São Paulo – O artigo “O advogado e a Redemocratização do País” é de autoria do presidente em exercício da Seccional da OAB de São Paulo, Marcos da Costa, e foi publicado na edição de hoje (26) do Jornal do Commercio (RJ):
“A História republicana brasileira percorreu, ao longo de quase 100 anos, uma trajetória institucional marcada pela instabilidade, interrompida, inúmeras vezes, por golpes de Estado, vigência de instrumentos de exceção à liberdade política e de opinião, prisões arbitrárias e assassinatos de militantes políticos, e também pelo cerceamento ao trabalho de advogados, professores, pesquisadores, artistas e jornalistas.
Registramos, nesta caminhada, inúmeros ciclos de regimes autoritários e violentos. A própria República se iniciou por meio de um golpe militar. Nas duas últimas décadas, entretanto, a sociedade brasileira passou a respirar raro e longevo período de estabilidade institucional.
Também a Seccional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil acaba de instituir sua Comissão da Verdade, representada por nomes que devem ser inscritos nos anais da História brasileira, pelo trabalho corajoso, ousado e perspicaz que mantiveram em defesa da democracia e do Estado de Direito durante a mais recente ditadura militar. Nossos digníssimos advogados, representados por figuras da expressão de Mario Sérgio Duarte Garcia, Belisário dos Santos Júnior , Zulaiê Cobra Ribeiro, Idibal Pivetta, entre tantos outros, que estiveram na linha de frente da luta pela restituição plena dos direitos políticos e civis aos brasileiros. Não se encolheram nem se intimidaram diante das pressões ou ameaças provenientes do aparelho do Estado, nem das dificuldades de trabalho criadas pela própria estrutura do Judiciário.
Essa é a História que pretendemos resgatar por meio da nossa Comissão da Verdade: o papel exercido pelos advogados durante a ditadura, com intensa defesa dos direitos humanos e dos direitos dos presos políticos, muitas vezes com riscos à própria vida; e seu trabalho incansável pela redemocratização do País. Os fatos precisam ser recuperados e apresentados às gerações mais jovens.
Quem hoje vive e usufrui da estabilidade política, e até mesmo da econômica, pois a primeira permite que se operem medidas de mais longo prazo em direção ao desenvolvimento do País, pouco conhece acerca desses momentos obscuros que os advogados enfrentaram, a exemplo do recrudescimento do regime militar na metade da década de 70. Ali tivemos os assassinatos, sob tortura, do jornalista Vladimir Herzog (em 1975) e do operário Manoel Fiel Filho (em 1976) nos porões da ditadura.
Assistimos, ainda, à edição de medidas que alteravam as regras do jogo eleitoral com vistas a barrar a reação da sociedade, mediante uma previsível vitória da oposição no Senado (Pacote de Abril, em 1977). Os advogados erguem a bandeira da responsabilidade social e política para a continuidade da nova História do Brasil. Como costuma frisar nossa companheira Zulaiê Cobra Ribeiro, o advogado forma, juntamente com o Ministério Público e a magistratura, o tripé da Justiça. “Sem o advogado não há Justiça, não há defesa, não há liberdade, não há consciência”.
Não podemos nem devemos perder esse foco de perspectiva. Precisamos mostrar que o regime democrático se constrói a partir do movimento da História, que nós fazemos parte desta História e que o propósito político está muito além dos interesses de poder encastelados no Estado. A Democracia outorga prerrogativas temporárias aos nossos governantes e representantes e não concede, a quem quer que seja, em hipótese alguma, o poder de tripudiar da condição humana.”