
- CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. v.3. p. 345.
- PARIZZATO, João Roberto. Ação de Prestação de Contas. 5.ed. São Paulo: Parizzato, 2011. p.03-04.
- BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no RESP Nº 1.231.027/PR. Relatora: GALLOTTI, Maria Isabel. Publicado no DJ de 18.12.2012. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201100041360&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea. Acessado em: 08.09.2015.
- Nesse mesmo sentido, se manifestou o Ministro Aldir Passarinho ao não admitir ação de prestação de contas, com o propósito de discutir a validade de cláusulas contratuais. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no AgRg no Ag 276.180/MG, Relator PASSARINHO, Aldir. Publicado no DJ 05.11.2001. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=199901117852&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.eaAcesso em 08.09.2015.
- PARIZZATO, João Roberto. Ação de Prestação de Contas. 5.ed. São Paulo: Parizzato, 2011. p.02.
- O art. 543-C do Código de Processo Civil-CPC dispõe que, quando houver multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica controvérsia, a análise do mérito recursal pode ocorrer por amostragem, mediante a seleção de recursos que representem de maneira adequada, a controvérsia. Recurso repetitivo, portanto, é aquele que representa um grupo de recursos especiais que tenham teses idênticas, ou seja, que possuam fundamento em idêntica questão de direito. Site do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:http://www.stj.jus.br/sites/STJ/TV/pt_BR/Consultas/Recursos-repetitivosAcesso em 8 de setembro de 2015.
Autora: Paula de Paiva Santos é advogada do Banco Bradesco S/A. Especialista em Direito do Consumidor, Direito Processual Civil e Direito Civil.