Nova Lei dos Concubinos – Comentários Jurídicos

Lucia Mothé Glioche

LEI Nº 9.278, DE 10 DE MAIO DE 1996.

Regula o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.

Vamos fazer a leitura do art. da CF.

Daqui, já tiramos algumas conclusões e controvérsias.

1º) Entidade familiar é família. Não se fala mais em família legítima (criada pelo casamento) e ilegítima (fora do casamento).

Hoje temos 3 tipos de família.

2º) A UE (união estável) necessita de homem e de mulher. As relações entre pessoas do mesmo sexo continuam à margem da lei, ou seja, só têm os direitos que a Jurisprudência criou, principalmente para as relações concubinárias anteriores à CF88. Vamos ver logo quais seriam (sociedade de fato – art. 1363 CC e 380 STF – e indenização por serviços domésticos prestados – art. 1218 CC).

3º) A CF não transformou a UE em casamento. Alguns autores entenderam que sim e logo com a promulgação da CF passaram a dar aos que viviam juntos fora do casamento todos os direitos dos casados. Mas a maioria dos autores entendeu que a CF dependia de lei para ser convertida a UE em casamento.

4º) A CF não definiu UE, mas para poder converter em casamento é por tratar-se de concubinato puro, ou seja, o concubinato impuro (adulterino ou incestuoso ficou fora da proteção da lei). Alguns autores também não concordaram com esta posição alegando que, ao menos, o concubinato impuro adulterino de longos anos deveria ser incluído porque haveria um divórcio de fato, ou seja, a possibilidade do divórcio a qualquer momento por bastar tão somente a separação de fato por dois anos para a sua decretação (art. 226, § 6º CF e art. 40 LD).

O P R E S I D E N T E D A R E P Ú B L I C A

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência (viver com, viver junto – é indício de que precisa coabitar) duradoura (a exigência de 5 anos ou de prole da L8971/94 – L1 – acabou porque esta colocou apenas o duradoura) , pública (não cabe para as relações secretas e sigilosas – é a antiga exigência da doutrina de notoriedade) e continua (intenção de permanecer + enfatizar a durabilidade + evitar a soma de prazos) , de um homem e uma mulher (nem precisava dizer porque está na CF – falar em igualdade de sexos é que seria inconstitucional), estabelecida com objetivo de constituição de família.(Mais uma demonstração de que há necessidade de coabitação, vida more uxorio porque é exigido no casamento. Este objetivo é hoje o animus: a affectio maritalis, deve ser visto com cautela para namoro e noivado não virar UE, daí ser conjugado com a coabitação).

A lei não falou em estado civil. Há quem diga que sobrevive o estado civil da L1, mas me parece que a maioria vem sustentando os mesmos direitos para quem é casado. Quanto aos separados judicialmente, uma vez que eram companheiros pela L1, permanecem vivendo em EU. Logicamente, neste caso, não será possível a conversão em casamento, antes do desfazimento do casamento anterior. Mas a não conversão não impede os direitos. Até porque os Tribunais já vinham reconhecendo direitos.

Art. 2º São direitos e deveres iguais dos conviventes: (Parece que falar em concubinos e companheiros não está mais correto. Lógico que vale em termos teóricos, para estudos e etc. Mas inicialmente parece que o termo legal para quem vive em UE passou a ser este).

I – respeito e consideração mútuos; (Leia-se aqui fidelidade)

II – assistência moral e material recíproca; (Leia-se aqui a criação do direito material de pedir alimentos)

III – guarda (Mais um indicativo de que há coabitação porque se não fosse necessária a coabitação, o correto seria dizer pátrio poder), sustento e educação dos filhos comuns.

Art. 3º (VETADO)

Art. 4º (VETADO)

Art. 5º Os bens e móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum (presunção absoluta de que o que é adquirido a título oneroso é produto de esforço comum), passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais (Má técnica do legislador. Se for condomínio, é desfeito por ação de dissolução de condomínio e a qualquer momento, passando a ser melhor do que para os casados e até inconstitucional. Deve ser interpretado como comunhão, para terem os mesmos direitos dos cônjuges, caso em que a extinção é feita por inventário e partilha), salvo estipulação contrária em contrato escrito. (A idéia que surge é a de que a UE pode ter a natureza jurídica de um contrato. O que aumentaria o entendimento de que casamento é contrato) (Este contrato deve ser firmado antes da UE que ainda não se firmou e o mais rápido possível para quem já vive em UE. Há autores que entendem que o contrato pode ser celebrado caso a caso, ou seja, para excluir um ou outro bem – o que é temerário porque poderia gerar coação).

§ 1º Cessa a presunção (absoluta) do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união. (Sistema igual ao regime da comunhão parcial que é o regime legal de bens – art. 269 CC).

§ 2º A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, (Vem aumentar a idéia de que no casamento não exerce mais o marido a chefia da sociedade conjugal, como já entendia a maioria) salvo estipulação contrária em contrato escrito. (Pode o contrato e o pacto antenupcial eleger o homem ou a mulher para a chefia).

Entendo que este contrato celebrado antes da UE deve ser imutável uma vez que é imutável o regime de bens para o casamento – art. 230 CC.

Art. 6º (VETADO)

Art. 7º Dissolvida a união estável por rescisão (Caráter contratual. Se foi acordo, ele deve dispor dos alimentos. Mas se houve culpa, deve ser aplicada analogicamente o art. 19 da Lei 6515/77 – Lei do Divórcio), a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, (É a exigência do art. 400 CC, ou seja binômio necessidade x possibilidade) a título de alimentos.

Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, (A primeira vista parece inconstitucional porque os cônjuges só têm este direito se casados pelo regime da comunhão universal – art. 1611, § 2º CC. O modo de salvar é só o adotar se o contrato dos conviventes adotar o regime da comunhão universal. Sendo adotado outro regime ou o do caput do art. 5º, o direito será o de usufruto vidual – previsto na L1. Em ambos os casos, na falta de descendentes e ascendentes herdará o convivente sobrevivente. Mas há quem diga por aí que os cônjuges passaram a ter este direito no regime da comunhão parcial. Há outros que sustentam que os conviventes têm apenas este direito e não mais o usufruto vidual ou a herança na falta de descendentes e ascendentes) enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família. (Mais um indício de que há necessidade de coabitação).

Art. 8º Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, (Só poderão pedir aqueles que não tiverem impedimento – art. 183 CC) por requerimento ao Oficial do Registro Civil (Há quem diga que basta a habilitação com a participação do Ministério Público. Há quem diga que para virar casamento precisa das formalidades deste e logo habilitação e celebração. Há quem diga que o Ministério Público é ouvido e o Juiz decide, como ocorre no casamento nuncupativo.) da Circunscrição de seu domicílio. (Não usou domicílio de qualquer um deles: mais uma dica de coabitação).

Art. 9º Toda a matéria relativa à união estável é de competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de justiça. (Prevalecendo ser inconstitucional. O pedido de herança é no Juízo Orfanológico. Vale realçar que no Rio de Janeiro o Juízo de família é separado do Juízo de Órfãos).

Art. 10. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (Deveria ter havido vacatio legis. Mas o medo das separações impede o legislador de ousar).

Art. 11. Revogam-se as disposições em contrário. (Derrogação. Sobrevive o direito há herança legítima – art. 1603, III – e o usufruto vidual. Mas há autores que defendem ter ocorrido ab-rogação).

Quanto ao rito para pedir os alimentos, entendo que cabe o especial, se há contrato. Não havendo, só pelo rito comum.

Brasília, 29 de maio de 1996, 175º da Independência e 108º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

*A autora é Promotora de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,Professora de Direito Civil no Curso Glioche e Professora de Direito Civil na Fundação Escola do Ministério Público

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