Autor: Fábio de Possídio Egashira (*)
De acordo com o Código de Processo Civil de 1973, a distribuição do ônus da prova era estática e não poderia ser alterada nem pela vontade das partes. Isto é, as partes sabiam que, ordinariamente, caberia ao autor a prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu a prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito daquele, tendo ambas conhecimento sobre quem recairia o risco de não provar algo.
O novo CPC[1] manteve essa distribuição do ônus probatório entre autor e réu, mas reconheceu a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, a qual permite impor esse encargo a quem tem melhores condições de produzi-la, ou seja, a obrigação probatória de uma das partes poderá ser transferida à outra, levando em consideração as condições concretas do processo judicial.
A inversão do ônus de prova por determinação judicial não é propriamente uma novidade, uma vez que o inciso VIII do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor já a admitia nos casos de hipossuficiência do consumidor. Em outros dispositivos do CDC, a exemplo dos parágrafos 3ºs, respectivamente, dos artigos 12 e 14, também há a previsão de inversão probatória, independentemente de autorização judicial, estabelecendo que os fabricantes, os construtores, os produtores, os importadores e os fornecedores de serviços somente não serão responsabilizados se comprovarem que os defeitos inexistem ou que os produtos não foram colocados no mercado, ou que houve culpa exclusiva dos consumidores ou de terceiros. Contudo, essas previsões de inversão do ônus probatório são em benefício restrito aos consumidores e com distinção dos requisitos estabelecidos no CPC/1973 e no novo CPC.
Segundo a sistemática processual vigente, se o Juiz identificar que uma das partes tem mais facilidade de produzir determinada prova, poderá dinamizar o ônus probatório, fundamentando a decisão e respeitando a regra de procedimento, de forma a garantir à parte a oportunidade de afastar o ônus que lhe foi atribuído. Vale lembrar que a desincumbência do encargo probatório para uma parte não poderá gerar para a outra ônus impossível ou excessivamente difícil (§ 2º do art. 373 do novo CPC).
A dinamização apenas se dará em hipóteses excepcionais, quando se verificar a existência de uma prova diabólica, prova impossível ou difícil de ser realizada para uma das partes envolvidas no processo, aliada a uma facilidade na produção da contraprova pela outra parte adversa[2]. Por isso cabe agravo de instrumento contra decisão interlocutória que versa sobre redistribuição do ônus da prova (Inciso XI do artigo 1.015 do novo CPC).
O momento adequado para a análise e distribuição do ônus da prova se estabelece no saneamento e organização do processo[3]. Quanto a esse ponto, o novo CPC encampou o entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a modificação dos ônus probatórios é regra de procedimento (instrução), e não de julgamento[4]. Isso significa dizer que a redistribuição deverá acontecer preferencialmente antes da instrução processual e necessariamente antes da sentença[5]. Afinal, a parte não deve ser surpreendida com um julgamento desfavorável, sem a oportunidade de se desincumbir de um ônus probatório que, a princípio, não lhe cabia.
Observe-se que o novo CPC preserva o direito da parte de não produzir prova contra si própria no âmbito do processo judicial. Ocorre que o dispositivo do artigo 379 do novo CPC não deve ser interpretado no sentido de que a parte estaria dispensada de produzir provas que possam levar a um resultado desfavorável à sua pretensão, sendo apenas uma “garantia de não autoincriminação, ou seja, que justifica a recusa da colaboração da parte, quando a prova, para cuja produção é necessária sua participação, puder expô-la à persecução penal (art. 5º, LXIII, da CF/1988)”[6].
A distribuição diversa do ônus da prova também poderá se dar por convenção das partes, antes ou durante o processo judicial, exceto em hipóteses específicas apontadas na Lei Processual, como recair sobre direito indisponível da parte ou tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito (§3º e §4 do art. 373, art. 190 do novo CPC). O novo CPC consagrou, portanto, hipótese específica de negócio jurídico processual em matéria de prova, autorizando às partes a estipulação sobre a distribuição do ônus da prova, matéria que encontrava expressa vedação no CPC/1973 (parágrafo único do art. 333).
Esperamos que a dinamização do ônus da prova abraçada pelo novo CPC permita um processo mais justo, na medida em que a busca da verdade poderá ser mais eficiente para as Partes, sendo utilizada de maneira subsidiária à distribuição estabelecida a priori para autor e réu.
Autor: Fábio de Possídio Egashira é sócio de Trigueiro Fontes Advogados, graduação em direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap – 1997). Também é pós-graduado em Direito Processual e em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia/UFBA (2000/2001 e 2002/2003). Tem pós-graduação em Direito Civil e Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR – 2007) e em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP – 2009/2011).