O assassinato do juiz e os direitos dos presos no Brasil

Paulo Sérgio Leite Fernandes*

Foi terrível o assassinato do juiz de Execuções Penais de Presidente Prudente. Um bom homem, certamente, segundo comentários que correm na cidade. O corpo foi velado na sede local da Ordem dos Advogados do Brasil. Os advogados sabem quem presta e quem não presta. Quando se emocionam e agasalham, em casa, os despojos de alguém, seja humilde ou venturoso, é sinal de que sofrem além dos rotineiros compromissos comunitários. Despediram-se como quem se despede de um irmão.

Os tempos são violentos. Insistir nisso constituiria redundância. Mata-se diuturnamente, contra e a favor da lei. Outros cidadãos honrados morreram, já agora na metrópole paulista, neste final de semana. Assaltantes-mirins desfecharam tiros e facadas para garantir a posse de relógios vagabundos (não há quem use, hoje, adereços de valor).

Deve ter havido um ou outro seqüestro (não se sabe, corre em segredo). Houve crimes passionais, é óbvio (sempre há paixão, embora pouco se fale de amor não correspondido). No meio disso, marginais brancos, pardos, ou negros, incursionando pela escuridão das ruelas, receberam balaços da polícia, fazendo-o a última, sempre, no exercício regular da função pública. Falta tempo, nos necrotérios paulistas, à higienização das gavetas guardadoras dos defuntos.

A morte dramática do eminente magistrado dói muito nos familiares, nos juízes em geral, na classe dos advogados, nos membros do ministério público e no povo. Assusta, igualmente, pois a toga parecia servir de armadura a todos quantos acreditam na imunidade de alguns. O eminente presidente do Tribunal de Justiça sai a campo e requisita penas mais graves. O bastonário da seccional paulista da OAB reivindica menos conforto para os presos. Segundo noticiário posto nesta segunda-feira, 17 de março, o presidente da secção de São Paulo da Corporação teria dito que os criminosos transformam as celas em cômodas dependências.

Equilíbrio tem, e muito, o ministro da Justiça. Márcio Thomaz Bastos cobrou, em qualquer hipótese, respeito à Constituição, refutando a idéia de se gravar o colóquio entre advogados e seus clientes, nas cadeias e presídios (Já se faz isso, não se duvide). No fim de tudo, um chefe do Poder Judiciário exige maior rigor, um presidente da OAB opta por submeter os reclusos a privações maiores, os juízes são tentados a acidular as condenações, fala-se em grupo de extermínio em Ribeirão Preto, considera-se a hipótese de matar um facínora a mais a título de retorsão ou cobrança de juros e o governador sai a campo jurando justiça.

A família do magistrado purga o horror do acontecido. Caiu um raio sobre a cabeça da mulher e dos filhos daquele excelente cidadão, isso no fim de uma tarde quente de um dia comum. Faz lembrar Raimundo Pascoal Barbosa, “o advogado dos advogados”, (assim o chamavam). Mataram-lhe a esposa a tiros, à porta de casa. Iam à Europa, quem sabe pela primeira vez na vida. Ela, a mulher, voltava do Banco, com as economias. Raimundo enterrou a moça. Não precisou pôr luto. A beca lhe servia de demonstração de tristeza. Continuou suas sustentações orais. Não deixou de ser criminalista. Ficou triste, muito triste, mas nem por isso tergiversou. Entendia aquele crime como um fenômeno cujas conseqüências não podiam recair sobre a comunidade inteira de infratores, pagando todos pela falta de alguns.

Assemelhadamente, não se deve acreditar na frase – ou opinião – atribuída ao presidente Carlos Miguel Castex Aidar. Um jornalista desatento deve ter pinçado frase solta num contexto qualquer. O bastonário nunca sugeriria supressão de direitos concedidos aos presos no sistema prisional brasileiro.

Conhece o cheiro da cadeia. Empesteia as narinas dos advogados criminalistas. Um odor de suor, batata podre e outros alimentos estragados envolvidos dentro de masmorras superlotadas, misturando-se o conjunto em rotineira conformação com a diária ofensa à lei posta. Morrem juízes, morrem advogados, morrem médicos infectados, morrem policiais, enfim. Chora-se. A fronte se recobre de cinzas, mas isso não pode levar à retaliação. Disse-o, elegantemente, o Ministro da Justiça. Pelo visto, foi dos poucos a dizer bem.

Paulo Sérgio Leite Fernandes é advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas

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