Norma Kyriakos foi intransigente com o certo e o com o justo

Autor: Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (*)

 

Estatura pequena, extrovertida, alegre, falante, elegante no vestir e no falar. Norma Kyriakos se foi.

Convivemos por quase 40 anos. Foi minha companheira na política de Ordem, nas lutas em prol da advocacia e fidelíssima amiga.

A ela, devo muito do que foi realizado nas gestões da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, quando a dirigimos, ela como secretária geral eu como presidente.

Irrequieta, cabeça e corpo sempre em movimento. A primeira criando ideias e a segunda as executando. Em uma e em outra atividade, mental e física, sempre buscando a perfeição. Pensava detalhadamente, planejava cuidadosamente e executava com esmero.

Uma constante em sua vida foi exercer liderança. Era líder porque contagiava com o seu entusiasmo a todos aqueles que abraçavam as suas mesmas causas.

Causas logo transformadas em lutas, estas traduzidas em ações concretas na perseguição de objetivos bem definidos.

Norma como líder era fator de convergência entre pessoas de origem, características e segmentos diversos, que antes não se conheciam, mas se tornaram amigos graças ao seu papel agregador. Ela era o traço de união entre estas pessoas.

Cito o meu exemplo. Constitui sólida amizade com membros da Procuradoria do Estado; com componentes dos núcleos femininos por ela liderados e com alguns integrantes da turma de 1963, da Faculdade do Largo de São Francisco, tendo Norma como madrinha destas amizades.

Talvez eu não tenha conhecido ninguém mais consciente de seus direitos do que Norma Kyriakos.

Consciência e adoção de medidas concretas para que direitos e prerrogativas pessoais fossem respeitados foi uma constante em sua vida. Não apenas os seus direitos, mas os da coletividade eram por si defendidos, reivindicados, exigidos com grande empenho pessoal e com religiosa devoção.

Do reconhecimento dos direitos da mulher, passando pelo fortalecimento da Procuradoria do Estado e da Advocacia até os de menor envergadura, tinham em Norma uma verdadeira Quixote, que investia não contra moinhos de vento, mas contra obstáculos para o exercício da plena cidadania.

Cidadania como respeito ao homem e à sua individualidade aos seus direitos e aos seus atributos; à sua independência; à sua liberdade, ao desenvolvimento de suas potencialidades, ao aproveitamento pleno de seus pendores, tendências e aptidões. Mas, sobretudo, à sua condição de ser humano, portador de direitos naturais e dos direitos que lhe são outorgados pelo ordenamento jurídico.

Para Norma, cidadania não era um exercício de retórica. Não, cidadania sempre foi comportamento de respeito aos direitos alheios e uma atitude de exigência aos seus próprios.

E, como ela sabia assumir atitudes positivas. Por vezes eram consideradas exageradas, excessivas. Por vezes até eram, nos casos em que qualquer um de nós transigisse. Pensando bem, talvez as transigências levem aos abusos frequentes, atualmente.

Diga-se que Norma jamais reivindicou o que não era de seu direito. Era intransigente, mas tinha um aguçado senso do certo e do errado, do justo e do injusto. Poder-se-ia dizer até intolerante, mas jamais injusto. Talvez errasse na dose, mas nunca no remédio, que era a reação à doença do desrespeito.

Em 1986, quando participávamos, ela e eu, do inolvidável grupo “Chapa Cinza” que concorria às eleições da Ordem, fomos fazer campanha no IPESP, onde vários procuradores nos aguardavam.

Pois bem, quando lá chegamos um funcionário solicitou nossas identidades, dizendo que com elas ficaria até nossa saída.

À época a identificação em prédios não era comum e a retenção de documentos nem posteriormente foi permitida. A acalorada discussão entre Norma e o funcionário foi me exasperando, pois corríamos o risco real de não termos um voto sequer no IPESP, pois os colegas não iriam esperar por muito tempo. Eu apelava para Norma abrir mão do seu direito, mas em vão. Por fim subimos. Quem cedeu foi o funcionário …

Norma Kiriakos era um ser humano raro, diferenciado. Sem dúvida o era. Em um mundo no qual o egoísmo, o individualismo, a ausência de reflexão e de tomada clara de posições ela se destacava por ser a antítese dessas características.

Agora que ela se foi, fico na torcida para ela ser tolerante com a administração naturalmente falha do Céu e perdoe os erros de santos e de anjos.

 

 

 

 

Autor: Antônio Cláudio Mariz de Oliveira é conselheiro honorário do MDA, ex-presidente da OAB-SP e da AASP, foi secretário de Justiça e de Segurança do Estado de São Paulo.


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