Autor: Geovane Machado Alves (*)
O sistema de franchising no Brasil teve início na década de 1960. Naquela época, o sistema se baseava simplesmente na transferência de conhecimento (know-how). De lá para cá, todavia, muita coisa mudou. Na década de 1990, houve um expressivo crescimento do setor, decorrente do aprimoramento das técnicas de gestão, de repasse de conhecimento e de organização.
No Brasil, os contratos de franquia empresarial são regidos pela Lei 8.955, de 15 de dezembro de 1994. Segundo a referida norma, franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços. E, eventualmente, também o direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício (artigo 2º).
Atualmente, segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF), em 2016, o setor de franquias brasileiro faturou 8,3% a mais que no ano anterior, o que representa R$ 151,2 bilhões, com um crescimento contínuo desde 2011. No mesmo intervalo de tempo, apesar da redução do número de redes franqueadoras (-1,1%), houve um crescimento no número de unidades de franquias, o que equivale a 142,6 mil (+3,1%).
Há que se ressaltar, também, que o número de empregos diretos gerados pelo setor aumentou 0,2%, no primeiro semestre de 2016. Ou seja, o franchising brasileiro vive um momento de expansão e crescimento, o que faz com que, em todo tempo, surjam questões jurídicas relevantes que demandam uma detida análise dos tribunais.
Neste sentido, recentemente, o Judiciário gaúcho emitiu uma importante decisão para o setor. No caso, restou entendido que os royalties pagos aos franqueadores não devem compor a base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) das franquias.
Para entender melhor a importância deste julgado, é preciso destacar que o ICMS é um imposto indireto. Em geral, ele incide sobre as várias etapas da cadeia econômica, repercutindo o seu ônus econômico até o consumidor final.
Neste contexto, a legislação permite a ocorrência da chamada substituição tributária. Na substituição tributária progressiva, por exemplo, o contribuinte situado na primeira etapa dessa cadeia antecipa o tributo devido pelos contribuintes situados nas etapas subsequentes. Contudo, por ser um canal de distribuição ímpar, o sistema de franquia merece ser tratado de forma distinta dos demais canais na substituição tributária.
No caso analisado, o Estado do Rio Grande do Sul fez a cobrança de ICMS sobre royalties, como se fossem parte integrante dos preços das mercadorias. Já a franqueadora, ao questionar o auto-de-infração lavrado pela Fazenda Estadual, afirmou que a cobrança era ilegal, já que os royalties não fazem parte do processo de produção da mercadoria.
Segundo a autoridade fazendária, a exclusão dos royalties da base de cálculo do ICMS desoneraria toda a cadeia econômica. Isso porque quem adquire os produtos da franqueadora paga em torno de 50% em royalties sobre o valor da nota fiscal.
Contudo, apesar do entendimento do fisco estadual, a 6ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, que analisou o caso, acatou os embargos propostos pela franqueadora. De acordo com a decisão judicial, os royalties, no caso, são receita de outra empresa, e não da mesma que comercializou as mercadorias. Desta forma, o planejamento tributário adotado não teria afrontado as normas tributárias vigentes.
Ocorre que a empresa autuada havia segregado suas operações em três pessoas jurídicas distintas, tornando evidente o fato de que a venda de mercadorias, o oferecimento de expertise para exploração dessa mercadoria e os direitos para exploração da marca eram negócios diferentes. Portanto, os royalties não fariam parte da composição da mercadoria.
Vale destacar, contudo, que se a segmentação das atividades estivesse fora da realidade fática e as atividades não estivessem sido segregadas corretamente, sem o contrato de exploração separar cada um dos negócios, provavelmente o posicionamento do Judiciário teria sido diferente.
Como se vê, o tema ainda é bastante controverso e sem um posicionamento uníssono da jurisprudência. Entretanto, o debate revela, por si só, a complexidade de um dos assuntos relacionados a este importante setor da economia nacional, responsável por uma fatia, cada vez mais expressiva, da atividade empresarial no país.
Autor: Geovane Machado Alves é advogado, especializado em Direito Tributário da equipe de Cesar Peres Advocacia Empresarial (CPAE).