Não há lógica em cobrar ICMS sobre tarifa de transmissão de energia

Autora: Luciana Rodrigues de Moraes (*)

 

Insta esclarecer, inicialmente, que os estados exigem o tributo de ICMS incidente na conta de energia elétrica sobre base de cálculo superior àquela legal e constitucionalmente prevista, uma vez que a arrecadação estadual deste tributo não está sendo cobrada apenas sobre o valor da “mercadoria”, neste caso a própria energia elétrica, mas, também, sobre as tarifas de uso do sistema de transmissão e distribuição de energia elétrica proveniente da rede básica de transmissão, as chamadas TUST/TUSD.

Vestibularmente importa expor que é atribuição do Operador Nacional do Sistema Elétrico (NOS), com prévia autorização da União Federal, exercer a operação e a administração da rede básica de energia elétrica do país, de tal sorte que o acesso é livre a todos residentes e domiciliado no país.

Neste sentir, temos, pois, que a rede básica de transmissão e distribuição de energia elétrica do país é composta por torres, cabos, isoladores, subestações de transmissão e demais equipamentos que tem a função de operar tensões médias, altas e super altas, ao passo que o sistema básico de transmissão administrado pelo ONS, a sua utilização, por concessionários, permissionários e autorizados depende da contratação de acesso ao sistema, conforme se depreende dos artigos 1º e 2º da Resolução Aneel 281/1999, de modo que o usuário remunera o ONS mediante recolhimento da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST), na forma da referida resolução.

Assim, tal tarifa tem sido suportada por todos que fazem uso da rede de transmissão, quais sejam, a geradora da energia elétrica, o consumidor livre diretamente conectado à rede básica, ou mesmo os consumidores cativos que pagam as tarifa em suas contas.

Por outro lado, temos, pois, que o sistema de distribuição é composto por postes, cruzetas, isoladores, fios, transformadores e demais equipamentos que não compreendam a rede básica, notadamente aqueles que operam em baixas tensões, de direta responsabilidade das distribuidoras, cujo acesso também é livre a todos.

Para que haja a contratação no mercado livre haverá a necessidade de celebrar um contrato de uso dos sistemas de distribuição ou, no mercado cativo, mediante contratação do fornecimento de energia elétrica, no entanto, nas duas hipóteses deverá haver remuneração do uso da rede mediante recolhimento Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição.

O presente artigo não visa esgotar o assunto, pelo contrário, apenas debater o recolhimento do ICMS sobre as tarifas pagas em razão da conexão e do uso do sistema de transmissão na entrada de energia elétrica em seu estabelecimento, residência, empresa, entre outros.

No Brasil a energia elétrica sempre foi considerada como mercadoria, sujeita, portanto, à incidência do ICMS. Ao definir as hipóteses de incidência do ICMS, a Lei Complementar 87/96 abrangeu, conforme o previsto no art. 155, inciso II, da Constituição Federal, tão somente as operações relativas à circulação de mercadorias. Sendo, nesta toada, a expressa determinação do artigo 2º da referida Lei Complementar, conforme se depreende de seu texto, in verbis:

“Art. 2º – O imposto incide sobre:

I – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; (…).”

Ora, as características técnico-científicas da energia elétrica não permitiria que ela ficasse parada em um ponto esperando seu usuário fazer uso, logo, por natural que ela fique circulando nas redes elétricas, seguindo seu fluxo normal de condutividade até que algum usuário faça uso, de tal sorte que somente neste instante o fato gerador do imposto ocorre, ou seja, somente quando o usuário faz efetivo uso da energia é que há a entrega da mercadoria (energia elétrica), que se perfaz com a “entrada” da energia no seu imóvel, ponto de uso da energia, cujo entendimento acerca do assunto é comungado pela própria Agência Nacional de Energia Elétrica.

Não resta dúvida de que o ponto de entrega na mercadoria, aqui entendido como a energia elétrica, é o relógio medidor e que somente neste instante será possível individualizar o consumo junto ao usuário do serviço de energia elétrica, momento único na relação de consumo que justifica a cobrança do imposto, agora sim determinado o sujeito passivo da relação tributária.

Não há lógica jurídica razoável capaz de justificar a cobrança do ICMS sobre as tarifas que remuneram a transmissão e a distribuição da energia elétrica, uma vez que em nome do princípio da legalidade tal cobrança é inexistente, logo, põe em xeque o princípio constitucional da reserva legal, segundo o qual é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça.

Ora, está claro que o contribuinte tem pago o TUST e o TUSD com fulcro no uso das redes de transmissão e distribuição. Igualmente está claro que o imposto só pode ser cobrado sobre a energia elétrica da mesma forma que se cobra das mercadorias, ou seja, quando esta for efetivamente entregue ao usuário final.

Por outro lado, há ainda que se considerar que o Superior Tribunal de Justiça, no âmbito da súmula 166, exarou entendimento sólido quando afirmou que “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”, ou seja, evidente vedação à tributação sobre valores que não decorram da circulação jurídica de mercadorias, isto é, de um ato de mercancia propriamente dito.

Evidente, ainda, que a cobrança tem ocorrido sob a égide da ilegalidade, uma vez que não há ato de mercancia ou de circulação jurídica de mercadoria para tal cobrança, já que está claro que a utilização da rede de energia elétrica é apenas uma autorização e esta não é mercadoria, sendo certo que o Estado deveria deixar de cobrar o imposto por evidente impossibilidade de incidência do ICMS sobre os encargos de transmissão ou distribuição, TUST e TUSD.

Indissociável que a cobrança do tributo de ICMS sobre a utilização da rede de distribuição disponível deveria ocorrer imediatamente, mas nos parece que os estados não têm interesse em deixar de arrecadar vultoso montante financeiro que esta tributação indevida lhe guarnece.

Todavia, os tribunais de todo Brasil estão abarrotados de ações discutindo a indevida cobrança e ao se consolidar o entendimento nos Tribunais Superiores, o que já tem ocorrido parcialmente, certamente o buraco no orçamento será incomensurável, o que nos faz pensar se tais ações não serão “agraciadas” pelo STF com sua tão politicamente aplicada “modulação dos efeitos” impedindo, inclusive, que contribuintes que estão buscando o Poder Judiciário sejam impedidos de requererem via repetição do indébito os últimos cinco anos pagos indevidamente.

O Poder Judiciário não pode ser conivente, ainda que seja por inércia, com os atos abusivos do Poder Executivo, permitindo-lhe exigir dos contribuintes brasileiros um tributo alto, que nitidamente viola a Carta Magna.

Assim, em nosso humilde entendimento, caberia ao Poder Público deixar de cobrar imediatamente o ICMS Energia incidente sobre o TUST e sobre o TUSD, inclusive, restituindo cada contribuinte dos últimos cinco anos de arrecadação indevida, seja por iniciativa própria executiva/legislativa, seja por determinação judicial.

 

 

 

 

 

Autora: Luciana Rodrigues de Moraes é advogada graduada em Direito pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus e especializada em História da Filosofia e Recursos nos Tribunais Superiores.


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