O novo Código Civil, ao incluir o cônjuge supérstite na condição de herdeiro legítimo ou necessário do falecido, acenou com interessantes alternativas para o planejamento sucessório patrimonial, especialmente para os casados no regime da comunhão parcial de bens, que é o regime legal brasileiro desde o advento da Lei 6.515 de 26 de dezembro de 1977, e para os casados no regime da separação absoluta de bens.
Neste respeito interessa mais de perto, neste breve comentário, a questão do planejamento sucessório nas Sociedades Limitadas com o objetivo maior de, sendo da vontade dos cônjuges, conservar tanto quanto possível o controle da empresa nas mãos do consorte sobrevivente ao invés de diluí-lo entre filhos e netos, ou mesmo entre pais e avós do falecido.
Isto porque o permissivo da nova lei, de modo geral, tem passado despercebido na comunidade dos empresários, provavelmente em razão de más reminiscências do Código revogado, cujas regras, neste respeito — planejamento sucessório patrimonial entre cônjuges – eram muito rígidas, não dando azo a uma pré-ordenação mais detalhada da sucessão do casal.
Sendo hoje, no entanto, muito mais flexíveis as normas reguladoras da sucessão patrimonial entre os cônjuges, entendemos ser do interesse de todos a prática de alguns exercícios com vistas em melhor entender este tópico, muitas vezes causador de irreparáveis desavenças familiares. Desentendimentos estes, nunca será demais insistir, facilmente evitáveis com a adoção de adequados cuidados estratégicos.
Destarte, vale lembrar que no regime anterior o cônjuge sobrevivente era herdeiro facultativo e nesta condição somente herdaria em não havendo os necessários, tais sejam, parentes da classe dos descendentes ou dos ascendentes. A única forma de obviar tal obstáculo, na lei civil anterior, era incluir o cônjuge entre os herdeiros, através de testamento.
Mesmo assim, registre-se, havia, como ainda há, limitações ao direito de testar. Isto porque havendo herdeiros necessários (ascendentes ou descendentes) o testador está livre para dispor apenas, no máximo, de 50% do seu patrimônio, o que significa que o cônjuge supérstite, quando muito, herdará por força de testamento até o limite de 50% do patrimônio do de cujus.
Suponhamos, para maior facilidade de entendimento a seguinte situação: na vigência do Código Civil revogado, quando do falecimento do marido, sem que houvesse testamento, a mulher somente herdaria na falta de descendentes (filhos e netos) ou de ascendentes (pais e avôs) do falecido. Ou seja, em havendo descendentes ou ascendentes do falecido o cônjuge supérstite (na ausência de testamento) nada herdaria, sujeitando-se, ocasionalmente, a ficar sem meios adequados para a própria sobrevivência.
Nos dias de hoje, no entanto, é possível que o cônjuge disponha de seus bens de maneira mais livre, de forma que parte mais substancial do seu patrimônio, quando do falecimento, seja transmitido ao consorte sobrevivente. A razão disto é que, com o advento do novo Código Civil, profundas alterações foram introduzidas no universo da sucessão patrimonial.
A primeira e talvez a mais importante delas foi ter o novo diploma civil alçado o cônjuge sobrevivente à qualidade de herdeiro necessário do patrimônio próprio deixado pelo finado, desde que tenha sido casado no regime da separação absoluta não obrigatória de bens ou no regime da comunhão parcial de bens.
Assim, nos dias de hoje, na hipótese de falecimento de um dos cônjuges, o sobrevivente, tendo o finado deixado bens próprios, concorrerá em igualdade de condições com os descendentes. Aliás, melhor dizendo, atualmente o cônjuge sobrevivente poderá até concorrer com os descendentes em condições mais vantajosas.
De fato ele concorrerá, como regra, em igualdade de condições com os descendentes do falecido, cabendo a todos iguais quinhões na partilha de bens. No entanto o cônjuge sobrevivente concorrerá em condição mais vantajosa se for ascendente dos herdeiros com quem concorrer, quando então sua quota parte não poderá ser inferior à ¼ da herança.
Assim, se forem quatro os filhos a herança do falecido será dividida em cinco partes iguais entre o cônjuge sobrevivente e os quatro descendentes.
Se, no entanto, o cônjuge sobrevivente for ascendente dos quatro herdeiros (mãe e filhos, por exemplo), a eles caberá a divisão de apenas ¾ da herança, posto que ¼ é a quota mínima, nesta circunstância, do cônjuge sobrevivo.
Note-se, neste particular, que se o falecido não tinha bens particulares – tal como ocorre no casamento no regime da comunhão universal de bens, onde cada um dos cônjuges é titular da metade ideal do patrimônio do casal – o cônjuge sobrevivente não será herdeiro necessário, mas terá assegurado sua meação, isto é a metade dos bens do casal. Meação, como se recorda, não é sucessão.
Em não havendo descendentes – sempre na hipótese do falecido haver deixado bens próprios – o cônjuge sobrevivente concorrerá com os ascendentes, ficando com 1/3 da herança se concorrer com o pai e a mãe do falecido e com a metade da herança se concorrer ou com o pai ou com a mãe do finado ou com o avô do de cujus.
Feitas estas considerações preliminares examinemos a situação hipotética do marido e da mulher sócios em Sociedade Limitada, pretendendo eles que, a após a morte de um deles, o seu controle permaneça o mais concentrado possível nas mãos do sobrevivente.
Em face do Código Civil anterior, havendo herdeiros necessários (ascendentes ou descendentes) o cônjuge sobrevivente estaria excluído da sucessão, salvo se houvesse testamento em seu favor. E mesmo assim – na hipótese de haver testamento – em face das limitações da reserva aos herdeiros legítimos, no máximo 50% dos bens de um cônjuge poderia ser transmitido por sucessão testamentária ao outro.
Supondo-se, para melhor entender, que os únicos bens do marido, em sociedade conjugal com três filhos, no regime do antigo Código Civil, fossem 200 quotas sociais de uma Sociedade Limitada, mesmo havendo testamento em favor do outro cônjuge, o máximo que este receberia por sucessão testamentária seriam 100 quotas sociais eis que as remanescentes 100 quotas teriam obrigatoriamente de ser transmitidas aos filhos, herdeiros legítimos e necessários.
Logo, possuindo o cônjuge sobrevivente, neste cenário, 50% do capital da empresa e os filhos os restantes 50%, o controle da Sociedade Limitada não ficaria nas mãos do sobrevivente. É sabido, em face do novo Código Civil, que a maioria das deliberações sociais, salvo algumas exceções, haverão que ser aprovadas ou por ¾ do capital social ou por ao menos a metade mais um do capital social. Ou seja, o cônjuge sobrevivente, nesta hipótese, teria de se compor, no mais das vezes, com pelo menos um dos filhos herdeiros para fazer aprovar as deliberações sociais.
Não obstante, por força do novo Código Civil, esta situação antes descrita, limitante do exercício do controle societário, pode ser significativamente alterada, se assim for a vontade do casal.
À luz do novo direito, o cônjuge sobrevivente, a mulher na hipótese em exame, passou a ser herdeiro necessário do finado marido, concorrendo obrigatoriamente com os descendentes – 3 em nosso exemplo – tendo hoje assegurada uma participação igual à dos filhos comuns, tal seja ¼ dos bens deixados pelo finado.
Desta combinação de fatores, sendo o cônjuge, herdeiro necessário, também nomeado herdeiro testamentário da totalidade das quotas disponíveis, ou sejam 100 quotas, posto que as restantes 100 constituem a legítima e serão repartidas em partes iguais entre os herdeiros necessários, resulta que o sobrevivo passaria a ser quotista majoritário da Sociedade Limitada, detendo 125 quotas de um total de 200, sendo 100 delas recebidas a título de sucessão testamentária e as restantes 25 em decorrência da sucessão legal, cabendo a cada um dos filhos 25 quotas sociais.
Logo, detendo o sobrevivente mais da metade do capital social, precisamente 62,50% do seu total, terá ele votos suficientes para aprovar toda e qualquer matéria objeto de deliberação societária, excetuadas as previstas nos item V e VI do Artigo 1.071 do Código Civil, ou seja, a modificação do contrato social e a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade ou a cessação do estado de liquidação.
Veja-se, sob este prisma, que se fosse apenas um o descendente, e sendo o sobrevivo herdeiro testamentário de 50% dos bens do de cujus, chegará ele ao controle de ¾ do capital social (100 quotas recebidas através da sucessão testamentária e 50 quotas recebidas através da sucessão legal) o que configurará a maioria qualificada de votos, ensejando a ele o controle quase que absoluto das questões deliberativas.
Logo, fica evidente, em face das novas disposições do Código Civil, a necessidade de maior reflexão por parte dos cônjuges sócios de Sociedades Limitadas em face da estratégia a ser adotada no planejamento sucessório patrimonial, especialmente em uma cultura como a nossa onde a disposição de bens por via de testamento é de estrema raridade.
Embora isto não se refira propriamente à estratégia do planejamento sucessório nas Sociedades Limitadas, os cônjuges, em face da nova lei civil, certamente deverão também começar a levar em conta, entre outras questões, o destino dos frutos das aplicações financeiras feitas pelo casal, com vistas em proporcionar um rendimento adequado após a aposentadoria.
Isto porque com a morte de um deles e a conseqüente divisão dos rendimentos financeiros entre os herdeiros necessários, o cônjuge supérstite pode ver frustradas todas as suas expectativas de uma vida economicamente mais tranqüila na terceira idade.
Vislumbre-se, ilustrativamente, a situação do casado titular de um rendimento mensal de R$ 10.000,00, produto de ativos financeiros, que, com a morte do cônjuge, tem o benefício reduzido, por falta de planejamento sucessório, para ¼ do total em face da sucessão mortis causa.
Mais um motivo, portanto, para que o planejamento sucessório passe a ser conveniente sopesado por todos aqueles que dispõem de patrimônio, com vistas em evitar dissabores futuros facilmente contornáveis.
Luciano Amaral Jr. é mestre em Direito pela PUC-SP, advogado em São Paulo, especializado em consultoria jurídica empresarial.