Negligências do Estado são afronta à vida pública

Por Miguel Pachá

Não bastassem as inevitáveis tragédias, que infelizmente acontecem no cotidiano, em proporção maior do que deveriam pela negligência de alguns, o cidadão ainda sofre quando precisa percorrer um verdadeiro labirinto para garantir os seus direitos perante o Estado. No auge dos acontecimentos, as autoridades se apressam em utilizar os meios de comunicação para garantir que os lesados sejam imediatamente indenizados pelo Estado, “pois não se permitirá que, além da dor e do sofrimento, tenham que arcar com as funestas consequências econômicas capazes de reduzi-los a uma miséria maior do que aquela em que viviam”.

Pura retórica demagógica. Passados os dias, versões começam a surgir tentando justificar a omissão do Poder Público e atribuindo a culpa do ocorrido às próprias vítimas atingidas pelo infortúnio.

Não raro afirma-se que elas construíram suas casas em locais impróprios, no caso das enchentes, sobre aterro de lixo e nas encostas cobertas de detritos que ali se acumularam por anos, nos casos de desabamentos. Esquecem de que foram os próprios representantes do Poder Público que consentiram e até estimularam tal proceder. O fornecimento de tijolos e materiais de construção das moradias, a extensão de postes para iluminação pública, a cobrança de IPTU e das taxas de serviços em locais absolutamente irregulares são exemplos dessa conduta.

As desculpas, de tão inconsistentes, ferem o sentimento médio da sociedade, causando revolta na população, como aconteceu há poucos dias, quando o bondinho de Santa Teresa descarrilou. Naquela ocasião, cinco pessoas morreram e mais trina ficaram feridas. A insinuação de que o culpado foi o condutor do veículo, morto na tragédia, indignou a todos.

A verdade, contudo, está aparecendo translúcida a cada momento, quando os fatos revelam a desídia do Estado. Quer pela falta de manutenção, quer pela colocação de arame em lugar de parafuso, quer pela falta de investimento, quer pela aplicação mínima dos recursos previstos ou pelo sucateamento da frota. A sociedade espera, além de medidas imediatas para enfrentar o problema, que as famílias enlutadas pela morte de seus entes queridos e as pessoas feridas em tão trágico acontecimento sejam indenizadas, com o pagamento urgente do que lhes é devido, como forma de minimizar suas dores.

Espera-se que os fatos não sejam propositadamente guardados no baú das coisas esquecidas, para que os lesados não sejam obrigados a buscar no Poder Judiciário o direito ao ressarcimento dos danos sofridos. Importante registrar que, ao contrário do que ocorre no estado do Rio de Janeiro, a agilidade e a presteza não têm sido observadas em todas as unidades da federação.

Não obstante a Constituição Federal prescrever que todos são iguais perante a lei, o nosso ordenamento processual ainda atribui à Fazenda e ao Ministério Público prazo em quádruplo para contestar qualquer processo e prazo em dobro para recorrer das decisões. As estatísticas têm demonstrado que o Poder Publico é quem mais contribui para aumentar o volume de processos submetidos ao crivo do Judiciário, repetindo recursos desnecessários em matéria já pacificada, com o único objetivo de protelar o cumprimento de suas obrigações.

Por mais que os Tribunais se preocupem com a efetividade do seu trabalho, não conseguem fazer com que a prestação jurisdicional seja rápida, em virtude do sistema e do indevido uso de recursos que atravancam o desenvolvimento da ação. Muitas vezes, até a obtenção de uma decisão definitiva, o cidadão precisa esperar mais de dez anos e, quando tudo parece terminado, novos atrasos e transtornos ocorrem na fase de execução delongando, ainda mais, a prestação da jurisdição.

A lei faculta ao Estado pagar seus débitos através de precatórios, que nunca são liquidados no prazo legal, demorando mais de uma década para que tal ocorra, criando para os cidadãos uma grande via crucis a ser percorrida. E as vítimas, salvo raras exceções, não conseguem a satisfação de seus direitos, deles, só se beneficiando seus herdeiros.

O sentimento de apatia da população tem sido o alimento para tanto desrespeito. A sociedade deve transformar sua indignação em atitude e permanecer incansável na busca pelas responsabilidades e na efetividade dos seus direitos, para não se render à infeliz realidade daqueles que se submetem a negligências contínuas e omissões permanentes que, lamentavelmente, contaminam a vida pública.

Miguel Pachá é advogado, sócio do escritório Tostes e Associados Advogados, e ex-presidente do TJ-RJ

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