Pedro Barbosa Pereira Neto
O exercício da crítica é algo fundamental numa democracia, notadamente quando direcionada àqueles que exercem parcela do poder estatal, como é o caso de membros do Ministério Público. A sociedade tem o direito de saber de que forma promotores e procuradores agem, e esses, de seu lado, têm que possuir espírito republicano para acolher a crítica e refletir.
No entanto, o artigo escrito pelo dr. Marcelo Mendroni, neste espaço, intitulado “O caso Maluf e a irresponsabilidade do Ministério Público Federal” não parece inspirado pela crítica republicana. Não me cabe procurar explicações para a fixação que o articulista tem com o caso “Maluf” e tão pouco externar minha avaliação pessoal sobre sua postura profissional no tempo em que atuou no caso.
Penso que aqueles que intervieram nos procedimentos criminais poderão fazer seu julgamento. Mas não é possível calar diante da forma como foi tratado o tema da retirada dos documentos suíços num dos processos criminais envolvendo o caso “Maluf”.
A questão envolvendo as provas suíças que culminou no julgamento de mandado de segurança, onde, Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a pedido do Ministério Público Federal, determinou a retirada de documentos que embasavam ação penal por crimes de lavagem de dinheiro e outros, foi fruto de uma profunda reflexão no âmbito do MP federal, que implicou na realização de diversos contatos com autoridades estrangeiras, na participação ativa do procurador-geral da República, bem como dos integrantes do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, do Ministério da Justiça, onde, ao fim e ao cabo de meses de negociação, chegou-se à conclusão de que a única maneira de se preservar a cooperação internacional com a Suíça –tanto no caso Maluf como em outros tantos que dependiam do concurso daquelas autoridades– seria a retirada dos documentos.
Isso porque, segundo as autoridades suíças, sua utilização estaria em descordo com o ordenamento jurídico daquele país. Obviamente que o MP federal sempre resistiu ao entendimento daquelas autoridades, porque acabava perpetuando a lógica de alguns paraísos fiscais de não colaborar em investigações que têm sua base na evasão de divisas e na sonegação fiscal, crimes esses que afetam mais diretamente países do terceiro mundo. É a clássica e contestável divisão que alguns paraísos fiscais fazem entre o dinheiro sujo e o dinheiro negro.
Ao contrário do que afirmou o articulista, o crime de evasão de divisas pode sim funcionar como crime antecedente na lavagem de dinheiro, uma vez que todos os crimes previstos na Lei 7.492/86 autorizam a lavagem, nos termos do artigo 1º, inc. VI, da Lei 9.613/98. O que se deu, e aqui não há espaço para uma maior justificação, é que as autoridades suíças se convenceram que uma das denúncias do caso “Maluf” estava baseada apenas na existência de dinheiro no exterior, o que não permitiria a cooperação internacional.
Desse modo, inviabilizada a insistência em demonstrar que a imputação formalizada com base nos documentos suíços era ampla e não abrangia apenas a evasão de divisas, houve por bem o MP federal pleitear a retirada dos documentos. E tal procedimento se deu justamente para não prejudicar outras cooperações internacionais com a Suíça, inclusive o próprio caso, que poderia sofrer contestação na Justiça.
Não é pois intelectualmente honesto procurar sustentar que o deslocamento da competência no início das investigações redundou, cinco anos depois, na retirada dos documentos. Não há relação entre uma coisa e outra. Ademais, omitiu o articulista que outras provas –advindas do Estados Unidos da América– permitiu o ajuizamento de ação criminal também por crime de corrupção e lavagem de dinheiro.
Também restou esquecido pelo promotor escriba que a súmula 122 do STJ estabelece, na esteira aliás de antiga jurisprudência, que havendo delitos de competência estadual e federal prevalece a jurisdição da Justiça Federal. Foi isso que fez o STJ ao reconhecer, no Conflito de Competência 32.861/SP, a competência da Justiça Federal para o caso, visto que os crimes estaduais estariam em relação de conexão com os federais, dado que a lavagem de dinheiro teve lugar no exterior. A competência da Justiça Federal não foi pois fixada para “satisfação de procuradores federais”, mas porque assim prescrevia a lei. E disso ninguém, nem mesmo o dr. Marcelo, pode dispor.
Cabe o registro, por fim, que a atuação do MP federal, na identificação, localização e acesso a registros bancários internacionais, contou com a estreita colaboração de promotores da Promotoria da Cidadania do Ministério Público Estadual, sendo que da parceria resultou no encaminhamento ao Brasil de dados bancários referentes aos seguintes países: Suíça, França, Estados Unidos e, recentemente, Ilhas Jersey, cujos documentos servem de base para a ação civil pública ajuizada perante a Justiça Estadual e ações criminais perante a Justiça Federal.
É sempre bom saber que se o caso estivesse sob os cuidados do aludido articulista já “estaria sentenciado”, quiçá –acrescento eu– com trânsito em julgado. De nossa parte, por não possuir tanto vaticínio, estamos satisfeitos com a missão que nos coube, de levar à Justiça provas da prática de crimes.