Hélder Olveira *
A Constituição de 1988, no artigo 128 da lei 8.231/91, na redação original, determinava que para valor não superior a 1 milhão de cruzeiros não se aplicava o disposto nos artigos 730 e 731 do CPC, ou seja, o pagamento seria imediato, sem expedir-se precatório.
O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 1.252/97 declarou a inconstitucionalidade da expressão “e liquidadas imediatamente não se lhes aplicando o disposto nos artigos 730 e 731” por distanciar-se do tratamento que o artigo 100 “caput” da CF objetivou conferir para a satisfação dos débitos da Fazenda.
Após esse julgamento, conforme conta o voto do ministro Ilmar Galvão, no RE 287.291-1/RS, a Emenda Constitucional número 20 acrescentou o parágrafo 3º ao art. 100 da CF: “O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.”
Para fins previdenciários, editou-se a lei 10.009/00, que deu a seguinte redação para o art. 128: “As demandas judiciais que tiverem por objeto o reajuste ou a concessão de benefícios regulados nesta Lei cujos valores de execução não forem superiores a R$ 5.180,25 (cinco mil, cento e oitenta reais e vinte e cinco centavos) por autor poderão, por opção de cada um dos exeqüentes, ser quitadas no prazo de até sessenta dias após a intimação do trânsito em julgado da decisão, sem necessidade da expedição de precatório”.
O débito alimentar não dispensa precatório, aponta a jurisprudência do STF firmada no julgamento da ADI 47, ocorrida em 22.10.92, limitando-se a inobservar a ordem cronológica do artigo 100 da CF que diz : “À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos…..far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos respectivos precatórios.”
Neste sentido: “Constitucional. Precatório. Ação Acidentária. Credito de Natureza Alimentícia.
Constituição, artigo 100. I. – O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 47-SP, ocorrido em 22.10.92, decidiu, por maioria de votos, que a exceção estabelecida no art. 100, “caput”, da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa o precatório, mas se limita a isentá-los da observância da ordem cronológica em relação as dividas de outra natureza. II. – Ressalva do ponto de vista pessoal do relator deste. III. – R.E. conhecido e provido.” (Recurso Extraordinário- RE-155.536 / SP Relator(a): Min. Carlos Velloso)
Publicação: DJ data-10-06-94 PP-14791 ement VOL-01748-06 PP-01173
Julgamento: 14/12/1993 – Segunda Turma
No mesmo tom: Recurso Extraordinario- RE-271123 / RJ
Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence
Publicação: DJ Data-02-09-00 Pp-00121 Ement Vol-02002-07 PP-01421
Julgamento: 08/08/2000 – Primeira Turma
A Emenda Constitucional número 30, a par de outras modificações, incluiu o parágrafo1° – A ao artigo 100 da CF, no intuito de classificar o débito de natureza alimentar como “decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões, e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado”.
Segundo a Emenda Constitucional número 37,a partir de 12 de junho de 2002, independem de precatórios os débitos da Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal oriundos de sentença com trânsito em julgado, preenchidos cumulativamente os seguintes requisitos:
a) terem sido objeto de emissão de precatórios judiciais;
b) terem sido definidos como de pequeno valor pela lei que trata o parágrafo 3° do art. 100 da CF, ou pelo artigo 87 do ADCT;
c) estarem pendentes de pagamento na data da publicação desta emenda.
São considerados de pequeno valor os débitos ou obrigações de montante igual ou inferior a 40 salários mínimos perante a Fazenda dos Estados e do DF; e 30 salários mínimos perante a Fazenda Municipal.
Esses valores, enquanto a lei ordinária não disciplinar o parágrafo 3° do art. 100, devem ser pagos de uma só vez, na ordem cronológica de apresentação dos respectivos precatórios, prevalecendo sobre os débitos ou obrigações de maior valor, obedecida a preferência do débito alimentar. Também não podem ultrapassar o teto fixado, se ultrapassados admitem renúncia.
Para o particular a dispensa do precatório significa maior celeridade na prestação jurisdicional. Essa rapidez evidenciada inicialmente com a lei previdenciária repercutiu em outros campos do direito, como a lei 9.099/95, que significou menos formalismo processual para valores até 40 salários mínimos, embora não atingisse as causas de interesse da Fazenda Pública.
Pelo novo rito sumário do CPC, (lei 10.444/02), o valor de alçada é de 60 salários mínimos e o protelatório reenvio necessário do artigo 475 do CPC também sofreu modificação. A partir de agora é exigido apenas para condenações superiores a 60 salários mínimos, ou seja, uma sentença contra o Estado de São Paulo, uma pequena ação de indenização procedente, que antes precisava passar pelo crivo do Tribunal de Justiça em qualquer caso, agora não mais precisa. Se a condenação é inferior a 60 salários mínimos, a parte pode se valer do rito sumário do CPC para processar o erário e, caso a condenação seja até 40 salários mínimos, dispensa-se o precatório.
A lei 10.259/01, ressalvadas as exceções, extinguiu o reexame necessário, a proteção dos prazos em dobro e em quádruplo, bem como a exigência de precatório, até o valor de 60 salários mínimos, para as causas de competência da Justiça Federal.
Fica patente a boa vontade do legislador para desobstruir o Judiciário do seu ator principal, que é o Estado. A lei ordinária exigida pelo parágrafo 3° do artigo 100 da CF precisa ser editada, pois a Emenda Constitucional número 37 tem lá seus cochilos, a saber:
a) Esqueceu-se de dizer o valor do débito ou obrigação da Fazenda Federal que dispensa o precatório;
b) Fixou valores iguais para Estados e Municípios , que sabemos desiguais;
c) Fixou valores dessemelhantes com o novo rito sumário e com a lei dos Juizados Especiais Federais.
Muitas discussões surgirão como, por exemplo, se a lei 10259/01 é a que regulamenta a dispensa de precatório Federal, que seria então de condenações até 60 salários mínimos, se essa lei revogou tacitamente o artigo 128 da lei 8.231/91, se o crédito previdenciário que agora por força constitucional é crédito alimentar, pode ser dispensado do precatório, se a lei 9.099/95 não deveria ser modificada permitindo o ingresso da Fazenda Pública, se uma Emenda Constitucional que inclui Ato das Disposições Constitucionais Transitórias pode regulamentar o que a Constituição exige seja feito por lei, são algumas ponderações que os estudiosos do direito certamente solucionarão adequadamente.
Agora que tanto se fala no fim das férias coletivas para os Tribunais fica uma sugestão pela qual tantos já se debateram: acabar com o privilégio de prazos para a Fazenda Pública, 30 dias para recorrer e 60 para contestar.
As novas medidas legais apontam um valoroso caminho para aproximar ainda mais o Judiciário da população que o deseja firme, corajoso, independente e, sobretudo, rápido.
Hélder Olveira é advogado em Campinas-SP e professor da Unip