Autor: Reinaldo Scheibe (*)
O novo modelo de cobrança do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (mais conhecido como ISS), em vigor desde o primeiro dia do ano, é motivo de grande preocupação entre as operadoras de planos de saúde. Com razão, afinal ele embute ao setor mais uma enorme dificuldade na árdua missão de operar em meio às já demasiadas obrigações tributárias e burocráticas.
Falando especificamente do setor de saúde, pode-se afirmar que cerca de 70% dos municípios do Brasil serão afetados, uma vez que, das mais de 5.570 cidades, aproximadamente 3.800 possuem menos de mil beneficiários inscritos em planos de saúde.
Com isso, cerca de 1 milhão de beneficiários podem ser afetados, chegando a ficar sem plano de saúde, o que pressionará ainda mais o inflado Sistema Único de Saúde (SUS), com impacto negativo na população local. Há, ainda, o risco iminente de haver limitação da oferta de serviços, para a população que reside no interior das diversas regiões do país. É certo que não haverá condições econômicas de prestar cobertura nessas regiões.
A impactação negativa aos municípios se dá por causa dos elevados custos operacionais para o recolhimento do ISS, o que implica em abrir filial, estabelecer endereço fixo, solicitar inscrição municipal e adaptar sistemas de informação ao modelo de cobrança local.
Cabe frisar que a maior parte do ISS sobre planos de saúde não fica no município em que a operadora tem sede administrativa. Para cada R$ 100 recebidos a título de contraprestação pecuniária, a operadora de plano de saúde utiliza R$ 85 para custear as despesas assistenciais, sendo que, neste caso, o ISS é recolhido no município onde efetivamente ocorre a prestação do serviço de saúde, como consultas, internações e exames.
Tendo consciência de que o modelo antigo de cobrança é a única solução viável, e na tentativa de manter o acesso a mais de um milhão de pessoas aos planos de saúde, a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNS) questiona no Supremo Tribunal Federal as novas regras para a tributação e tenta a concessão de uma liminar para suspender os processos e decisões judiciais relacionados ao tema. Por motivos semelhantes, outras entidades, como a Associação Nacional dos Prefeitos, também ajuizaram ações junto ao STF solicitando a suspensão e a extinção da nova Lei do ISS.
Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 499, a CNS argumenta justamente que a nova regra vai impor dificuldades e maior custo às operadoras, uma vez que elas terão de se relacionar com todos os Fiscos municipais onde existem beneficiários de planos de saúde, ou seja, potencialmente todos os municípios brasileiros.
A alteração, de acordo com a CNS, resultará na multiplicação por milhares de obrigações acessórias a serem cumpridas pelas operadoras. Alega que a norma significa violação aos princípios constitucionais da capacidade colaborativa do contribuinte, da praticabilidade tributária, livre iniciativa e da razoabilidade e proporcionalidade na tributação, além de permitir que município divorciado da prestação de serviço de planos de saúde cobre o imposto.
Fica nítido que a implantação do novo modelo de cobrança do ISS ainda é muito incipiente, faltando inclusive esclarecimentos quanto à forma e aos conceitos aplicáveis ao recolhimento do referido imposto. É importante ressaltar que a lei não previu um modelo único de recolhimento em um país continental, com mais de 5 mil municípios, o que impossibilita a sua operacionalização.
A nova Lei do ISS não poderia gerar aumento de arrecadação porque a LC 157/16 alterou o local do recolhimento. A legislação é bastante problemática porque, apesar de não tratar de aumento de imposto, dá margem para cobrança do mesmo ISS por vários municípios. Aliás, muitos municípios continuam a cobrar no modelo da lei antiga, o que acarretará em consequente bi ou até tritributação sobre um único fato gerador.
O que dá para concluir é que para o setor de saúde a nova cobrança, que havia sido vetada pelo presidente da República, vai se voltar justamente contra os municípios — a quem supostamente se pretende beneficiar com a medida. Diferentemente do que diz o representante da Confederação Nacional dos Municípios, a arrecadação, em vez de maior, pode ser zerada com a saída dos planos de saúde.
Mais do que aos municípios, a conta vai recair, mais uma vez, aos cidadãos, que pagarão por um serviço mais caro caso as operadoras decidam ou consigam permanecer ou, pior, não poderão mais contar com um plano de saúde. Todo mundo sai perdendo.
Autor: Reinaldo Scheibe é presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).