O concurso público como princípio constitucional e a promoção interna para cargos organizados em carreira
Dênerson Dias Rosa
Durante a época do Brasil Império, o desempenho de funções públicas dava-se por meio de delegação, direta ou indireta, do Imperador. Tinha-se tão-somente o exercício de cargos sob a modalidade “em confiança”, podendo o Imperador admitir ou exonerar funcionários públicos quando julgasse conveniente.
Esta situação fundamentava-se na presunção de que a vontade do Imperador confundia-se com a vontade do próprio Estado e, conseqüentemente, com a vontade e interesse coletivo. Todavia, já assegurava a Constituição Política do Império do Brasil, em seu art. 179, XIV, que “todo o cidadão pode ser admittido aos Cargos Publicos Civis, Politicos ou Militares, sem outra differença, que não seja a dos seus talentos, e virtudes.”
Quando da proclamação da República, e da promulgação de nova Carta Constitucional, em 1891, foi mantido o sistema discricionário de contratação e exoneração de servidores públicos dispondo, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil, em seu art. 73, que “os cargos publicos, civis ou militares, são accessiveis a todos os brazileiros, observadas as condições de capacidade especial, que a lei estatuir, sendo, porém, vedadas as accumulações remuneradas.”
Com a Revolução Constitucionalista de 1932, Getúlio Vargas, que quando do Golpe do Estado Novo havia dissolvido o parlamento, convocou Assembléia Nacional Constituinte que votou e promulgou, em 1934, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil que, em seu art. 170, 2º, abaixo transcrito, estabeleceu a utilização de mecanismo imparcial para o provimento de cargos públicos. Nascia neste momento o concurso público no ordenamento jurídico brasileiro.
“Art. 170. O Poder Legislativo votará o Estatuto dos Funccionarios Publicos, obedecendo ás seguintes normas, desde já em vigor:
omissis
2º, a primeira investidura nos postos de carreira das repartições administrativas, e nos demais que a lei determinar, effectuar-se-á depois de exame de sanidade e concurso de provas ou títulos.”
O concurso público surgiu, no direito brasileiro, aplicável a situações específicas para as quais houvesse exigência legal e para os cargos organizados em carreira, sendo exigível, em relação a estes, tão somente para o provimento no cargo inicial da carreira, visto que para os demais cargos componentes da carreira o provimento dava-se por meio de sucessivas promoções.
Quando o legislador constituinte estabeleceu a exigência de concurso público para provimento de cargos públicos, e ressalvou os provimentos derivados em caso de cargos organizados em carreira, o fez por reconhecer que a hierarquia administrativa exige escalonamento das funções para aprimoramento do serviço e estímulo aos servidores públicos, tendo sido por isto mantido o instituto da promoção como forma de provimento para cargos de carreira, resguardando-se o provimento no cargo inicial, a ser realizado sempre por meio de concurso público.
Em 1937, quando da promulgação da nova Constituição dos Estados Unidos do Brasil, foi mantido, pelo art. 156, a, abaixo transcrito, o instituto do concurso público em relação a cargos de carreira, o que também ocorreu em relação à Constituição dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 1946, por meio de seu art. 186, abaixo transcrito.
“Art. 156. O Poder Legislativo organizará o Estatuto dos Funcionários Públicos, obedecendo aos seguintes preceitos desde já em vigor:
omissis
b) a primeira investidura nos cargos de carreira far-se-á mediante concurso de provas ou de títulos;”
“Art. 186. A primeira investidura em cargo de carreira e em outros que a lei determinar efetuar-se-á mediante concurso, precedendo inspeção de saúde.”
Foi somente com a promulgação, em 1967, da Constituição do Brasil, artigo 95, abaixo transcrito, que o concurso público passou a ser obrigatório para o provimento de todos os cargos públicos, excetuando-se os cargos em comissão.
“Art. 95. Os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros, preenchidos os requisitos que a lei estabelecer.
§1º A nomeação para cargo público exige aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos.
§2º Prescinde de concurso a nomeação para cargos em comissão, declarados em lei, de livre nomeação e exoneração.”
Todavia, como a exigência de concurso público para provimento de todo cargo público inviabilizou a organização, necessária em diversos casos, de cargos em carreira, a Constituição de 1969, por meio de seu art. 97, abaixo transcrito, retornou a questão ao molde anterior, qual seja, a necessidade de que a investidura em cargo público fosse antecedida de concurso público como sendo aplicável tão somente em relação à primeira investidura, ou seja, dispensando claramente concurso público no tocante a provimentos derivados.
“Art. 97. Os cargos públicos serão acessíveis a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei
§1º. A primeira investidura em cargo público dependerá de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, salvo os casos indicados em lei.
§2º. Prescindirá de concurso público a nomeação para cargos em comissão, declarados em lei, de livre nomeação e exoneração.”
Quando do recente retorno do Brasil a um regime democrático, uma das primeiras providências adotadas foi a de convocar-se Assembléia Nacional Constituinte, de modo a que pudesse ser desvencilhar-se o país das excrescências herdadas do regime militar.
Reconhecendo que havia se tornado em um mero mecanismo de “apadrinhamento” a possibilidade existente, na Constituição anterior, de que por lei fossem criados cargos efetivos para os quais a figura do concurso público seria dispensável, o legislador constituinte fez constar no corpo da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, o art. 37, II, abaixo transcrito, que exige a aprovação em concurso público para a investidura em cargo ou emprego público.
“Art. 37. A administração pública federal direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei;
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”
Diversos foram os que defenderam que o art. 37, II, da Constituição Federal impossibilitava qualquer forma de progressão funcional, todavia, dirimindo qualquer dúvida, promulgou-se, em 1998, a Emenda Constitucional nº 19 que, dando nova redação ao art. 39 da Constituição Federal, abaixo transcrito, expressamente previu a possibilidade de que cargos correlatos fossem organizados em carreira, com requisitos estabelecidos em lei para a promoção entre eles, sendo um dos requisitos obrigatórios a participação em cursos de formação e aperfeiçoamento.
“Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.
§ 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará:
I – a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;
II – os requisitos para a investidura;
III – as peculiaridades dos cargos.
§2º A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados.”
Todavia, mesmo antes da própria Emenda Constitucional nº 19, chamado o Supremo Tribunal Federal a se manifestar, esclareceu este que a vedação constitucional não era impeditivo a que fossem os cargos organizados em carreira, ou seja, o que a Constituição havia vedado, além do ingresso sem concurso público, era a passagem de servidores ocupantes de determinados cargos para outros cargos integrantes de carreiras diversas.
Neste sentido transcreve-se julgados do STF.
EMENTA: “Ação Direta de Inconstitucionalidade. Ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocante a cargos ou empregos públicos. – O critério do mérito aferível por concurso publico de provas ou de provas e títulos e, no atual sistema constitucional, ressalvados os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, indispensável para cargo ou emprego publico isolado ou em carreira. para o isolado, em qualquer hipótese; para o em carreira, para o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas títulos, não o sendo, porem, para os cargos subseqüentes que nela se escalonam ate o final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento que e a “promoção”. Estão, pois, banidas das formas de investidura admitidas pela constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, e que não são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que sucede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados. – o inciso II do artigo 37 da Constituição Federal também não permite o “aproveitamento”, uma vez que, nesse caso, ha igualmente o ingresso em outra carreira sem o concurso exigido pelo mencionado dispositivo. Ação Direta de Inconstitucionalidade que se julga procedente para declarar inconstitucionais os artigos 77 e 80 do ato das disposições constitucionais transitórias do Estado do Rio de Janeiro.”
(STF. Tribunal Pleno. ADI-231 / RJ. Rel. Min. Moreira Alves. DJ. 13.11.92)
EMENTA: – “Relevância jurídica da argüição de inconstitucionalidade, perante o art. 37, II, da Carta Federal, da previsão de provimento derivado, a título de ascensão funcional, quando impropriamente considerada, como integrada, na mesma carreira, a série de cargos superiores, a ser preenchida com preterição da exigência de concurso público. Medida cautelar deferida.”
(STF. Tribunal Pleno. ADIMC-1345 / ES. Rel. Min. Octavio Gallotti. DJ. 20.09.95)
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINAR: EXIGÊNCIA DE DEFESA DO ATO OU TEXTO IMPUGNADO PELO ADVOGADO GERAL DA UNIÃO. PROVIMENTO DE CARGOS DE CARREIRA DE PROCURADOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA SEM CONCURSO PÚBLICO, ART. 68 DO A.D.C.T. DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 1. Preliminar: A Constituição exige que o Advogado Geral da União, ou quem desempenha tais funções, faça a defesa do ato impugnado em ação direta de inconstitucionalidade. Inadmissibilidade de ataque à norma por quem está no exercício das funções previstas no § 3º do art. 103. 2. O art. 68 do A.D.C.T. fluminense, reportando-se ao § 1º do art. 121 das disposições permanentes e ao art. 11 da Lei. nº 1.279/88, o qual alterou o art. 18 da Lei nº 804/84, determina, de forma enigmática, o “aproveitamento” de ocupantes de cargo de Assistente Jurídico na carreira de Procurador da Assembléia Legislativa. O § 1º do art. 97 da Carta de 1969 exigia concurso público para a “primeira investidura” no serviço público, e não para cargo inicial de carreira, além de ressalvar outros casos indicados em lei; permitia, pois, o provimento derivado de cargos públicos pelo acesso, transferência, aproveitamento e progressão funcional. Precedente: Repr. nº 1.163-PI. O art. 37, II, da Constituição exige concurso público para investidura em qualquer cargo público, salvo para os cargos em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração e para os cargos subseqüentes da carreira, cuja investidura se faz pela forma de provimento denominada “promoção”. Não permite, pois, o provimento por ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento de servidor em cargos ou empregos públicos de outra carreira, diversa daquela para a qual prestou concurso público. Precedente: ADIN nº 231-RJ. 3. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade e a conseqüente ineficácia do art. 68 do A.D.C.T., desde a promulgação da Constituição fluminense.”
(STF. Tribunal Pleno. ADI-242 / RJ. Votação unânime. Rel. Min. Paulo Brossard. DJ. 23.03.01)
Esclarecedor o voto do Excelentíssimo Ministro Relator Paulo Brossard, o qual se transcreve parcialmente.
“O art. 37, II, da Constituição Federal determina que ‘a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.’ Aqui se manifestou a preocupação moralizadora do Constituinte de 1988 ao fechar duas comportas: o entendimento de que a exigência do concurso era apenas para a primeira investidura em cargo público e as exceções que a lei poderia prever.
Neste sentido já se manifestou esta Corte de julgamento nas ADIns. nº 231-RJ, RTJ 144-24, e 245/RJ, RTJ 143/391, relatadas pelo Min. Moreira Alves, que se estendeu por um ano, de 08.08.91 a 05.08.92, estando assim a primeira ementada, in verbis:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocante a cargos e empregos públicos.
O critério de mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos é, no atual sistema constitucional, ressalvados os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, indispensável para o cargo ou emprego público isolado ou em carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese, para o em carreira, para o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas e títulos, não o sendo, porém, para os cargos subseqüentes que nela se escalonam até o final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento que é a ‘promoção’.
Estão, pois, banidas as formas de investidura admitidas pela Constituição, a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, e que não são, por isto mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que ocorre com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados.
O inciso II do artigo 37 da Constituição Federal não permite o ‘aproveitamento’, uma vez que, neste caso, há igualmente o ingresso em outra carreira sem o concurso público exigido pelo mencionado dispositivo.
Ação direta julgada procedente…”
Como a quaestio juris é a mesma, nada tenho a acrescentar ao que já ficou decidido nos precedentes do plenário, aos quais me reporto.” (grifos inexistentes no texto original)
Contudo, para verificar-se a compatibilidade da promoção com o ordenamento constitucional, antes de mais nada, é importante definir-se o intuito do legislador constituinte quando prescreveu, no art. 37, II, da Constituição Federal , que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.
Nada mais esclarecedor desta vontade (do legislador constituinte originário) do que a justificativa apresentada em 11.07.88 na Emenda Supressiva 2T00736-1.
“Suprima-se, no artigo 38, II, a expressão ‘primeira’.
JUSTIFICATIVA
O texto, da forma como se encontra redigido, permite o ingresso no serviço público através de um concurso público para carreiras cujas exigências de qualificação profissional sejam mínimas como mero trampolim para, por mecanismos internos muitas vezes escusos, se atingir cargos mais especializados.
Da mesma forma, por este dispositivo, nada impede que alguém ingresse no serviço público em um órgão ‘X’, onde não há grande concorrência, e isso sirva como justificativa para admissão em outro órgão sem qualquer concurso.”
Quando da confecção do atual texto constitucional, inicialmente deu-se ao ora art. 37, II, redação ligeiramente diversa do que foi aprovada no texto final. Previa-se, na redação inicialmente aprovada pelas diversas Comissões parlamentares do Congresso Nacional, que “a PRIMEIRA investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.
Quando o legislador constituinte decidiu estatuir que a investidura em cargos públicos depende de aprovação prévia em concurso público, não pretendeu este extinguir o mecanismo de promoção como crescimento funcional dentro de uma carreira, mas, como perfeitamente aclarado na Emenda Supressiva 2T00736-1, simplesmente impedir que pudessem, no serviço público, ocorrer situações de servidores, concursados para cargos de determinadas carreiras, sendo realocados para cargos integrantes de outras carreiras. Buscou o legislador constituinte impedir que houvesse a possibilidade de servidores serem admitidos para carreiras com mínimas exigências profissionais e depois aproveitados em cargos especializados.
Para dirimir ainda qualquer possibilidade de controvérsia, importante frisar que o legislador constituinte não quis acabar com a carreira, mas sim, tal como consta da Emenda Supressiva 2T00736-1, garantir que o servidor aprovado em concurso público para determinada carreira pudesse ser promovido apenas dentro desta carreira. Claramente exposto que se fundamentou este em que “O texto, da forma como se encontra redigido, permite o ingresso no serviço público através de um concurso público para carreiras cujas exigências de qualificação profissional sejam mínimas como mero trampolim para, por mecanismos internos muitas vezes escusos, se atingir cargos mais especializados”. (grifos inexistentes no texto original)
O Ministro Moreira Alves, Relator da ADI-231/RJ, em seu voto sustenta que “O elemento histórico indica que a intenção da retirada do adjetivo ‘primeira’ foi impedir práticas abusivas, feitas por vias de provimentos derivados como a ascensão e a transferência, com base no dispositivo maleável contido no §1º do artigo 97 da Emenda Constitucional nº 1/69. E, com essa supressão, alterou-se, de modo profundo a exigência de concurso público para a investidura em cargos públicos. O inciso II do artigo 37 da Constituição não mais apresenta os dois fatores de afrouxamento do moralizante princípio administrativo da necessidade de concurso público para o provimento de cargos públicos que se encontravam na Emenda Constitucional nº 1/69: a referência à PRIMEIRA investidura em cargo público e a possibilidade de a lei estabelecer exceções à exigência de concurso público para esta primeira investidura.
…Mas, para que não se pretenda levar ao extremo a necessidade de concurso público para qualquer cargo ou emprego público em qualquer circunstância, a própria Constituição abre exceções a formas de provimento derivado que expressamente admite. …Para que não se pretenda que é incompatível com a exigência de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público a promoção (provimento também derivado), pois esta pressupõe uma carreira que é formada por uma série de cargos iniciais iguais, escalonando-se em séries de cargos intermediários ascendentes até alcançar-se a série de cargos finais que é o último elo desta cadeia ascendente, e, se poderia sustentar que a ascensão de um cargo de carreira para o imediatamente superior nela seria também uma investidura em cargo público a exigir novo concurso, em diversos dispositivos a atual Constituição alude a cargos de carreira “e a promoção”, inclusive por merecimento, em oposição à antiguidade. Aliás, a Constituição, quando se refere a carreiras específicas do Poder Executivo (e, portanto, de servidores públicos sem peculiaridades que os diferenciem, nesse particular, dos demais servidores públicos em geral) – assim a dos Advogados da União e a dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal – , friza que esses servidores serão organizados em carreira, sendo que o ingresso na classe inicial dependerá de concurso público de provas e títulos (art. 131 e 132.)
O critério do mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos é, portanto, no atual sistema constitucional, ressalvados os cargos em comissão declarados por lei de livre nomeação e exoneração, indispensável para o provimento de cargo ou emprego público isolado ou de carreira. Para o isolado, em qualquer situação, para o em carreira, para o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou provas e títulos, não o sendo, porém, para os cargos subseqüentes que nela se escalonam até o final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento que é a ‘promoção’.
Estão, pois, banidas das formas de investidura admitidas pela Constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, e que não são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que se sucede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados.”
Importante ressaltar os doutos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo quem “… a exigência de formas de provimento derivadas, de modo algum significa abertura para costear-se o sentido próprio do concurso público. Como este é sempre específico, para dado cargo, inserto em carreira certa, quem nele se investiu não pode depois, sem novo concurso público, ser transladado para cargo de carreira diversa ou de outra carreira melhor redistribuída ou de encargos mais nobres ou elevados.
O nefando expediente a que se alude foi algumas vezes adotado, no passado, sob a escusa de corrigir-se desvio de funções ou com arrimo na nomeclatura esdrúxula de ‘transposição de cargos’. Corresponde a uma burla manifesta do concurso público. É o que permite que candidatos singelos, destinados a cargos de modesta expressão – e que se qualificaram tão-somente para eles – venham a ascender, depois de aí investidos, a cargos outros, para cujo ingresso se demandaria sucesso em concursos de dificuldades muito maiores, disputados por concorrentes de qualificações bem mais elevadas.”
Ou seja, tal com reiteradamente decidido pelo Supremo Tribunal Federal, inequívoco que se apresenta, o instituto da promoção como forma de provimento dos demais cargos integrantes de uma carreira, perfeitamente compatível com o ordenamento constitucional estatuído pela Constituição de 1988.
O que não se apresenta constitucionalmente cabível é, a pretexto de promoção, prover-se cargos não integrantes da mesma carreira sem concurso, em burla ao instituto constitucional insculpido no artigo 37, II, da Constituição Federal.
Dênerson Dias Rosa, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda de Goiás é consultor tributário da Tibúrcio, Peña & Associados S/C.
BIBLIOGRAFIA:
Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra “Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta”, RT, 1990, p.45.