Rogério de Barros Correia Lopes
Respondendo a questionamento que nos foi feito, sobre o percentual que
poderia ser aplicado à título de multa, nos contratos de prestação de
serviços educacionais, face ao art. 52 do Código de Defesa do Consumidor
temos a considerar o que segue.
Existe fundada controvérsia sobre a aplicabilidade da multa limitada a 2%
em contratos que envolvam as pessoas jurídicas que tem suas atividades
controladas pelo diploma legal citado.
Uma corrente de juristas entende que o legislador pátrio procurou defender
os consumidores de todas as empresas, indistintamente, que exorbitavam a
aplicação de multa em tempos de baixos juros (!), como o que vivemos
hoje. Entendem que o diploma legal trata de relações de consumo, e que a
prestação de serviços educacionais se enquadra perfeitamente dentre elas,
devendo também sofrer a limitação da multa, expressa no art. 52 do CDC.
Outra corrente de juristas entende que, ao se restringir – no início do artigo
52 -, o tipo de produto ou serviço contemplado com a limitação de multa,
não houve extensão para todas as categorias. Parece-me mais acertado o
segundo entendimento por algumas razões, que exporei.
O invocado art. 52 do CDPC, estabelece que:
“Art. 52 – No fornecimento de produtos ou serviços que
envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao
consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos,
informá-lo prévia e adequadamente sobre:
I – preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
II – montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de
juros;
III – acréscimos legalmente previstos;
IV – número e periodicidade das prestações;
V – soma total a pagar, com e sem financiamento.
§ 1º – As multas de mora decorrentes do inadimplemento de
obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois
por cento do valor da prestação.
§ 2º – É assegurada ao consumidor a liquidação antecipada do
débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional
dos juros e demais acréscimos.
§ 3º – (Vetado.)”.
Ora, a empresa fornecedora de serviços educacionais não é o tipo de
estabelecimento que fornece o produto ou serviço que envolve crédito ou
concessão de financiamentos. Não é financeira nem faz uso dos critérios de
financiamento para parcelamento da anuidade que deve receber pelo
serviço que presta.
Se o ente educacional estabelece em contrato que a anuidade poderá ser
parcelada sem ônus para o contratante, fica mais clara a inaplicabilidade do
art. 52. Percebe-se que não havendo ônus para o parcelamento, não houve
outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor.
A empresa não faz parte do sistema financeiro nacional e nem tem os
benefícios a ele inerentes, pois é prestadora de serviços de natureza
diversa daquela categoria empresarial. No caso, uma multa de 10% é
legítima e pode perfeitamente ser cobrada, por ter sido aceita em contrato
mantido entre as partes.
Em recente decisão, a 6ª Câm. do 1º TACIVIL se manifestou contrariamente
a aplicabilidade do art. 52, § 1º, até mesmo contra instituição bancária,
contrariando o senso comum e majoritário de que contra instituições
bancárias sempre se limita a multa a 2%. Conveniente transcrever o que
votou o Rel. Juiz Evaldo Veríssimo:
“CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – lnaplicabilidade do
artigo 52, § 1º, da Lei nº 8.078/90 aos mútuos bancários.
lnexistência de relação de consumo a ser protegida. Recurso
provido (1º TACIVIL – 6ª Câm.; Ag. de lnstr. nº 877.727-1-SP;
Rel. Juiz Evaldo Veríssimo; j. 10/8/1.999; v.u.).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de
Instrumento nº 877.727-1, da Comarca de São Paulo, sendo
agravante BANCO … e agravados C. A. LTDA@ e outro e S. T.
P. S/C LTDA.
ACORDAM, em Sexta Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada
Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso.
Trata-se de Agravo de Instrumento, tirado contra r. decisão
que, editada em ação de execução, determinou a elaboração,
pelo exeqüente, de novos cálculos, à adequação da multa de
10% às disposições do Código de Defesa do Consumidor
(alíquota de 2%).
Sustenta-se, no recurso, que muito embora não tenha sido
provocado, mas por entender de ordem pública a norma
contida no artigo 52, § 1º, da Lei no 8.078/90, o MM. Juiz de
primeiro grau, de ofício, proferiu a decisão reptada. No
entanto, esta não deve prevalecer, por entender a agravante
inaplicável ao débito exeqüendo as normas do Código de
Defesa do Consumidor, devendo ser respeitado o ajuste
celebrado pelas partes (cláusula “c” do borderô), que se
respalda, de resto, no artigo 916 do Código Civil e artigo 9º
do Decreto nº 22.626/33.
Aqui, cuidou-se de uma operação de crédito, um desconto de
uma nota promissória. Não houve, pois, aquisição de produto
ou um serviço. Aquele negócio não se enquadra nas
disposições do Código de Defesa do Consumidor, pois não
houve ou não há relação de consumo entre o banco agravante
e a empresa agravada.
Com fundamentos acrescidos, propugnou pela reforma da r.
decisão reptada.
Comprovou-se a observância tempestiva do artigo 526 do
Código de Processo Civil.
É o relatório, no essencial.
Pese embora a posição do douto Juiz de primeiro grau,
calcada inclusive em algumas manifestações pretorianas
deste Sodalício, o entendimento que se tem, sobre o tema,
nesta Câmara, é diverso.
Na verdade, não se aplica ao débito aqui questionado as
regras do Código de Defesa do Consumidor, particularmente a
do artigo 52, § 1º, da Lei no 8.078/90, com a redação dada
pela Lei no 9.298/96. É que as disposições do referido
diploma legal somente ganham incidência no respeitante aos
serviços prestados por estabelecimentos bancários,
instituições ou empresas, mas não quando sejam
concernentes ao sistema financeiro de crédito ou de seguros,
na medida em que o campo normativo que se aplica a tal
segmento, a norma constitucional privilegiou, como regente, a
lei complementar, conforme regra estampada no artigo 192
da Constituição Federal. Assim, o, perfil financeiro, creditício
ou securitário do serviço qualifica a não aplicabilidade da
norma do artigo 52, § 1º, da lei regencial da matéria, que não
irradia, portanto, eficácia de incidência.
Não existe, pois, relação de consumo a ser protegida, senão
nas hipóteses em que os serviços sejam pagos ao banco, dos
quais a empresa bancária se defina como
fornecedora-credora e o cliente como interessado-devedor
(cobrança de títulos remessas de dinheiro, ordens de
pagamento, consulta em terminais, administração de fundos
ou de patrimônio, ad exemplum).
O banco é um intermediário na circulação de dinheiro. Assim,
ao tornarem-se devedores do agravante os agravados não se
utilizaram de um serviço bancário, Nem adquiriram,
naturalmente, qualquer produto, observado o sentido legal.
O dinheiro circula. Não se consome. É um veículo que se
destina à aquisição de bens e serviços. As pessoas do
consumidor e do cliente de banco são, por isto, diferentes.
Por tais fundamentos, dão provimento ao recurso.
Participaram do julgamento os Juízes OSCARLINO MOELLER e
WINDOR SANTOS.
São Paulo, 10 de agosto de 1999.
EVALDO VERÍSSIMO
Presidente e Relator”
A decisão acima só é trazida, para demonstrar que, mesmo em questões
que o senso comum indica determinadas soluções, as vezes temos
entendimento completamente diversos. É mais ou menos tranqüilo, o
entendimento de que, SEMPRE se aplica multa maxima de 2% para
estabelecimentos bancários conforme o art. 52, a contrário senso se vê o
voto do Douto Evaldo Veríssimo, que brilhantemente fundamenta seus
motivos.
Princípio elementar de direito estabelece que onde a Lei restringe, não pode
haver interpretação extensiva. O contrato de prestação de serviços
educacionais não envolve concessão de crédito ou financiamento. O Colégio
não é instituição financeira ou similar, não cobra juros nem financia as
importâncias contratadas, apenas parcela o valor da anuidade para
conveniência dos pais ou responsáveis pelo aluno.
Fica evidente pelo exame do art. 52, que o legislador quis conter a sanha e
voracidade por lucro de instituições financeiras, cujo objetivo é auferir
dinheiro decorrente de dinheiro. Talvez o legislativo se tenha levado pelo
passado do País, quando os bancos se tornaram vilões da ciranda financeira
em que vivíamos; mas isto é outro problema.
Os incisos e parágrafos do artigo, demonstram a categoria de empresa a
que se aplicam. Falam de “taxa efetiva anual de juros”, “total com e sem
financiamento” e “redução proporcional de juros”, termos no mínimo
estranhos, ao serviço educacional.
Não se diga que a multa no valor de 10% é enriquecimento ilícito da
instituição de ensino. Antes de ser expressa em moeda, esta multa há que
ser expressa em como cláusula inibidora da inadimplência, que se avulta
em todos os setores da economia brasileira, inclusive no educacional.
Não interessa ao educador cobrar multa do aluno. Educador não vende
“dinheiro” como a financeira ou o banco, a multa para ele não é mais uma
alternativa de lucro. Entretanto, desinteressa ao educador particular educar
de graça, pois esta é uma função do Estado, e não dele. Tem obrigações
com a fazenda pública, com a previdência, com funcionários e fornecedores
que precisa saldar, muitas vezes com multas superiores a que aqui se
discute, como as que o próprio Estado cobra.
Temos que lembrar que, apesar da nobreza e paixão com que pedagogos e
trabalhadores do ensino se dedicam ao seu ofício; – muitas vezes com
sacrifício próprio -, o ensino privado depende do pagamento pelo serviço
prestado. O governo não subsidia nem um centavo de Real à rede de
ensino, e não lhe dá qualquer tipo de incentivo fiscal