Não se pode mais tolerar que MPs tratem de assuntos tributários

por Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade

Brasília, 30 de dezembro de 2004. Luiz Inácio Lula da Silva, nos termos do artigo 62 da Carta Maior, assina a Medida Provisória 232. Explicação oficial: correção “ridícula” da Tabela Progressiva do Imposto de Renda sobre os Rendimentos das Pessoas Jurídicas.

Entendimento do texto: a sociedade brasileira, mais uma vez, deverá recolherá à nação, digo, aos cofres públicos, mais impostos. O resumo da ópera é que o cidadão brasileiro, em 2005, trabalhará mais e ganhará menos, terá renda menor e sustentará a formidável máquina estatal com seu patrimônio financeiro cada vez mais diminuto.

Ora, a leitura do teor da malsinada MP 232, se não nos leva à loucura, nos remete a alguns dos mais basilares princípios constitucionais que foram reiteradamente desrespeitados pelo presidente Lula, a ausência dos requisitos de relevância e urgência.

Ao revés, a única urgência havida foi a do próprio governo, que a editou ao apagar das luzes do ano de 2004, sem que a sociedade e o próprio Congresso Nacional soubessem — ou pudessem vir a saber — os efeitos e a intenção inescrupulosa de aumento da carga tributária sobre prestadores de serviço, sob o risível e inadmissível argumento de correção da tabela de imposto de renda em 10%!

Não contente em arrasar justamente com o setor que mais empregos gera para o país, — prestação de serviços — que sem dúvida será o mais atingido por este verdadeiro “TSUNAMI confiscatório”, pois a MP 232/04 elevou de 32% para 40% a base de calculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre Liquido(CSLL) dos prestadores de serviços que optam pelo regime tributário com base no lucro presumido, o modus operandi de sua edição impediu o debate democrático e, pior, rememorou os célebres pacotes editados na calada da noite, e, neste caso, na calada da noite de réveillon.

Nada poderia ter sido pior para o governo Lula neste início de ano. Um mar de protestos, justas manifestações de cidadãos que não admitem mais o desprezo do governo aos direitos arduamente conquistados na so-called Constituinte Cidadã, pobre Carta, já tão anciã. (dr. Ulisses, quem diria, tremeria se enterrado estivesse).

Não podemos e não devemos mais tolerar que se editem medidas provisórias para temas de natureza tributária (aliás, este governo suplantou qualquer outro em edição despropositada de medidas provisórias), como no caso da malsinada MP 232 que, insatisfeita em investir contra os contribuintes, cassa-lhes e também lhes restringe direitos, afronta a Carta Maior e humilha o cidadão brasileiro.

O artigo 150 da atual e reitere-se, vigente Carta Política é categórico ao dispor ser vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça.

Ora, o termo provisório é auto-explicativo, dispensa explicações semânticas; mas medida provisória não é e nunca foi lei, pra início de conversa, e jamais será o meio legislativo adequado a tratar de questões tributária, muito especial e notadamente se for esta editada para o fim especial de aumentar a arrecadação e restringir e/ou suprimir direitos fundamentais dos contribuintes.

O Poder Executivo não legisla, a menos que seja em caráter de urgência e de relevância. Daí porque surgem as revoltas, o inconformismo, a angústia, “et qui plus est”, diriam os franceses, a decepção!

Onde estão a relevância, a emergência e a urgência das matérias abordadas na maltratada MP 232/04?

Elevar em 35% os impostos recolhidos pelas empresas de prestação de serviços para afetar frontal e diretamente os profissionais liberais — médicos, dentistas, advogados fisioterapeutas, veterinários, corretores de seguros, artistas, gente que produz e que já é duramente arrebentada , castigada pela crescente carga tributária, pela verdadeira avalanche de impostos será matéria de ordem relevante e/ou urgente?

Para a OAB/SP, a Medida Provisória 232/04 é definida como um verdadeiro “tsunami confiscatório” que afetará 2 milhões de empresas e diversos ramos de serviços.

E a cifra acima é mais que verídica, já que o governo atual de há muito se olvidou de seus compromissos sociais de campanha, tentou, sem êxito algum, enveredar-se pela sempre sinuosa trilha do populismo barato ao lançar o mote Fome Zero, dentre outros. Fome Zero não pegou.

Talvez tenha tido lá seus 15 minutos de fama, como no exterior e há pouco tempo, pois o Primeiro Mundo e os gringos em férias em Davos, agradável estação de esportes de inverno situada na região sudeste dos Alpes, no Cantão dos Grisons da neutra Suíça, por exemplo, adoraram este tipo de assunto.

Convenhamos, nada mais que apropriado que uma estação de esportes de inverno — Davos — para nosso presidente Lula ser, como de fato foi ovacionado ao lado dos rich and famous de plantão.

Como dito, rich and famous people, gringos em geral e os cidadãos do Primeiro Mundo em particular adoram o tema pobreza, fome, miséria. Mas, (e sempre tem um porém mesmo) mal têm eles noção do que seja um dos muitos indiozinhos da tribo caiowá morrendo de inanição no Brasil sem que nada, nada seja feito.

Eles adoram ver gente pobre do terceiro e quarto mundo (?) , mas só em fotografia e, de preferência, foto digital, assim mesmo recebida por e-mail reservado em seus laptops tops de linha.

Presidente Lula, de nada vale sermos o mais rico dos mais pobres, termos um avião presidencial de não sei quantos milhões de dólares, ouvirmos de todo mundo que somos um país do futuro (eu escuto esta frase desde a época de cursinho no Objetivo, e olhe que já tenho 25 anos de formada!).

De que adianta investir contra quem produz? Onde a propalada justiça tributária cantada em verso e em prosa durante sua campanha? O que realmente se pretende com a edição desta malsinada Medida Provisória 232/04? Sabe o que vai acontecer com o país se o Congresso Nacional não rejeitar esta voracidade fiscal?

Fome 232! E aí, adeus senhor presidente.

Revista Consultor Jurídico, 14 de Março de 2005

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