Não há poder geral de cautela no processo penal

Por Acauan de Azevedo Nunes

A Lei 12.403, de 2011, prevê uma série de medidas cautelares pessoais, a serem aplicadas dentro dos critérios de necessidade e adequação, para os fins específicos de salvaguardar a aplicação da lei penal, a investigação ou a instrução criminal, bem como para evitar a prática de novos delitos (artigo 282 do Código de Processo Penal).

No processo penal, não há lugar para o poder geral de cautela do juiz (artigo 798 do CPP), em razão da observância à legalidade estrita. Isso porque não se verifica lacuna no novel texto processual, sendo inadmitida a interpretação extensiva ou a aplicação analógica de normas tomadas, por empréstimo, de ramos diversos do Direito.

Explica-se: é sabido que além do princípio da reserva legal, deve-se atentar à vedação de aplicação do método analógico ou extensivo in malam partem, mormente quando o texto legal que se busca aplicar possui raízes no direito processual civil, totalmente estranhas, por óbvio, ao processo criminal.

A propósito, é interessante a observação do professor Fauzi Hassan Choukr, para quem “não é possível empregar-se a analogia com a ratio legislativa for distinta, o que se dá, por exemplo, na impossibilidade de empregar-se, por esse método interpretativo, o instituto do poder geral de cautela, presente no processo civil”, ainda esclarecendo que, no caso, “(…) rigorosamente nem se pode falar em analogia como interpretação, mas, sim, como suposto método de integração de ordenamentos.” (in Código de Processo Penal – Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005).

Noutro lado, também é inviável lançar mão de graduações vagas sobre as diversas hipóteses previstas no artigo 319 do CPP, a fim de reconhecer a incidência de medida cautelar inominada, pois essa providência corresponde a inegável arbítrio judicial, conforme ensinam Luiz Flávio Gomes e Ivan Luís Marques, em seu recente livro intitulado Prisão e Medidas Cautelares – Comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011.

In verbis:

“O juiz da jurisdição penal não tem poderes para lançar mão de medidas atípicas ou não previstas em lei. Não existem medidas cautelares inominadas no processo penal. Todas as vezes que o juiz lança mão desse famigerado poder geral de cautela, na verdade, ele está violando o princípio da legalidade. No processo penal, forma e garantia. O juiz só está autorizado a praticar os atos que contam com forma legal. Se o juiz se distancia da forma legal, resulta patente a violação à legalidade.” (São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011)”.

Nesse sentido também é a jurisprudência atual do egrégio Superior Tribunal de Justiça, a quem a Constituição Federal conferiu a tarefa de zelar pela correta interpretação da legislação infraconstitucional:

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRISÃO PREVENTIVA REVOGADA COM DETERMINAÇÃO DE AFASTAMENTO DO CARGO. ARTIGO 20, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.429/92. APLICAÇÃO NO PROCESSO PENAL. INVIABILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA NO PROCESSO PENAL PARA FINS RESTRITIVOS. INEXISTÊNCIA.

1. É inviável, no seio do processo penal, determinar-se, quando da revogação da prisão preventiva, o afastamento do cargo disciplinando no artigo 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92, previsto para casos de improbidade administrativa.

2. Não há falar, para fins restritivos, de poder geral de cautela no processo penal. Tal concepção esbarra nos princípios da legalidade e da presunção de inocência.

3. Ordem concedida para revogar a providência do artigo 20, parágrafo único, da Lei n. 8.429/92, determinada pelo Tribunal a quo, no seio da ação penal n. 2007.70.09.001531-6, da 1.ª Vara Federal de Ponta Grossa/PR.” (HC n. 128599 / PR, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data doJulgamento: 07/12/2010, Data da Publicação/Fonte: DJe 17/12/2010)”.

E nem se diga, em razão do Habeas Corpus 102.124/RJ, também julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 04 de fevereiro de 2010, da relatoria do eminente Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que a analogia ou integração normativa são adequadas.

Com efeito, naquele caso específico – que não se pode ter como paradigma – o Juízo de origem apenas tomou medidas práticas para a melhor análise do pleito de liberdade provisória do paciente, que decorrem de cautela, por certo, mas dizem respeito à adequada prestação jurisdicional, sem ensejar o reconhecimento de constrangimento ilegal.

Portanto, sob todos os aspectos, a aplicação de cautelar genérica no processo criminal, como se viu, enseja a declaração de ilegalidade do ato que a determinou, pois ferida de morte a garantia prevista no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”
Acauan de Azevedo Nunes é assessor jurídico do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

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