Autor: Emerson Souza Gomes
É contundente a questão da quitação geral do contrato de trabalho, concebida no parágrafo único do artigo 625-E. Nele prescreve o legislador que o termo de conciliação lavrado perante as Comissões tem natureza jurídica de título executivo extrajudicial guardando em si eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas.
Em tese, os litígios resolvidos perante as CCP’s, como também os acordos homologados no Ministério do Trabalho ou Sindicatos, ainda que sem ressalvas, não poderiam consubstanciar fato impeditivo à postulação de direitos do empregado, sendo facultado a este interpor a qualquer tempo a devida reclamatória na Justiça do Trabalho, diante da força do inciso XXXV do artigo 5º da Constituição, que tutela a inafastabilidade da jurisdição.
Sem prejuízo, no entanto, é sobremaneira oportuno apreciar o regramento sob o enfoque da doutrina civilista, para que se possa vislumbrar imediatamente a imperfeição da letra esculpida pelo legislador no parágrafo em voga.
De início, ressalte-se que os termos “conciliação” e “transação” não guardam sequer aparência. Se por um lado a “transação” compreende concessões recíprocas das partes para a extinção de determinado contencioso, a “conciliação” é mera fase procedimental na qual um pretenso litígio pode ser apaziguado por qualquer das formas de extinção de obrigações, inclusive a transação, ou, até mesmo, por via da desistência da ação pelo autor ou do reconhecimento do direito pelo réu.
Consoante o § 1° do artigo 625-D, cabe ao empregado formular a demanda a que pretende ver submetida à conciliação. Nos moldes da mais acadêmica processualística, prosperando a conciliação ou em eventual transação, o seu objeto terá por limite o contido na pretensão do empregado na referida demanda.
Por conseguinte, o efeito liberatório aludido poderá ser atribuído somente para aquelas verbas contidas no objeto da demanda conciliada ou transacionada e não, a todas aquelas decorrentes da relação de emprego.
Inteligência diversa, não menos que vexatória ao direito, fere a própria lógica dado que a incerteza quanto ao objeto conciliado ou transacionado haverá por perpétua.
Caminhando um pouco mais no estatuído, o legislador, desavisado, excetua da eficácia liberatória as verbas expressamente ressalvadas.
Excluindo-se desta apreciação princípios como o do valor social do trabalho, da igualdade, como também a natureza alimentar da contraprestação do labor, elementos que orientam uma Justiça do Trabalho protecionista, porém, imparcial, apegando-se unicamente ao direito privado, mesmo que não cumprido o condicionado, ou seja, a ressalva de alguma outra verba não honrada, impõe-se imaturo atribuir eficaz a quitação para prestações não contidas na demanda e, por conseguinte, não consignadas no termo.
Consoante a doutrina, quem paga tem direito à quitação regular sendo que a lei civil impõe os atributos para que seja reconhecida tal regularidade, precisamente no artigo 320 do Código Civil que preceitua: “A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante.”
Assim sendo, não poderá se ter por quitado qualquer verba exógena a demanda deduzida, posto inexistir no direito a “quitação cega” sendo esta, aquela firmada sem os requisitos da lei, podendo, no muito, a “quitação irregular” fazer por presumir o indébito do devedor, presunção, porém, que admite prova em contrário, não obstando o direito do empregado de aforar eventual reclamatória perante a Justiça do Trabalho.
Com o advento do Código Civil, a legislação submete ao prudente arbítrio do Juiz, validar a quitação irregular apreciando os seus termos ou as circunstâncias que a ensejaram, vez constar no parágrafo único do artigo 320 que “ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida”.
É de se notar que o termo de conciliação, conforme a legislação consolidada, tem natureza de título executivo extrajudicial, somente servindo como instrumento de quitação se expressamente constar no seu teor tal declaração por parte do empregado.
Portanto, se o empregado nada ressalvar, não existirá nem mesmo quitação irregular o que prejudica a apreciação do termo para efeito de se verificar a quitação de verbas não deduzidas na demanda.
Outrossim, no que compete às circunstâncias, deduz-se que o trabalhador, ao firmar acordo perante a CCP, não deu por quitado outro haver senão o expressamente contido no termo, principalmente pelo fato de não ser estranho única e exclusivamente a avença emprazar o pagamento da verba propugnada não havendo quitação nem quanto a esta.
Concluindo, o termo de conciliação lavrado perante as Comissões de Conciliação Prévia tem natureza de titulo executivo extrajudicial, não servindo desta forma como instrumento de quitação, salvo quanto expressamente constar no seu teor tal declaração.
Por conseguinte, a nova legislação civil quando submete ao prudente arbítrio do Juiz verificar a validade da quitação, somente é aplicável quando se configurar no termo de conciliação uma ”quitação irregular”, não sendo entendida como tal, a falta de ressalva de algum direito.
Por fim, a eficácia liberatória geral atribuída aos termos de conciliação lavrados perante as CCP’s, em função da total falta de desvelo legislativo, destoa do doutrina em sua amplitude, compromete a ordem social, fragiliza ainda mais a classe operária, devendo ser exumada imediatamente do ordenamento jurídico.
Autor: Emerson Souza Gomes
Advogado trabalhista em Joinville (SC), membro da Associação Brasileira de Advogados Trabalhista – ABRAT e da Associação Catarinense de Advogados Trabalhista – ACAT.