Novo Código Civil reforça direito de privacidade de artistas

Por Eliana Saad Castello Branco
I. Considerações gerais:

A personalidade humana é composta de elementos físicos, psíquicos e morais. São admitidos, a esse nível, direitos físicos, psíquicos e morais, que, respectivamente protegem os aspectos externos: o homem na vida em sociedade, e os aspectos internos da personalidade humana: valores per si, direito à imagem, ao nome e sua projeção na sociedade, em termos de consideração pessoal e social.

Destarte, os valores atinentes a própria personalidade humana, conferindo essencialidade e individualidade a cada pessoa, tem reconhecimento no ordenamento jurídico, em certas codificações e leis especiais, tendo por escopo a defesa de bens ínsitos na natureza humana.

O homem detém direitos sobre si mesmo e sobre suas projeções na sociedade, em categoria jurídica, permitindo a manutenção e desenvolvimento de suas potencialidades individuais e sociais, na consecução das respectivas metas e contínuo aperfeiçoamento. De conseguinte, a lesão provocada “contra ius” à esfera de outrem, tem-se a noção de dano no âmbito jurídico, que pode ser material ou moral, conforme o efeito produzido no ofendido, poderá incidir no seu patrimônio ou em sua personalidade, a teor do art.5, V e X , da Constituição Federal e nos artigos 11 a 21 do Novo Código Civil.

A constitucionalização de direitos da personalidade: Os movimentos desencadeados a partir da segunda metade do século XX, mormente as práticas de genocídio na Segunda Grande Guerra, geraram a edificação de sistemas de princípios universais para defesa da personalidade humana.

Nesse diapasão, para assegurar a proteção da dignidade humana, e acreditando que para atingi-la, a melhor forma seria inscrever em Declarações e Constituições, têm sido dedicado capítulo próprio para a enumeração desses direitos, inclusive vários países procederam a reformas em seu direito interno para abrigar os direitos da personalidade, em função dos cuidados que o perigo tecnológico vem impondo.

O processo de constitucionalização dos direitos personalíssimos foi tomando vulto, visto que a experiência nazista gerou a consciência de que se devia preservar, a qualquer custo, a dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal de 88 assegura a proteção de direitos personalíssimos ( art.5, V e X), acrescido da promoção social, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, alçando ao patamar constitucional à dignidade humana, a teor do artigo 1,III e 3, IV da Lex Legum.

A preservação da dignidade da pessoa humana corresponde o fim específico da tutela dos direitos da personalidade. Releva notar que tais princípios tenham o ” status” hierárquico de constitucionais correspondendo a um tempo em direito positivo, permitindo o poder jurisdicional distribuir e dar efetividade a justiça aos tutelados.

II- Direito à imagem do empregado:

Indagações:

1. A relação de emprego existente entre os atores sociais, permite a exposição da imagem do empregado em anúncios publicitários da empresa, com veiculação em folhetos, folders, outdoors, banners, tendo por escopo, incrementar a venda dos serviços e/ou produtos do empregador?

2. O empregador ficará sujeito a reparação de danos decorrente do indevido aproveitamento econômico da sua imagem?

Primeiramente, vale transcrever a definição do direito à imagem, do preclaro Carlos Alberto Bittar, in ” Os Direitos da Personalidade” , p.87, 2ª edição, Ed. Forense Universitária, ano 1995, verbis:
” Direito à imagem : Consiste no direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica e respectivos componentes distintos ( rosto, olhos, perfil, busto) que a individualizam no seio da coletividade. Incide, pois, sobre a conformação física da pessoa, compreendendo esse direito um conjunto de caracteres que a identifica no meio social. Por outras palavras, é o vínculo que une à sua expressão externa, tomada no conjunto, ou em pares significativas ( como a boca, os olhos, as pernas, enquanto individualizadas da pessoa).”

Referido direito é relevante por seu aspecto da disponibilidade, que ganha dimensões, proveniente da utilização da imagem humana em publicidade, com o fito de divulgar produtos e/ ou serviços que são colocados ao mercado de consumo, através dos meios de comunicação, tais como: folders( folhetos explicativos-publicitários), banners ( faixas publicitárias), outdoors, brindes, etc.

No que pertine a matéria, incide a proteção constitucional, prevista no artigo 5, inciso X, da Constituição Federal:
” X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

O artigo 11 do Novo Código Civil, referiu-se as três características: intransmissibilidade, irrenunciabilidade e indisponibilidade. Por sua vez , infere-se do artigo 20, do Novo Código Civil, a intenção do legislador em prestigiar o direito à imagem, excepcionalmente vulnerado pelo interesse público efetivo, verbis:

” art.20- Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.” Negritamos.

Ademais, aplicável por analogia, a Lei 9.610/98 ( Lei de Direitos Autorais), prevista na norma do artigo 29, VIII, letra “g”, verbis: ” art.29- Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidade, tais como:
VIII- a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou cientifica, mediante:
g- a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processos assemelhado;”

III- Direito à imagem e o Direito do Trabalho:

Inobstante a relação de emprego, nos moldes do art.442,da CLT, assegurar ao empregador o poder diretivo da empresa, ex vi art.2, da CLT, existem normas previstas no ordenamento jurídico que asseguram direitos e obrigações, incidentes nos direitos personalíssimos , implicitamente ou explicitamente.

Especificamente, a ofensa aos direitos personalíssimos na vigência do pacto laboral, permite a rescisão contratual pelo empregado ou pelo empregador, ex vi art. 482 e 483, da CLT, e ainda, assegura a postulação da indenização patrimonial e moral, porquanto aplicável subsidiariamente o artigo 5, V e X, da Constituição Federal, artigo 20 do Novo Código Civil e, por analogia, a Lei 9.610, de 19 de novembro de 1998, que rege os direitos autorais, a teor do parágrafo único do artigo 8, da CLT.

Passamos a responder as perguntas 1 e 2: Os multicitados dispositivos legais poderão ser aplicados, como fonte subsidiária no direito do trabalho, podendo o empregado escolher os modos pelos quais aparecerá perante o público. Destarte, qualquer utilização publicitária para promover a empresa através de informativos publicitários, tais como, folders( folhetos explicativos-publicitários), banners ( faixas publicitárias), outdoors, brindes, etc. acarretará na obrigação do empregador, em solicitar autorização expressa do empregado, e por intermédio de contratos adequados, com o fito coibir o empregador, a ter um aproveitamento econômico, indevido, da imagem do empregado, porquanto os aspectos pessoais e patrimoniais das relações jurídicas asseguram o respeito aos valores da personalidade para o titular e sua fruição dos resultados econômicos referentes à utilização pública desses bens, ainda que, oriunda do contrato de trabalho. Saliente-se, por fim, que constituem ilícitos não só os usos não consentidos, como também os que extrapolem aos limites de meio, de fim, de prazo dos veículos publicitários citados.

Destarte, a proteção aos direitos personalíssimos do empregado incidem e fazem parte do conteúdo do contrato de trabalho, determinando uma série de direitos e obrigações, e, se houver, a ofensa, injustamente, imposta ao empregado, muito embora, a existência do poder de direção do empregador dentro do ambiente de trabalho, ou fora dele, ficará o empregador obrigado a ressarcir o dano.

IV- Conclusão:

O respeito a pessoa humana é elemento indispensável do Estado de Direito e, também um de seus princípios fundamentais, porque somente poderá existir Estado de Direito no Brasil, enquanto a nossa ordem jurídica for baseada no reconhecimento dos direitos personalíssimos, oferecendo efetivo resguardo e reconhecendo-se a existência de um conjunto de princípios que estão relacionados com os direitos da personalidade, que incidirão ao caso concreto, quando tutelados por normas trabalhistas.

Eliana Saad Castello Branco é advogada trabalhista e cível, sócia da Saad & Castello Branco Advocacia, integrante da sub-comissão de Direitos Sociais da comissão de Direitos Humanos da OAB-SP.

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