Por José Jácomo Gimenes, Marcos César Romeira Moraes e Rony Ferreira
Tramita na Câmara Federal o Projeto de Lei do novo Código de Processo Civil – CPC. A nova legislação representa auspiciosa esperança de aprimoramento para o sistema judicial. Entretanto, entre as centenas de artigos, engendra a instituição de uma nova espécie, muito semelhante a tributo corporativo, uma obrigação monetária imposta por lei, em favor dos advogados. É injusta, desnecessária e inconstitucional.
O CPC em vigor determina no artigo 20 que a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. É a expressão histórica do princípio da sucumbência, fazendo com que aquele que deu causa ao processo judicial pague as despesas, entre elas os honorários advocatícios que o vencedor do processo teve para defender-se no Judiciário. A verba de sucumbência em favor do vencedor é também parte inafastável do conteúdo do princípio constitucional do devido processo legal substantivo, assim já explicitado pelo STF na Adin 1.194.
O Projeto em tramitação na Câmara Federal apresenta uma mudança aparentemente sutil, mas de consequências consideráveis. Em seu artigo 87 determina que a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. Além da mudança de titularidade, do parágrafo 1º ao 13° são estabelecidas regras de cumulatividade – percentuais mínimos e privilégios processuais, alargando a incidência da verba, com considerável impacto financeiro. A alteração, se aprovada, vai afetar milhões de processos e direitos difusos dos jurisdicionados brasileiros. O novo CPC, diploma essencialmente técnico, está sendo aparelhado para incrementar ganhos de categoria profissional.
Aprovado como está, resultará nas seguintes situações: 1ª) o advogado do vencedor será remunerado duplamente pelo mesmo serviço, por meio dos honorários contratuais combinados com seu cliente e pelos honorários de sucumbência acumulados no processo; 2ª) o vencedor do processo fica sem ressarcimento do que gastou com seu advogado, ferindo mortalmente o princípio da reparação integral e o princípio do devido processo legal substantivo, arranhando a própria legitimidade do Judiciário.
Já se tem ouvido ideias salvadoras para justificar o avanço sobre a verba dos jurisdicionados, no sentido de criação de um segundo honorário de sucumbência para ressarcimento do vencedor do processo. A solução aventada, além de estar no mundo das possibilidades teóricas e não constar de lei, oneraria demasiadamente o vencido no processo, que teria de pagar duas vezes a mesma verba e elevaria injustificadamente os custos judiciais, sendo totalmente incompatível com o sistema jurídico em vigor.
Não é o primeiro apoderamento sobre os honorários de sucumbência do jurisdicionado. O Estatuto da OAB já lançou cinco normas apropriadoras dos honorários de sucumbência em favor do advogado. O artigo 21, seu parágrafo único, e o 3º parágrafo do artigo 24, mais aplicáveis aos advogados empregados, foram limitados pelo STF na Adin 1.194. Os artigos 22 e 23, mais aplicáveis aos advogados autônomos, foram salvos do julgamento de inconstitucionalidade por força de preliminar processual salvadora: pertinência temática. Dessas normas corporativas, infelizmente, resultou uma jurisprudência superficial, sem sustentação constitucional e contrária aos indicativos do STF sobre o tema da titularidade dos honorários de sucumbência.
O advogado, agente de profissão fundamental e libertadora, experto em relações sociais, não necessita de patrocínio estatal impositivo para incrementar seus ganhos. Assim como os demais profissionais, deve obter seus merecidos honorários por meio de contrato, conforme as regras do mercado. A sociedade, o Ministério Público e demais órgãos de defesa dos direitos difusos devem ficar atentos para a mudança, especialmente quanto à efetiva realização do devido processo legal substantivo e justo tratamento do jurisdicionado, consumidor do serviço público judicial.
José Jácomo Gimenes é juiz federal em Maringá.
Marcos César Romeira Moraes é juiz federal em Maringá.
Rony Ferreira é juiz federal em Foz do Iguaçu.