Autores: Rubens Vidigal Neto, Allan Crocci de Souza e Arthur de Paula Lopes Almeida (*)
No último dia 30 de agosto, foi editada a Instrução CVM 578/16, que regula os Fundos de Investimento em Participações (FIP). Dentre as diversas e importantes inovações trazidas pela norma, o afastamento da exigência de responsabilidade solidária entre administrador e gestor perante os investidores é uma das que tem gerado maior interesse dos participantes do mercado. Da perspectiva prática, porém, em que medida a responsabilidade de gestores e administradores de FIP foi afetada com essa modificação na norma?
A previsão de responsabilidade solidária entre gestor e administrador dos FIP por eventuais prejuízos causados aos cotistas decorria da aplicação subsidiária da Instrução CVM 555/14, que traz as regras gerais aplicáveis aos fundos de investimento. A Instrução CVM 391/03 que regulava os FIP, ora revogada, não tratava do tema.
No que se refere à responsabilidade administrativa perante a CVM, as normas aplicáveis ao FIP não preveem, e já não previam, a existência de solidariedade entre gestor e administrador. Cada um permanece responsável na esfera de suas respectivas competências por seus atos e omissões. Há farta jurisprudência administrativa confirmando esse entendimento.
Em linhas gerais, a responsabilidade solidária é a obrigação atribuível a determinada pessoa para que responda pelos atos ou omissões de uma outra pessoa, ainda que tais condutas estejam fora do seu controle ou esfera de supervisão. Com a solidariedade, portanto, há o incremento das responsabilidades individuais.
O acréscimo de responsabilidade provoca o aumento do risco. Maiores riscos exigem maiores retornos. Dessa forma, um dos efeitos da responsabilização solidária no âmbito da indústria dos fundos de investimento é o encarecimento da prestação dos serviços de administração e gestão, ou mesmo o desinteresse em prestá-los.
Percebe-se, com maior clareza, os efeitos negativos da responsabilidade solidária em fundos de investimento que podem apresentar maior complexidade ou maior risco, como é o caso dos FIP, dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII). Esses efeitos não estão restritos a administradores e gestores, afetando também custodiantes. Há mercados, inclusive, que já vivenciaram redução significativa na oferta de determinados prestadores de serviço, sendo a responsabilidade solidária um dos prováveis motivos dessa situação.
Em circunstâncias normais, o cotista de um FIP somente buscará a responsabilização do gestor ou do administrador se sofrer algum dano. Não havendo a concordância de que essa responsabilidade de fato existe, caberá ao investidor recorrer ao Judiciário. É o Judiciário, portanto, quem define, em última análise, as limitações da responsabilidade dos administradores e gestores dos fundos de investimento.
Recentemente, o escritório desenvolveu ampla pesquisa sobre esse tema. Foram analisadas 48 decisões de diversos Tribunais de Justiça e do STJ proferidas entre 2005 e 2015 relativas à responsabilidade de administradores e gestores de fundos de investimento em geral.
Nos julgados analisados, as normas ou precedentes da CVM não foram utilizados como principal fundamento para as decisões. Na realidade, são raros os casos em que esses normativos são sequer mencionados. Em um deles, no qual se debateu o assunto de forma específica, para fundamentar a aplicação da responsabilidade solidária, utilizou-se o Código de Defesa do Consumidor, entendendo-se que o administrador e o gestor integrariam a mesma cadeia de consumo.
Embora não seja possível precisar o impacto que a mudança normativa em questão terá no entendimento do Judiciário sobre o tema, diante da atual jurisprudência, parece evidente que, por si só, essa alteração não deve ser capaz de trazer a segurança jurídica necessária para que administradores e gestores mudem, de forma material e imediata, a sua avaliação do risco de serem responsabilizados solidariamente por danos causados aos cotistas pelos quais não tenham responsabilidade direta.
Esse fato não reduz a importância da alteração da norma promovida pela CVM. Essa medida representa um importante passo na adequação e definição dos limites da responsabilidade dos prestadores de serviços fiduciários de fundos de investimento, o que é vital para o desenvolvimento da indústria. Para que esses objetivos sejam atingidos, porém, é fundamental a sensibilização do Judiciário acerca das particularidades da prestação de serviços fiduciários, bem como das normas e decisões da CVM sobre o assunto.
Rubens Vidigal Neto sócio do escritório PVG Advogados e especialista em mercado de capitais e bancário.
Allan Crocci de Souza é advogado associado do PVG Advogados.
Arthur de Paula Lopes Almeida é advogado associado do PVG Advogados.