Novidades nem tão novas no novo Código de Processo Civil

Autor: Rodrigo Pinheiro Barbosa (*)

 

Estamos a poucos dias da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, e as discussões nos fóruns de debate se mostram cada vez mais fervorosas.

Há quem lastime, com aparente sinceridade, pelas diretrizes traçadas na nova lei, cujo teor se apresenta para muitos como verdadeira novidade acerca de determinados procedimentos.

De fato, o novo CPC inova em vários aspectos e traz mudanças bastante significativas para os participantes do processo.

No entanto, alguns desses procedimentos, alçados ao patamar de “novidades”, são nada mais, nada menos do que a consolidação de posicionamentos que já vinham sendo adotados, seja pelo CPC atual, pela doutrina ou pela jurisprudência.

Destaque-se, a título de exemplo, o instituto da assistência, que inserido por quase 43 anos aparte do rol destinado à Intervenção de Terceiro, no novo CPC foi deslocado para dentro do referido capítulo (artigo 119 ao artigo 124), corroborando o que sempre afirmaram as mais conceituadas doutrinas do ordenamento.

Por outro lado, seguindo a esteira da jurisprudência moderna, o novo CPC sedimentou, por meio do artigo 229, parágrafo 2º[1], a inaplicabilidade doprazo em dobro para as partes litisconsortes nos processos eletrônicos.

Cumpre revelar, aqui, que tal entendimento já vinha sendo adotado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que não admitia o prazo em dobro nos processos virtuais.

EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PRAZO EM DOBRO. ART. 191 DO CPC. LITISCONSÓRCIO COM DIVERSIDADE DE PROCURADORES. PROCESSO ELETRÔNICO. DESNECESSIDADE. O artigo 191 deve ser interpretado de forma teleológica, isto é, de forma a atender à finalidade da norma, respeitando os princípios da utilidade, igualdade e da ampla defesa. Assim, a regra contida no art. 191 do CPC é inaplicável ao processo eletrônico, posto que não se fazem mais presentes as restrições para vista dos autos (TRF 4ª Região – Agravo de Instrumento 5003563-11.2013.404.0000/PR Rel. Des. Fed. FERNANDO QUADROS DA SILVA j. 15 de maio de 2013).

Embora tal precedente tenha sido reformado pelo STJ em 2015 (o ministro Villas Boas Cuêva argumentou no julgado do REsp 1488590 que não se pode deixar de aplicar o prazo em dobro nos processos eletrônicos, na medida em que o atual CPC não veda tal possibilidade, sob pena de se instaurar “grave insegurança jurídica”)[2], fato é que o TRF-4 já privilegiava a interpretação teleológica da norma e vinha adotando o posicionamento agora contemplado pelo novo CPC.

Outra “não tão novidade” diz respeito a tópico de relevante valia na nova lei e bastante suscitado pelos operadores do Direito.

Trata-se da produção da “prova simplificada”, cujo contexto se traduz na possibilidade de a parte ou o juiz, de ofício, substituir a perícia  por simples inquirição sobre questão controvertida na ação, a qual demande conhecimento técnico ou científico.

Nesse contexto, segue o texto do novo artigo 464, parágrafo 3º.

Art. 464.  A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.
(…)
§ 3º A prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico.
(…)

Apesar de também suscitado como inovação, referido procedimento se mostra, na real verdade, similar à metodologia consagrada pelo artigo 421, parágrafo 2º do atual CPC, do qual se extrai a mesma possibilidade de o magistrado inquirir o perito (especialista técnico) em relação às questões atinentes ao objeto informalmente analisado.

Art. 421. O juiz nomeará o perito, fixando de imediato o prazo para a entrega do laudo (redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.8.1992)
(…)
§ 2o Quando a natureza do fato o permitir, a perícia poderá consistir apenas na inquirição pelo juiz do perito e dos assistentes, por ocasião da audiência de instrução e julgamento a respeito das coisas que houverem informalmente examinado ou avaliado.

Ainda dentro da premissa de simplificação dos atos, o novo CPC contempla também a facilitação da defesa do réu, notadamente na forma de alegação de alguns incidentes, que atualmente são redigidos em petições apartadas.

A nova lei suprimiu esses procedimentos e concentrou todas as matérias de defesa na própria contestação, sendo certo que, a partir de março, as exceções, impugnações ao valor da causa e impugnações à Justiça gratuita deverão ser inseridas como preliminares no corpo da própria petição.

Em verdade, tal facilidade já vem sendo adotada na Justiça comum, quando a tramitação da ação ocorre pelo rito sumário, cujo princípio da concentração dos atos processuais é regra basilar para o bom andamento do procedimento.

Tão evidente conclusão, de absoluta lógica e juridicidade, é fruto da criteriosa análise feita nos julgados corolários do Superior Tribunal de Justiça, órgão que sempre buscou contemplar a celeridade e simplificação dos atos no rito agora extinto pela nova lei.

Eis, nesse sentido, a posição adotada pelo STJ:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCEDIMENTO SUMÁRIO. AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. APRESENTAÇÃO DE EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. PRECLUSÃO PARA APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO.

1. No procedimento sumário, a contestação deve ser apresentada na audiência de conciliação e, caso queira opor exceção de incompetência, o réu deve fazer no próprio corpo da contestação, pois o objetivo é a simplificação do procedimento e a concentração dos atos processuais.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp 305.294/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 12/08/2015)

Outro tema sobressalente nas rodas de debate diz respeito ao julgamento antecipado parcial de mérito, contemplado pelo artigo 356 do novo CPC.

Em suma, referido artigo possibilita o sentenciante a julgar o mérito de imediato (leia-se antes da instrução), quando um dos pedidos formulados pela(s) parte(s) se mostrar (em) incontroverso(s) nos autos.

Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:

I – mostrar-se incontroverso;

II – estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

§ 1º A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida.

§ 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto.

§ 3º Na hipótese do § 2o, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva.

§ 4º A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz.

§ 5º A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento.

Ainda que se apresente como novidade para muitos, fácil é revelar, de logo, que tal forma de julgamento, a despeito de agora ampliada e inserida no capítulo correto, encontra correspondência no Código Buzaid, conforme ensina o artigo 273, parágrafo 6º abaixo reproduzido.

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação

(…)

§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.

Não obstante ao atual CPC mencionar a possibilidade de tal tutela ser concedida em âmbito provisório, ocorrendo a hipótese acima mencionada, estará o magistrado utilizando-se da cognição exauriente para analisar o requerimento, cognição esta, por excelência, destinada tão somente às decisões ditas como definitivas em nosso código.

Nessa linha de raciocínio, ainda que alguns aleguem estar a aplicação do artigo 273, parágrafo 6º adstrita ao campo dos pedidos antecipatórios, não é crível imaginar que, verificado um pedido incontroverso, ainda que de maneira iminente, a sentença não tome outro caminho senão a procedência daquele pleito. Qualquer resultado diferente dessa equação tornaria o pedido controverso, o que não se coaduna com a análise aqui traçada. Note-se que a lei não fala em fato incontroverso, mas, sim, em pedido incontroverso.

Por isso mesmo, há irrecusável identidade entre a metodologia traçada pelo novo CPC e a dinâmica proposta pelo imperativo do artigo 273, parágrafo 6º do atual CPC, sobretudo em relação à igualdade do recurso escolhido pelo legislador para atacar as decisões: o agravo de instrumento.

Inconteste, portanto, que o militante do Direito encontrará similaridades entre alguns dos novos procedimentos abarcados pelo novo CPC e os já praticados atualmente no ordenamento, o que facilitará a interpretação e adaptação à nova norma.

O que deve ficar claro, no entanto, é que, independentemente das mudanças, o sucesso da nova lei dependerá muito mais dos participantes do processo do que da aplicação propriamente dita do teor contido na norma.

Nesse contexto, o litigante precisará trabalhar em manifesta cooperação com os participantes do processo, para alcançar a finalidade precípua almejada pela nova lei, que é o julgamento do mérito em menos tempo possível.

Essa é a base teórica do denominado “Princípio da Cooperação (ou Colaboração)”, consolidado no artigo 6º do novo CPC. Registre-se:

“Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

O teor principiológico de tal artigo confere às partes e ao juiz amplos poderes para alcançarem de maneira conjunta o melhor desfecho da lide, de modo que a nova norma objetiva o julgamento definitivo do direito material debatido, que por muitos anos sucumbiu às exigências excessivamente formais do direito instrumental processual em alguns casos concretos.

Ante todo exposto, conclui-se que o novo CPC apresenta procedimentos já consagrados em nosso ordenamento atual, o que, certamente, ajudará os militantes do Direito em relação à adaptação da nova norma. A semelhança de tais procedimentos, contudo, não anula a modernidade da norma, na medida em que esta revela mecanismos de grande importância para o ordenamento, sobretudo no que tange à introdução do Princípio da Cooperação, cujo teor confere às partes amplas possibilidades de se alcançar o melhor julgamento da lide, sendo indispensável, neste caso, a efetiva colaboração dos litigantes para a resolução do processo em menor tempo possível.

 

 

Autor: Rodrigo Pinheiro Barbosa é advogado do Melo Campos Advogados.


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