por Mário Gonçalves Júnior
Os Enunciados (agora também denominados Súmulas, unificando a linguagem dos Tribunais Superiores) e as orientações jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho foram reorganizadas, em grande parte incorporando-se muitas delas por afinidade temática, e, a minoria alterada, cancelada ou realocada (de uma Seção Especializada para outra, ou para a categoria de orientações transitórias).
Não foi sem tempo essa faxina. O TST certamente organiza sua bibliografia jurisprudencial tendo em conta a infinidade de outros assuntos polêmicos, trazidos à competência material da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional 45/04, que reclamarão também espaço em novas edições sumulares.
Para os operadores do Direito, ainda que a maioria desses antigos entendimentos pretorianos tenha sido mantida na essência, mesmo a realocação numérica das súmulas não deve ser tratada como algo sem conseqüências processuais. Deverão ser observadas as novas sedes sumulares, principalmente nos recursos especiais trabalhistas, quais sejam os de revista e de embargos à SDI motivados por divergência jurisprudencial (alíneas “a” do art. 896 e “b” do art. 894 da CLT, respectivamente).
Com efeito, a julgar pelo extremado formalismo com que às vezes são julgados tais recursos no TST, indicar o número de antigo Enunciado em lugar da nova Súmula, ainda que ambos tenham a mesma redação, representa risco de não conhecimento do recurso especial trabalhista. Isto porque, segundo a orientação jurisprudencial 219 da SDI-1, “é válida, para efeito de conhecimento do recurso de revista ou de embargos, a invocação de Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho, desde que, das razões recursais, conste o número ou seu conteúdo”. Como se vê, não se exige a transcrição do conteúdo da OJ, podendo a parte apenas indicar o seu número, o que poderá se tornar armadilha para desatentos. Num passado recente, quem milita na Justiça do Trabalho certamente ainda não esqueceu, por exemplo, o desconhecimento de agravos de instrumento pelo TST por não considerar suficientes certidões de autenticidade (do traslado) procedidas por alguns Tribunais Regionais. Portanto, toda cautela é pouca neste período de transição.
Pois bem. Como se dizia, o que mais se fez na Resolução 129/2005 foi agrupar antigos Enunciados e orientações jurisprudenciais que versavam sobre diferentes enfoques do mesmo tema. Um bom exemplo disto é a nova Súmula número 06, gerada a partir da aglutinação dos antigos Enunciados 22, 68, 111, 120, 135 e 274 e das orientações jurisprudenciais 252, 298 e 328 da SDI-1, cuja atração foi provocada pelo fato de todas versarem sobre aspectos da equiparação salarial. Outros exemplos de aglutinação são a nova Súmula 102, que congrega vários Enunciados (166, 204 e 232) e orientações jurisprudenciais (15, 222 e 288 da SDI-1) sobre cargo de confiança bancário, e a Súmula 90 congregando todas as Súmulas (324 e 325) e OJ s (50 e 236) sobre horas “in itinere”. Forçoso reconhecer que essa reunião de verbetes tendo por critério a coincidência temática tornará a pesquisa jurisprudencial mais econômica e eficiente.
É bem verdade que será necessário recuperar a intimidade jurisprudencial diante da nova formatação sumular do TST — porque é disto que trata grosso modo a Resolução 129/2005 —, o que depende mais de tempo do que reflexão. Já assimilar os verbetes alterados e compreender os seus motivos, mesmo que representem a minoria do universo tomado pela Resolução 129/2005, cobrará maior fôlego dos intérpretes, desaconselhando desbravamento imediato. Vejamos, pois, à cata, algumas dessas alterações, as que, numa primeira abordagem, chamou-nos a atenção.
A Súmula 14 inovou em relação ao antigo Enunciado do mesmo número, passando-se a entender que a rescisão contratual por culpa recíproca rende ao trabalhador o direito a 50% do aviso prévio, do 13o. salário e das férias proporcionais. Na redação anterior, recusava-se tais direitos ao empregado.
A Súmula 16 passou a dispor no sentido de que se presume recebida a notificação 48 (quarenta e oito) horas depois de sua “postagem”. A redação original do Enunciado do mesmo número contava as 48 horas da “regular expedição”. Alteração meramente semântica, para suprimir redundância (se é presumível o recebimento da notificação, salvo prova em contrário, para a presunção basta a mera postagem, exigindo-se prova de irregular expedição quando a parte alegar que não recebeu a notificação).
A Súmula 17 trouxe importante novidade em relação à base de cálculo do adicional de insalubridade. Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido não ser possível fixar o valor do adicional de insalubridade com apoio no salário mínimo, por vedação constitucional. Mas a Suprema Corte deixou para as instâncias Trabalhistas definir, à luz da legislação infraconstitucional, qual a base de cálculo da insalubridade que tomaria o seu lugar. O TST agora elegeu o salário profissional, porém apenas quando o empregado o percebe por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa. Permanece lacunosa a questão nos casos em que o empregado não perceber salário profissional, embora esta seja uma situação difícil de se verificar na prática.
A Súmula 18 foi inexplicavelmente mantida, restringindo a compensação, na Justiça do trabalho, a dívidas de natureza trabalhista. Considerando que a competência material da Justiça do Trabalho foi ampliada, a redação dessa Súmula deveria ter sido revista, afinal o artigo 767 da CLT, que deu margem a esse entendimento jurisprudencial, aplica-se apenas à relações de emprego. Quanto às demais lides acometidas à Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional 45/04, a aplicação do artigo 767 da CLT não tem sentido, devendo-se socorrer ao regramento pertinente do direito comum.
A redação da Súmula 28 foi discretamente alterada em relação ao antigo Enunciado 28. A indenização dobrada, resultante da conversão da reintegração ao valor dos salários, é assegurada até a data da “primeira decisão que determinou essa conversão”. Na redação original, falava-se na data da “sentença constitutiva que põe fim ao contrato”. A depuração técnica é evidente. Considerando que há três graus de jurisdição trabalhista (Varas, TRT e TST), pode acontecer de a procedência decretada na origem, ser reformada em recurso ordinário e restabelecida em recurso de revista, por exemplo. Ficou claro que a data que prevalece é a da primeira decisão que determinou a conversão.
A alteração contida na Súmula 32 não é meramente semântica. O abandono de emprego apenas se presume se o trabalhador se ausentar do serviço por trinta dias após a cessação do benefício previdenciário sem justificativa. Na redação original do Enunciado 32, o abandono se “configurava” com o trintídio de absenteísmo. Trata-se de alteração que favorece o trabalhador, que poderá provar em juízo que a ausência se deu motivadamente, ainda que não se tenha justificado perante o empregador na ocasião da rescisão contratual. A nosso ver, trata-se de uma opção juridicamente equivocada do TST. A possibilidade de justificação posterior da ausência prolongada deveria se restringir às hipóteses de força maior que comprovadamente tenha impedido o trabalhador de justificar a ausência antes da rescisão contratual, em homenagem aos princípios da boa fé, lealdade e colaboração que regem também os contratos individuais de trabalho, e principalmente para prestigiar o instituto do ato jurídico perfeito, uma vez que tal entendimento jurisprudencial desafia a segurança jurídica das rescisões por abandono de emprego.
A redação do antigo Enunciado 69, na nova Súmula com o mesmo número, foi atualizada à luz da Lei 10.272/2001, que alterou o artigo 467 da CLT. A chamada multa moralizadora foi reduzida ao percentual de 50%, porém ampliando-se a sua base de incidência, do saldo salarial para todas as verbas rescisórias.
O teor do Enunciado 73 foi depurado, preferindo-se, na Súmula também 73, apontar que a falta grave do empregado cometida no período de aviso prévio retira-lhe direito apenas às verbas rescisórias de natureza indenizatória. Na redação original falava-se genericamente em “qualquer direito à indenização”.
A Súmula 82 ampliou a possibilidade de intervenção assistencial, simples ou adesiva, na Justiça do Trabalho. Na redação original restringia-se a intervenção de terceiros quando o interesse jurídico se desse “perante a Justiça onde é postulada”. Com a supressão desse óbice, implicitamente restou reconhecido que o interesse jurídico do terceiro interveniente pode transbordar a lide trabalhista.
A Súmula 85, que aglutina as OJs 182, 220 com o Enunciado 85, traz uma inovação no seu item III: “O mero não-atendimento das exigências legais para a compensação da jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional”. Na versão original do Enunciado 85 não havia essa exceção. Assim, se ultrapassada a jornada semanal ordinária, serão devidos não apenas o adicional de horas extras, como também o pagamento do valor da hora básica. Aliás, convém registrar que a jurisprudência do TST tem sido rigorosa em relação ao limite semanal de jornada, havendo alguns julgados recentes negando a possibilidade de se estabelecer jornada em turnos ininterruptos de revezamento superiores a 36 horas semanais, mesmo por norma coletiva (v., a propósito, nossos estudos “O Justo e o Caro nas Decisões Judiciais” e, mais recentemente, “A Súmula Vinculante e a Blindagem da Jurisprudência”, ambos disponíveis na internet). Nada obstante, a orientação jurisprudencial 169 da SDI-1 não foi alterada pela Resolução 129/2005, porque o TST ainda não chegou a um consenso sobre essa questão.
A Súmula 86 esclarece que a inexigibilidade de custas e depósito recursal em recursos da massa falida não se estende às empresas em liquidação extrajudicial.
À Súmula 191 foi inserida exceção relativa ao adicional de periculosidade dos eletricitários, que deve ser pago sobre “a totalidade das parcelas de natureza salarial”. Distanciando-se dos trabalhadores em geral, os eletricitários conquistaram esse diferencial graças à interpretação da expressão “salário que perceber” contida no artigo 1o. da Lei 7369/85, pois o TST a partir de 2001 passou a decidir que tal base de cálculo é mais ampla do que a geral prevista no parágrafo 1o. do artigo 193 da CLT.
Curioso notar que, se comparados dois empregados que percebam ambos adicionais (de horas extras e de periculosidade), um deles eletricitários, o cálculo dos adicionais será diferente: o trabalhador eletricitário tem o adicional de periculosidade calculado sobre o adicional de horas extras (e demais verbas de natureza salarial), já o trabalhador não-eletricitário tem o adicional de horas extras calculado sobre o adicional de periculosidade (e este apenas sobre o salário-básico). Essa posição do TST é equivocada em nosso ver. Consideramos a jurisprudência anterior – que concluía pela aplicação da redação original do Enunciado 191 também para os eletricitários — mais acertada. Mas a questão a não desafia reexame do STF, porque se trata de matéria regulamentada em leis infraconstitucionais. Somente se a maioria dos Ministros do TST mudasse de opinião é que a nova Súmula 191 seria novamente alterada.
O segundo item inserido na nova Súmula 192, sobre competência originária de ações rescisórias trabalhistas também merece atenção. Segundo a nova Súmula, em seu item II, mesmo quando o TST, no exame dos pressupostos de admissibilidade de recursos de revista ou de embargos à SDI, decide não conhecer tais apelos, se a fundamentação do não-conhecimento esbarrar no mérito da causa, a “última decisão de mérito” a que alude a Súmula 100 será a do TST, hipótese em que a ação rescisória passa a ser de competência originária deste.
Não há como esconder o paradoxo de se ter por rescindível uma decisão que, em sua parte dispositiva, limita-se a declarar que o recurso excepcional trabalhista não preenche os requisitos específicos de admissibilidade. Trata-se de decisão, qualquer que seja a sua fundamentação, meramente processual. Isto porque é a parte dispositiva das decisões judiciais que tem força de coisa julgada (material ou formal, se, respectivamente, resolve a lide ou não). A motivação sentencial objetiva contextualizá-la, torná-la lógica, compreensível (art. 93, IX, da CF/88). De qualquer sorte, a redação da nova Súmula 192 é aberta, genérica, impedindo que se tenha certeza, diante de uma decisão de não-conhecimento, se esta é potencialmente rescindível ou se o ataque excepcional deve se voltar contra a decisão anterior, do Tribunal Regional. Esse tema é de suma importância processual porque o biênio para a propositura de ações rescisórias (artigo 495 do CPC) é decadencial, não se interrompendo, suspendendo ou prorrogando, de modo que a percepção incorreta sobre qual venha a ser a “última decisão de mérito” pode sepultar definitivamente a rescisão de decisões viciadas, com evidentes prejuízos para o direito de ação (rescisória).
A nova Súmula 392, que retrata a competência material da Justiça do Trabalho para decidir pedidos de danos morais decorrentes de “relação de trabalho” não excepciona os danos morais decorrentes de acidentes de trabalho, que o Supremo Tribunal Federal vem excluindo da competência trabalhista mesmo depois da Emenda Constitucional 45/04, por considerar que essas lides se enquadram na regra de competência do artigo 109, I, da Constituição. Apesar da posição já firmada pelo STF, a divergência sobre competência em indenizações morais derivadas de acidentes de trabalho ainda persiste em nível de Turmas do TST.
Enfim, a extensão da Resolução 129/2005 recomenda aos profissionais que militam na Justiça do Trabalho releitura atenta de todos os novos verbetes jurisprudenciais, observando não apenas os conteúdos como também as novas alocações numéricas.
Revista Consultor Jurídico