Estamos realmente diante de um momento histórico do nosso país, em uma espécie de bolha de realidade que alardeia números fantásticos e inebria àqueles que queiram ou não participar desse momento tão ilustre.
Nunca na história desse país as pessoas estiveram tão anestesiadas com a realidade moral, política, filosófica e até mesmo existencial dos seres humanos na sua condição de sujeitos sociais. A compaixão, o amor e até mesmo a mera atenção aos demais foi totalmente substituída pelo egoísmo, pela “Lei de Gerson”, pela insegurança e carência que tomaram contas das pessoas e são combatidas pela falsa sensação de poder e pela constante impunidade.
Nunca na história desse país a desfaçatez de nossas autoridades foi tão aplaudida, mas tão pouco assistida, em um descaso gerado pela falta de estômago daqueles que não suportam mais ver a situação piorar a cada dia – o que foi apelidado de “revolta das elites” – combinado com a absoluta ausência de condições e consciência daqueles que lutam para sobreviver e correm atrás da tão sonhada Bolsa Família, o que recebeu a alcunha de “o Governo dos pobres”, como se substituir educação e consciência por esmolas fosse um ato de benevolência.
Nunca na história desse país a população foi obrigada a conviver de forma absolutamente passiva com ministros de alto escalão que tratam a opinião pública como verdadeiros anencéfalos, utilizando-se do mais escarrado diversionismo, sem precisar sequer de uma peneira para tapar o sol, bastando mandar as pessoas “relaxar e gozar” ou então, tratando o mais absoluto caos aéreo já visto na história desse país como sendo um fruto da “prosperidade econômica”, algo que traz à mente a velha política romana do “pane et circus”.
Enquanto isso, mais uma vez, nos deparamos com recordes, pois nunca na história desse país foram vistos dois desastres aéreos de grandes proporções em menos de um ano, causados pela mais absoluta desídia das autoridades, que assistem a uma colisão de um avião em um dos já populares “pontos cegos” dos ares, se perdem em discussões partidárias acerca do que fazer com a caixa preta, não do avião, mas da Infraero, assistem, paralisados, a aviões derrapando na pista do aeroporto de Congonhas (uma verdadeira bomba relógio que recebe cerca de 40 aviões por hora em meio a milhares de residências), achando que nada está sendo visto, afinal, alguns aviões só derraparam, mas não caíram.
Nunca na história desse país as autoridades foram tão hábeis para liberar uma pista de aeroporto de forma incompleta, afinal, nas férias de julho, uma pista a menos poderia levantar o tapete que guarda tanta sujeira, o que certamente atrapalharia o relaxamento e até mesmo o gozo desse descanso tão merecido, pois crise aérea não existe, é só “prosperidade econômica”.
Nunca na história desse país o Congresso e o Judiciário estiveram tão afundados em lama, que acaba sendo lavada pela límpida e pujante sabedoria das urnas, não sendo mais necessários carneirinhos para adormecer a consciência de um país, afinal, bastam algumas cabeças de gado superfaturadas para justificar o injustificável e chamar a todos de estúpidos.
Nunca na história desse país se viu um evento tão belo e grandioso quanto os Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro, algo tão sublime que foi capaz de interromper a guerra civil nas favelas da cidade e de retirar o medo que todo e qualquer cidadão brasileiro tem de circular e exercer o mais sagrado de todos os direitos, a liberdade de ir e vir.
Seja na terra aguardando as angustiantes horas de espera nos aeroportos, seja nos ares com as infinitas preces para não encontrar outro avião em algum ponto cego, ou na aterrissagem torcendo para que a falta de ranhuras em uma apertada pista de pouso não acarrete nenhuma derrapagem. Ou então, podemos pisar em terra firme novamente e enfrentar as estradas sucateadas – cujo descaso acumulado de décadas faz aniversário como se fosse uma novidade da qual ninguém tem conhecimento – cujo clímax não são as crateras na pista ou a falta de sinalização, mas sim, os engarrafamentos enfrentados pelos motoristas enquanto se aguarda o próximo arrastão antes de se chegar a uma das nossas centenas de praias paradisíacas encravadas nesse maravilhoso país turístico.
Mas tudo isso, não passa de intriga daqueles que torcem para que as coisas dêem errado, como um ex-marido descontente com a felicidade de sua ex-mulher, nas palavras da nossa máxima autoridade, afinal, para não enfrentarmos tudo isso basta não utilizarmos nossas estruturas de transportes e superarmos a tensão de ir até o mercado da esquina torcendo para não sermos assaltados.
E viva o Pan, sem vaias no Maracanã!
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Eduardo Schuch é advogado, professor da Escola Paulista de Direito e mestrando da Faculdade de Direito da USP.