O avanço tecnológico demanda peritos judiciais especializados

por Luís Filipe Gomes

Responsabilidade civil por fato do produto é, na expressão vulgar, indenização dos danos causados por defeito do produto. Ora, havendo alegação de defeito do produto impõe-se a produção de prova técnica da sua existência.

O Art. 145 do Código de Processo Civil prescreve:

“Quando a prova de fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no art.421.”

Por conseqüência dessa disposição processual, aos juízes é vedado decidir sobre ações de responsabilidade civil por fato do produto sem que estejam assistidos por perito, o que se desdobra em numerosas indagações sobre as habilitações dos peritos e sobre suas manifestações.

Se o fato alegado e submetido à jurisdição for, por exemplo, o defeito causador de um “curto-circuito” elétrico, em especial os conseqüentes riscos à saúde e, ou à segurança de usuários ou circunstantes, o perito a ser utilizado deverá necessariamente ser engenheiro eletricista, posto que é esse profissional que adquire, pela escolaridade, pelo treinamento e pelo desenvolvimento (pessoal e profissional) os conhecimentos específicos sobre a formação, o funcionamento e as possíveis disfunções dos circuitos elétricos, não estando habilitados para tal atividade de perícia, por conseqüência, engenheiros civis, engenheiros mecânicos ou engenheiros de quaisquer outras especialidades, ainda que possam ter justificáveis opiniões sobre o defeito em discussão.

Nos dias que correm, não basta ser “engenheiro” ou ter engenho para analisar com correção e autoridade, por exemplo: a) a ocorrência de defeitos em dispositivos como “airbags” de automóveis; b) falhas nos sistemas de freio de automóveis; c) defeitos em máquinas com dispositivos programáveis de uso doméstico.

Na Era da Informação, em que os profissionais tendem a ser valorizados por suas capacidades de lidar com informações/conhecimentos, os produtos de uso comum vão sendo cada vez mais enriquecidos pela evolução tecnológica, pela adição de componentes eletrônicos, pela utilização de dispositivos pirotécnicos e, ou pela combinação de mecanismos que utilizam tecnologias mais ou menos desconhecidas de um ou de outro ramo tradicional da Engenharia.

Fruto deste novo panorama, novos ramos do conhecimento e do ensino começam a revelar-se, não só pela especialização e pelo aprofundamento dos estudos das matérias mas também pelo alargamento e realce de determinadas interfaces, em combinação de especialidades e de ramos distintos do conhecimento científico. Por exemplo: a Engenharia Mecatrônica, onde se passaram a reunir conhecimentos especializados de Engenharia Mecânica, de Engenharia Eletrônica e de Engenharia da Computação.

Tal evolução:

1) inviabiliza a antiga prática, pela qual um único engenheiro de confiança do juiz podia assumir postura de consultor geral para questões técnicas, à guisa de enciclopédia técnica ambulante, capaz de responder a qualquer indagação do magistrado sobre fatos técnicos expostos nos autos de um processo;

2) é Inexorável, posto que é conseqüência da evolução do conhecimento humano e tende a ampliar-se, tanto pela especialização dos conhecimentos quanto em decorrência da crescente complexidade dos aparelhos e dispositivos de uso comum.

Por conseqüência, os ventos do progresso podem estar empurrando, por ora talvez despercebidamente, os nossos respeitáveis magistrados para o seguinte dilema: o que será preferível:

(I) substituir seus poucos consultores enciclopédicos do passado por multidões de novos “especialistas” denominados “peritos judiciais”;

(II) ou buscar, a cada nova demanda (em entidades públicas ou privadas de notório conhecimento técnico e de reputação ilibada), profissionais habilitados para enfrentar as peculiaridades técnicas de cada novo caso de responsabilidade civil por fato do produto?

Luís Filipe Gomes é advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados

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