Novos prazos do Código Tributário só favorecem o fisco

por Paulo Penteado de Faria e Silva Neto

A Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, trouxe inovações em matéria tributária, destinadas, precipuamente, à adaptação dos institutos do direito tributário à nova Lei de Falências (Lei 11.101, também de 09 de fevereiro de 2005). Dentre elas, focalizaremos aquelas que afetam diretamente os prazos prescricionais a que estão sujeitos, de um lado, o Fisco, na propositura de executivos fiscais, e, de outro, os contribuintes, na tentativa de repetir valores indevidamente pagos ao Fisco.

De acordo com a alteração realizada no artigo 174, parágrafo único, I, do CTN — Código Tributário Nacional passa a ser o despacho do juiz que ordena a citação, e não mais a própria citação, o momento em que se interrompe a prescrição da ação de execução fiscal. Confira-se a nova redação do CTN:

“Art. 174. A ação para a cobrança de crédito tributário prescreve em 5 (cinco anos) contados da data de sua constituição definitiva.

Parágrafo único — A prescrição se interrompe:

I — pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal”

A nova configuração do dispositivo veio ao encontro da redação da Lei 6.830/80 (“Lei de Execução Fiscal”), a qual, em seu artigo 8º, parágrafo 2º, estatui que “o despacho do juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição”. De acordo com a redação original do CTN, a interrupção em questão dependia de “citação pessoal feita ao devedor”.

Pretendeu-se, com a inovação da redação, afastar prejuízos da Fazenda Pública decorrentes de expedientes desenvolvidos por devedores para dificultar a citação pessoal, bem como superar discussão sobre a hierarquia das leis: havia um conflito entre a antiga redação do CTN (que é Lei Complementar) e a Lei de Execução Fiscal (Lei Ordinária), pois esta, como visto, tem redação praticamente idêntica à que agora se encontra no Código Tributário Nacional.

Houve modificação significativa, portanto, na contagem do prazo previsto pelo CTN para a prescrição da ação de cobrança do crédito tributário. A antiga redação do inciso fazia referência à “citação pessoal do devedor” como causa interruptiva da prescrição. De acordo com a redação atual, entretanto, o despacho que ordena a citação é o ato que faz interromper a prescrição. Para a melhor compreensão do dispositivo, é preciso analisar mais de perto cada termo do artigo. Nesse sentido:

a) ação para a cobrança de crédito tributário consiste na ação de execução fiscal, proposta pelos representantes judiciais da fazenda pública para a obtenção do pagamento ou penhora dos valores que o fisco considera devidos pelo contribuinte;

b) prescrição é a perda da pretensão de direito material pelo seu não exercício no prazo estipulado em lei (art. 189 do Novo Código Civil, cf. Nelson Nery Junior, Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados, São Paulo, RT, 2002, p. 114). Assim, o Fisco tem um prazo para propor a ação referida acima, sob pena de extinguir-se a pretensão à concretização de seu direito;

c) a constituição definitiva do crédito tributário dá-se com o lançamento e significa a individualização/concretização do montante devido, obtida pela verificação concreta do fato jurídico tributário e determinação de suas conseqüências jurídicas;

d) despacho que ordena a citação é o primeiro ato praticado pelo Juiz para a formação do processo. Se bem sucedida, a citação dá causa à integração do réu ao litígio.

Verifica-se que houve um deslocamento temporal consistente na antecipação do momento de interrupção da prescrição. É fácil concluir, pois, que houve prejuízo para o contribuinte: o prazo de extinção da pretensão executiva, que o contribuinte deseja ver escoado o mais rapidamente possível, passa a ser interrompido muito mais cedo. Em outras palavras, como se interrompe quase ab initio o prazo contrário à Fazenda (extintivo de sua pretensão), as Procuradorias, responsáveis por compelir judicialmente os contribuintes ao pagamento de seus débitos, podem continuar com a cômoda prática de promover suas ações de cobrança somente às vésperas do vencimento do prazo, sem qualquer consideração acerca do tempo que será gasto, pelo Judiciário, para a citação do devedor.

De acordo com o Juiz Federal Renato Lopes BECHO (A interrupção do prazo de prescrição, pela Citação, na Lei Complementar 118/05, in Revista Dialética de Direito Tributário — RDDT 115, p. 108-115, abr. 2005), o despacho ordinatório da citação é, em geral, o primeiro ato do juiz depois de receber o processo da distribuição. Da data em que se ordena a citação, pelo despacho, até seu efetivo cumprimento, podem decorrer até alguns anos, fato que motivou a alteração do dispositivo em análise.

O contribuinte, sabendo que o crédito tributário fatalmente prescreveria, se não fosse citado no prazo legal, apenas aguardava que a própria ineficiência do Fisco em propor a ação ou a morosidade da Justiça na posterior citação dessem cabo da pretensão executória ou, caso isso não ocorresse, poderia valer-se de subterfúgios e artimanhas para escapar à citação. A solução encontrada pelo governo, em vez de privilegiar a eficiência administrativa, mediante a melhoria dos quadros públicos, foi pela consolidação e reconhecimento legal de uma prática viciosa dos exeqüentes, consistente em protocolar as execuções sempre em data próxima à ocorrência da prescrição (ou seja, quase no final do prazo), sem maior preocupação quanto à possibilidade de a citação se concretizar em tempo hábil.

É possível argüir-se, contudo, que a institucionalização de referida prática, a par de contrariar os fundamentos da eficiência na gestão pública, fere princípios basilares do Direito e do Processo, como, por exemplo, o contraditório, o devido processo legal, a igualdade e a isonomia (pois há um tratamento diferenciado entre governo e administrados), além de atentar contra os primados da segurança e certeza jurídicas. Isso porque, no entendimento do citado autor, é preferível “uma interpretação que confira igualdade ao Estado e aos Particulares no processo, obrigue o exeqüente a ser diligente e incite o Poder Judiciário a agir com presteza, sob pena de perda do direito dos cofres públicos ao recebimento de certos valores”. Ademais, coaduna-se a tal argumento a tese segundo a qual a LC 118/05, apesar de formalmente complementar, não é, nesse particular, materialmente complementar, pois trata de citação, instituto eminentemente processual que deve, como tal, ser objeto de lei ordinária.

Ressalte-se, por fim, que o panorama legislativo atual ainda dá margem a mais um argumento em favor da necessidade da citação e de sua célere realização. Trata-se da argüição de que a LC em análise não afasta a aplicação do artigo 219 do CPC, segundo o qual a interrupção da prescrição só acontece se o autor promover a citação do réu em 10 dias, prorrogáveis por no máximo outros 90, contados do despacho que a ordena, ressalvada a demora imputável exclusivamente ao setor judiciário, providência que, ausente, acarreta a não interrupção da prescrição. É o que se infere da lição do inexcedível F. C. PONTES DE MIRANDA (Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo III, Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 240), para quem “se a citação não foi efetuada no prazo em que devia ser, o despacho não interrompeu a prescrição (parágrafo 4º), se foi, sim: a interrupção foi na data do despacho”.

II. Prazo para repetição de indébito nos tributos lançados por homologação

A inserção de uma norma pretensamente interpretativa sobre o artigo 168, I, do CTN, tem como efeito prático, para o contribuinte, a redução do prazo para a propositura de ação de repetição de indébito tributário (com a qual se objetiva reaver do Fisco quantias pagas indevidamente), de 10 para 5 anos.

“Art. 3º — Para efeito de interpretação do inciso I do artigo 168 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 — Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o parágrafo 1º do artigo 150 da referida Lei.”

Até a edição dessa norma, que se pretende interpretativa, o cenário que se delineava era o que se passa a expor. Os tributos lançados por homologação são aqueles que impõem uma sistemática de recolhimento antecipado para que se opere a extinção do tributo, mediante um posterior ato homologatório. Isto é, o contribuinte apura, por si, o imposto, e efetua o recolhimento, que fica sujeito a uma futura homologação do ente tributante, que pode ser expressa ou, caso o Fisco permaneça inerte, como ocorre no mais das vezes, tácita. Em relação aos tributos submetidos ao lançamento por homologação tácita formou-se entendimento jurisprudencial e doutrinário a favor da interpretação que confere um prazo total para se pleitear a restituição de dez anos.

A Lei Complementar 118/05 trouxe uma norma aparentemente interpretativa sobre o artigo 168, I, do CTN, estabelecendo que a extinção do crédito tributário ocorre no momento do pagamento antecipado de que trata o artigo 150, parágrafo 1º, do mesmo Código.

O que a nova lei complementar buscou foi a alteração legislativa de uma contagem de prazo para a restituição de tributos consagrada pela doutrina e acatada pela jurisprudência, chamada comumente de “tese dos cinco mais cinco”, aplicável a tributos sujeitos à homologação.

A referida tese, que a alteração buscou derrubar, sustenta, coerentemente, que a extinção do crédito tributário ocorre somente ao tempo da homologação (ato do Fisco), seja ela expressa ou tácita. Como a homologação expressa dificilmente se verifica na prática, a extinção pela homologação tácita é a mais freqüente, e esta se dá passados 05 anos do fato gerador. O outro prazo de cinco anos, para fins de ingresso em juízo com a ação de repetição, conta-se a partir da referida data da homologação tácita, que é precisamente a data da extinção do crédito tributário referida no artigo 168, I do CTN.

A extinção do crédito tributário, no lançamento por homologação, ocorre no momento da homologação dos atos praticados pelo contribuinte (parágrafo 1º do artigo 150 do CTN), ou, na omissão do fisco, cinco anos a partir da ocorrência do fato gerador (parágrafo 4º do artigo 150 CTN). Veja-se a redação dos mencionados artigos:

“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. (…)

§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento.

§ 4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação”.

Como não se pode falar em existência de um crédito tributário desprovido de um lançamento, praticado pela autoridade administrativa, os dizeres do parágrafo 1º (“ulterior homologação do lançamento”) significam que a concordância do Fisco com o pagamento efetuado ou transcurso in albis do prazo para tal homologação, fazem as vezes de lançamento.

Afinal, “o recebimento de uma importância pela Fazenda Pública só se legitima como recebimento de um crédito tributário, se for constituído pelo lançamento, que, se não tiver sido prévio, haverá de ser posterior, mediante a homologação da atividade do obrigado” (Código Tributário Nacional Comentado, coord. Vladimir PASSOS DE FREITAS, 2a Ed., São Paulo: RT, 2004). No mesmo sentido, Hugo de BRITO MACHADO (A questão da Lei Interpretativa na Lei Complementar nº 118/2005: Prazo para Repetição de Indébito, in Revista Dialética de Direito Tributário — RDDT nº 116, maio 2005) assevera que “o crédito tributário somente se considera extinto com a homologação do lançamento”.

Logo, no caso da homologação tácita, somente começam a ser contados os cinco anos para a propositura da ação de repetição de indébito a partir dos cinco anos que já haviam se passado desde o fato gerador. O transcurso dos primeiros cinco anos caracteriza, pois, a extinção do crédito tributário nos lançamentos por homologação, e este ponto definido no tempo (extinção) é o momento eleito pelo CTN como marco inicial da prescrição, que também é de 5 anos.

O entendimento consolidado na jurisprudência e na doutrina é o de que o prazo de cinco anos para prescrição do pedido de restituição dos valores pagos indevidamente só pode ser contado depois de passados cinco anos da homologação tácita (data de extinção do crédito tributário), totalizando-se dez anos. Objetivando a alteração do entendimento exposto acima, que se consolidara no Superior Tribunal de Justiça e nas instâncias de menor grau, houve a elaboração da LC 118/05, com a qual o governo pretendeu modificar, pela via legislativa, o entendimento judicial pacífico. Normas de feitio falsamente “interpretativo” expedidas pelo Legislativo, como a comentada, deveriam ser repelidas pelo Judiciário, tendo em vista ferirem o princípio constitucional da separação dos poderes. Afinal, o legislador pretendeu inovar o sistema jurídico por meio do condicionamento do intérprete a uma exegese diversa, em sentido e alcance, da que havia sido conferida pelo próprio Poder Judiciário.

Mas não só o equilíbrio entre os poderes resta combalido por essa agressão legislativa. Mário Luiz de OLIVEIRA COSTA (Lei Complementar nº 118: a pretendida Interpretação Retroativa acerca do Disposto no artigo 168, I, do CTN, in RDDT nº 115, abr. 2005), com base em abrangente pesquisa na doutrina e jurisprudência, conclui que a norma contida no artigo 3º da LC nº 118/05 só poderia ser validamente interpretativa (e consentânea com o art. 106, I, do CTN) se fosse realmente necessária para esclarecer o significado de uma norma obscura. É cediço, ademais, que a norma não poderia retroagir em prejuízo dos contribuintes, cujos direitos estão resguardados pelos princípios da segurança jurídica e da irretroatividade in pejus.

Compartilhamos da opinião do autor, no sentido de que o artigo 168, I, do CTN, não demandava qualquer “norma interpretativa”, pois já havia sido exaustivamente tratado pelo Judiciário, em uma plêiade de decisões do STJ, além de ter conteúdo absolutamente inequívoco diante de uma interpretação sistemática do CTN. Ora, o Código Tributário Nacional define no artigo 156, VII, sem qualquer claudicância, o momento da extinção do crédito a que se refere o artigo 168, I. O artigo “interpretado” tinha seus contornos clara e exaustivamente definidos. É de se indagar se o legislador é realmente incapaz de interpretar simultaneamente dois artigos de um código ou se agiu, com exorbitância de funções e desvio de finalidade, como mandatário — não do povo, mas dos luminares da política fiscal do governo.

Na opinião de OLIVEIRA COSTA, op. cit., seria possível argüir a nulidade do artigo 3º da LC 118/05 e sua total ineficácia, também em relação ao futuro, mas especialmente em relação aos pagamentos e mesmo aos fatos geradores anteriores à vigência da lei (amparados pelos princípios da irretroatividade e da segurança jurídica).

Registre-se a opinião diametralmente oposta de Júlio César ROSSI (Lei Complementar 118/2005: Efeitos na Prescrição e Decadência dos Tributos sujeitos a Lançamento por Homologação in RDDT nº 116, mai. 2005), que admite a validade do referido artigo, reputando-o norma interpretativa compatível com o ordenamento jurídico, posição da qual discordamos.

Já o Prof. Paulo Roberto LYRIO PIMENTA, em artigo solidamente construído (A aplicação da Lei Complementar nº 118/05 no tempo: o Problema das Leis Interpretativas no Direito Tributário, in RDDT nº 116, mai. 2005), assevera que o artigo 3º em exame, norma “pseudo-interpretativa”, é na realidade lei nova e, como tal, deve ser aplicada integralmente a fatos geradores posteriores a sua vigência, em face da aplicação da lei tributária no tempo.

Conforme notícia veiculada em 29 de abril de 2005 pelo jornal Gazeta Mercantil, Caderno A, página 8, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Primeira Seção, decidiu por unanimidade, no âmbito do EResp nº 237.043-DF, que a redução pela metade do prazo para pedir no Judiciário a restituição de tributo pago não vale para as ações judiciais que já estão em curso, como defendia a Receita Federal, mas somente para aquelas propostas a partir de 09 de junho de 2005 (data de entrada em vigor da LC 118/05 e da nova Lei de Falências).

O Judiciário parece curvar-se aos destemperos de um Legislativo que lhe usurpou funções. Deve ficar registrada, porém, a opinião do Ministro Luiz FUX, para quem “Camuflou-se a realidade em processo oblíquo cujo único objetivo foi o de anular, inclusive retroativamente, entendimento jurisprudencial que se mostrava benéfico aos contribuintes e prejudicial aos interesses do Fisco. (…) (Houve) manifesto desvio de finalidade e abuso de poder legislativo, usurpando a competência do Poder Judiciário em clara violação aos princípios da independência e harmonia dos poderes, segurança jurídica, irretroatividade, boa-fé, moralidade, isonomia e neutralidade da tributação para fins concorrenciais”.

Não bastassem tantas e tão graves afrontas ao direito positivo, a inovação feita pelo art. 3º da LC 118/05, como adverte o Prof. Kiyoshi HARADA (Repetição de indébito. Confusão em torno do prazo prescricional trazida pela LC nº 118/05. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 603, 03/03/05. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6396. Acesso em 02/05/05), cai em insuperável contradição, na medida em que pretende tratar da repetição de um valor utilizado para extinguir um crédito que sequer tinha nascido! Indaga-se: já que fato constitutivo do crédito é o lançamento (homologação tácita, que, coincidentemente, também é seu fato extintivo), como é possível conceber que o mero pagamento antecipado, ainda não homologado e plasmado de incerteza, possa ter relevância jurídica tamanha a ponto fundamentar um pedido de restituição?

Na medida em que, de acordo com o artigo 156, VII, do CTN (“Extinguem o crédito tributário: (…) VII — o pagamento antecipado e a homologação do lançamento, nos termos do disposto no art. 150 e seus parágrafos 1º e 4º”), é a conjugação do pagamento com sua homologação, e não o mero pagamento isolado, que extingue o crédito tributário, não se pode admitir a repetição de algo que ainda não se sabe ser devido ou indevido (indébito), pois simplesmente ainda não passou pelo crivo do fisco.

Hugo de Brito MACHADO SEGUNDO (Processo Tributário, São Paulo: Atlas, 2004, p. 387), ainda antes da alteração em comento, repelia a tese de que o prazo prescricional começaria a correr desde o pagamento, baseando-se em argumentos que continuam válidos, a saber, (“a”) a homologação não se presta apenas para considerar o pagamento insuficiente, mas também para reconhecê-lo excessivo, gerando a obrigação de devolver o montante pago a maior, razão pela qual o pagamento não pode ser considerado perfeito, válido e eficaz desde o momento de sua realização.

No mesmo sentido, Luís Eduardo SCHOUERI (Compêndio de Legislação Tributária, textos de aula inéditos, 2004), quando assevera que “esse desembolso do contribuinte não se considera definitivo; é uma antecipação de algo que será apurado posteriormente”; e (“b”) só a partir da homologação expressa ou tácita o contribuinte pode ter certeza de que seu pagamento não será restituído, pois antes disso “não há pronunciamento da Fazenda sobre a apuração e o pagamento que o próprio contribuinte efetuou”, ainda não sendo correto falar em pretensão resistida pelo Fisco.

Note-se ainda que, para efeitos da repetição de indébito, não há a menor relevância em se perquirir se o lançamento, que faz nascer o crédito, ocorreu na data da antecipação (“auto-lançamento”); se, por ser ato privativo da administração pública, deu-se no momento da homologação; ou mesmo se é concebível o crédito tributário sem lançamento: o importante é que, em qualquer dos casos, a extinção desse crédito, dies a quo do prazo prescricional, dá-se com a homologação, por imposição sistêmica.

Além dos vícios apontados acima, portanto, conclui-se que a nova disposição padece de contradição sistemática insanável em relação ao artigo 156, VII, do CTN, porquanto estabeleça que, “para efeitos de interpretação do inciso I do artigo 168”, a extinção, na realidade, não ocorre com a extinção, mas em um momento anterior!

Essa situação, na qual se utilizam dois pesos e duas medidas, tentando fazer a balança pender a favor do Fisco, é mais uma daquelas a repugnar a consciência jurídico-tributária do país. Admitir a extinção do crédito pelo pagamento equivaleria a conferir poder liberatório da obrigação a tal ato e, levando-se tal raciocínio ao extremo, qualquer pagamento, mesmo ínfimo, deveria ser acatado pelo Fisco, que não mais o poderia avaliar (pois a dívida estaria saldada com o ato do adimplemento), esvaziando-se a própria função da homologação.

Revista Consultor Jurídico

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