Ao meu sentir, a inscrição de estagiário graduado em Direito não tem duração definida pela Lei Federal 8.906/1994, diferentemente do que ocorre com a inscrição do estagiário graduando em direito. São questões tratadas pelo estatuto profissional dos advogados em oportunidades diferentes. A inscrição do bacharelando está cristalizada no parágrafo 1º e a inscrição do bacharel no parágrafo 4º, ambos do artigo 9º, da aludida lei.
Antes, porém, para se inscrever como estagiário no quadro da OAB é necessário preencher os requisitos mencionados nos incisos I, III, V, VI e VII do artigo 8º, do Estatuto profissional. Ou seja, ser dotado de capacidade civil, possuir título de eleitor e se achar quites com o serviço militar, se for brasileiro. Também, não pode exercer qualquer das atividades relacionadas no artigo 28, do referido Estatuto, que são as atividades incompatíveis com a advocacia, respeitadas as exceções do parágrafo 2º. Ainda, deve ser dotado de idoneidade moral e prestar compromisso perante o conselho regional. E, principalmente, ter sido admitido como estagiário em um escritório credenciado pela OAB do mesmo Estado membro da Federação onde se realiza o curso jurídico.
O graduando em curso jurídico que exerça atividade incompatível com a advocacia, segundo os ditames do aludido artigo 28, apesar de ter vedada a inscrição no quadro de estagiários da OAB, pode, no entanto e somente para o fim de aprendizagem, frequentar curso de estágio, se ministrado na respectiva instituição de ensino superior. Segundo o parágrafo 4º do artigo 9º, o estágio profissional poderá ser cumprido por Bacharel em Direito que queira se inscrever na Ordem, que diferentemente do parágrafo 1º do mesmo artigo, se refere a bacharel em direito não impõe limitação ao tempo de duração.
É comum às secionais da OAB indeferirem a inscrição como estagiário de graduados em direito, ou então imporem o prazo de dois anos para a duração do estágio. Entendem que o prazo de dois anos previsto no parágrafo 1º é extensivo ao estágio previsto no § 4º, o que, tecnicamente, não se sustenta. O parágrafo 1º claramente prevê que o prazo ali previsto corresponde aos últimos dois anos do curso jurídico, o que torna inviável no caso do estágio praticado pelo graduado em direito.
§ 1º O estágio profissional de advocacia, com duração de dois anos, realizado nos últimos anos do curso jurídico, pode ser mantido pelas respectivas instituições de ensino superior pelos Conselhos da OAB, ou por setores, órgãos jurídicos e escritórios de advocacia credenciados pela OAB, sendo obrigatório o estudo deste Estatuto e do Código de Ética e Disciplina. Tal entendimento contraria a técnica legislativa de elaboração das leis que prevê que todos os parágrafos se subordinam ao que é emanado do caput e incisos do próprio caput, caso estes incisos existam, e que os parágrafos são independentes, uns em relação aos outros.
Os textos legais serão articulados com observância dos seguintes princípios: I – (…); II – os artigos desdobrar-se-ão em parágrafos ou em incisos; os parágrafos em incisos, os incisos em alíneas e as alíneas em itens; Assim, fica claro que os parágrafos se subordinam ao que preceitua o caput, mas são independentes entre si mesmos, ou seja, o prazo de dois anos previsto no parágrafo 1º do artigo 9º da Lei Federal 8906/1994 se refere só e somente só a ele, não se estendendo ao parágrafo 4º.
Para que o aludido prazo se estendesse a mais de um parágrafo ele deveria estar situado no caput ou como um inciso do caput. Da forma como está, somente afeta o estágio para graduando. O estágio do parágrafo 4º se refere tão só e somente só a BACHAREL, sem fazer referência ao prazo de duração. Por outro lado, existem os que afirmam que a Ementa 034/2003/PCA, do E. Conselho Federal determina no sentido que o prazo de estágio seria de no máximo de três anos em vista do que dispõe o artigo 35 do Regulamento Geral do estatuto que assim se encontra redigido, verbis: artigo 35.
O cartão de identidade do estagiário tem o mesmo modelo e conteúdo do cartão de identidade do advogado, com a indicação de “Identidade de Estagiário”, em destaque, e de prazo de validade, que não pode ultrapassar três anos nem ser prorrogado. Por óbvio que tal entendimento debitado à referida Ementa 034/2003/PCA é contrário ao disposto na Legislação Federal.
A competência que o legislador concedeu ao Conselho Federal da OAB no artigo 78 da Lei Estatutária se restringe ao ato de regulamentar o que dispõe a Lei Estatutária. Isto implica que o Regulamento não pode conflitar com o que a Lei dispõe, sob risco do Conselho Federal incorrer em excesso de mandato.
É assim que entende Paulo Lobo no festejado Comentário ao Estatuto, p. 328, quando afirma que ‘Apesar da denominação utilizada na Lei 8.906, o Regulamento Geral tem forma e natureza de resolução e de regimento interno e foi editado dentro desses precisos limites. (…) É da competência das entidades e órgãos de deliberação coletiva a edição de resoluções de alcance geral e abstrato, desde que não criem, modifiquem ou extingam direitos e obrigações’. (Grifei). A regulamentação contida no artigo 35 do Regulamento Geral se restringe única e exclusiva à forma, conteúdo e prazo de validade do cartão de identidade. Nunca ao prazo de duração do estágio propriamente dito, pois este é o da Lei estatutária.
O prazo de validade do cartão de identidade por três anos se justifica na medida em que o estágio do graduado não tendo a duração definida pela própria Lei estatutária, para o controle do vínculo do Estagiário com o escritório jurídico, os redatores do Regulamento Geral entenderam regulamentar-lhe a validade para que o cartão de identidade fosse trocado, de maneira improrrogável, a cada três anos, com o fim de se fiscalizar o vínculo com o escritório jurídico.
Ainda, os mesmos defensores do entendimento extensivo do que reza o artigo 35 do Estatuto, deixam de lado Paulo Lobo e embasam a tese que defendem em Gisela Gondin Ramos. Gisela, no clássico Estatuto da Advocacia, p. 248, se referindo ao § 4º do artigo 9º afirma que: ´Embora o Estatuto silencie a respeito do tempo de duração do estágio nestas condições, creio que o período máximo não deverá ultrapassar o dobro do tempo mínimo estabelecido para o estágio regular, sob pena de fazermos renascer a antiga figura do solicitador, ou provisionado, que o próprio Estatuto cuidou de abolir’. Analisando criticamente a posição de Gondin, como citado, evidente fica que ela não dá suporte ao entendimento extensivo do que reza o artigo 35 do Regulamento Geral, ou seja, para que o prazo de três anos ali previsto alcance o § 4º do artigo 9º do Estatuto.
Nem poderia ser diferente, pois ela, na página 221 da mesma obra, se posiciona ao lado de Paulo Lobo afirmando, com a autorização do Conselheiro Federal José Edísio Simões Souto, que ‘O regulamento executivo, (como) esclarece luminosamente Celso Antonio Bandeira de Melo, especifica os comandos já abrigados virtualmente na lei, isto é, compreendidos na abrangência de seus preceptivos’. E continua desta feita apoiada em José Náufel: ‘Efetivamente o regulamento é ato que traça as normas para execução de determinada lei, da qual é complemento e de cujos limites não se pode afastar‟. (Grifei). Pois bem, se o Regulamento Geral da OAB não pode se afastar da Lei 8906/1994 o prazo que o parágrafo 1º do artigo 9º não pode contaminar o estágio do graduado que é previsto no parágrafo 4º do mesmo artigo.
Por outro lado, quando Gondin afirma que em função do silêncio do Estatuto a respeito do tempo de duração do estágio nas condições do parágrafo 4º do artigo 9º, ela crê “que o período máximo não deverá ultrapassar o dobro do tempo mínimo estabelecido para o estágio regular”, é outra posição que somente contribui para conturbar mais ainda a questão. Pois, se Gondin corretamente se alia aos que entendem como Paulo Lobo, ou seja, que o Regulamento do Estatuto não pode dispor mais do que o Estatuto permite, ela se torna contraditória ao ventilar outro prazo, acrescendo mais um entendimento ao parágrafo 4º não contido no artigo 9º da Lei Federal 8.906/1994, Estatuto profissional dos advogados. Também, contrariamente ao que afirmou Gondin, não há que se falar em perigo de reavivar a antiga figura do solicitador, ou provisionado, como desculpa para não se cumprir a Lei.
Afinal, a OAB deve se pautar dentro dos limites do artigo 37 da Constituição Federal, ou seja, dentro dos princípios de legalidade e impessoalidade. O exercício de qualquer atividade é uma das garantias da Constituição Federal contido no inciso XII do artigo 5º. Pelo exposto e respeitando os entendimentos em contrário, considero que o prazo previsto no parágrafo 1º do artigo 9º do estatuto profissional dos advogados se refere ao estágio de graduando e que o prazo previsto no artigo 35 do Regulamento Geral se refere somente à forma, conteúdo e prazo de validade do cartão de identidade, sendo que nem um e nem o outro diz respeito à duração do estágio do bacharel em direito, previsto no parágrafo 4º do mesmo artigo 9º da Lei Federal 8.906/1994. Assim, o meu entendimento é no sentido que o bacharel em direito tem acesso à inscrição no quadro de estagiários da OAB sem duração definida, somente se obrigando a renovar a identidade profissional a cada três anos, na forma que dispõe o parágrafo 4º do artigo 9º do estatuto profissional dos advogados, combinado com o artigo 35 do Regulamento Geral da OAB.