O dano moral no direito de família

O direito de família não contempla regra específica para reparação dos danos ocasionados na esfera familiar, sendo que a doutrina e a jurisprudência vêm disciplinando o assunto, mediante aplicação da regra inserta no artigo 186 do Código Civil.

No campo da responsabilidade civil, a família nunca recebeu tratamento específico, uma vez que a lei infraconstitucional responsável pela normatização do direito de família não avançou no tema, permanecendo arcaica em diversos pontos, englobando princípios abarcados pelo antigo Código Civil.

Resultado: a lei civil vigente não evoluiu positivamente no que concerne ao direito de família, principalmente no que diz respeito à aplicação do dano moral no âmbito familiar.

O direito de família no que se refere às relações conjugais sempre foi analisado sob o aspecto da culpa na ruptura da relação conjugal, atribuindo-se ao cônjuge faltoso punições de natureza material, como o dever de prestar alimentos ao cônjuge inocente e, ainda, sanções relativas à perda da guarda dos filhos, ou no caso da esposa, interessada ao direito do uso do nome do marido.

Entrementes, é notório que aludidas sanções impostas por ocasião da violação dos deveres conjugais não são e nunca foram suficientes para inibirem novas práticas que importem em violação aos deveres matrimoniais, ou seja, as sanções preconizadas pela legislação vigente não representam formas efetivas de punição que inibiam a prática de condutas desonrosas, de forma que mesmo antes do novo Código Civil, a jurisprudência e doutrina já preocupavam-se com o assunto.

Entretanto, sob outro enfoque, uma vez que no século XXI a concepção da ordem jurídica vigente nos reporta a uma revolução de antigos conceitos retrógrados e patriarcais, eis que o novo ordenamento constitucional consagra princípios fundamentais, tais como da igualdade e da dignidade humana, elevando a importância dos direitos inerentes ao ser humano, denominados direitos personalíssimos.

Destarte, sob o prisma dos direitos personalíssimos a doutrina e jurisprudência repousam seus argumentos, reforçados pelo princípio maior da dignidade da pessoa humana, que certamente deve ser respeitada em todas as relações sociais e com maior ênfase nas relações familiares, tendo em vista que a família é o alicerce da sociedade.

Desta feita, no que diz respeito às questões relacionadas ao direito de família constata-se que os operadores do direito devem buscar adaptações consagradas pelas reformas sociais das últimas décadas, as quais pregam a igualdade e a total observância à dignidade da pessoa humana, assim como buscar respaldo na doutrina e jurisprudência estrangeiras, objetivando, com isso, modificar a atual concepção vigente acerca da aplicação do dano moral no âmbito do direito de família.

A tendência de nossos tribunais ainda revela-se tímida no que concerne à aplicação de ressarcimento por danos morais na esfera das relações familiares, mormente no que tange as relações conjugais e as advindas da união estável, relativamente às violações graves aos deveres inerentes aos cônjuges ou companheiros, que reputem, outrossim, em graves lesões aos direitos personalíssimos.

Todavia, é notório que o dano moral deve ser oriundo de uma conduta que ocasione a vítima sofrimento profundo, dor moral no sentido mais amplo, oriundo da prática de atos considerados inadmissíveis, cujo rol pode ser inesgotável, pois na atualidade são inúmeras as situações que podem ensejar o dano moral no âmbito do direito de família, e não somente na esfera das relações conjugais, mas também no tocante estado de filiação, como exemplo, nos casos de abandono material, intelectual e moral do filho, e ainda, na negativa de reconhecimento da filiação

Por certo, a caracterização do dano moral sob a ótica das relações conjugais depende de uma conduta reprovável revestida de ilicitude, que ocasione a um dos cônjuges, sofrimento profundo, assim considerada verdadeira dor moral, ou seja, situações normalmente relacionadas a quebra dos deveres conjugais, eis que a simples ruptura do liame conjugal, via separação ou divórcio direto consensuais, sem causa culposa, não obstante, ocasionar sofrimento as partes, não caracteriza o dano moral.

As situações que normalmente implicam na reparação dos danos morais podem resultar conseqüências ainda mais graves, do que apenas o rompimento do dever conjugal, principalmente pelo fato de gerar violação aos direitos relativos a personalidade do ofendido, isto é, a vida, a honra, a imagem, a liberdade, ao nome, além de outros, porquanto, o que está em pauta não é apenas a violação ao direito personalíssimo, mas principalmente ao princípio maior da dignidade da pessoa humana.

A discriminação econômica que existe entre homens e mulheres é uma das causas que mais reflete no âmbito das relações familiares, trazendo conseqüências desastrosas, uma vez que muitos homens se valem desta diferença sócio-econômica para constranger, humilhar e violentar física e psicologicamente esposa ou companheira, utilizando o artifício econômico, para mantê-las sob o mesmo teto, não obstante viverem uma relação desgastada e sem amor.

É evidente que muitas mulheres vivendo situações análogas de constrangimento e humilhação, permanecem convivendo com o homem que as agride fisicamente ou psicologicamente, dada a precária situação econômica que vivem, bem como o fato de não reunirem condições de sobreviverem sem a ajuda financeira do marido ou companheiro que ostenta poder econômico.

Desta feita, é inequívoco que em matéria de dano moral, no campo do direito de família, os advogados devem preambularmente buscar respaldo na própria Constituição Federal, mas precisamente nos princípios que prestigiam a dignidade da pessoa humana, bem como na norma que delega ao estado a proteção da família, tendo em vista que esta é a base da sociedade, e como tal, deve ser tratada.

Posto isto, constata-se que a tendência é considerar o elemento culpa como fator de atribuição de sanção no âmbito do direito das obrigações, e não como elemento que enseja a ruptura do casamento, pois na esfera do direito de família pouco deve importar a existência ou não da culpa para decretação da dissolução da sociedade conjugal, pois o que se deve levar em consideração é a impossibilidade do restabelecimento conjugal e a vontade das partes.

Ademais, a culpa terá papel fundamental como embasador de eventual pedido de ressarcimento por danos morais ocasionados por um dos cônjuges, em decorrência da violação de deveres conjugais que ocasionem lesão aos direitos inerentes à personalidade dos cônjuges.

Em suma, neste século a concepção da família, sob todos os ângulos, almeja novos rumos, frente aos princípios que norteiam nossa Constituição Federal, tais como, da igualmente e da dignidade da pessoa humana.

Porquanto, não se denota justo continuarmos vivendo sob o manto da desigualdade entre homens e mulheres, ou ainda, agasalhados por normas retrógradas que não representam a realidade social, quando temos a nosso favor princípios constitucionais fundamentais que podem e devem pautar as ações de caráter indenizatório, principalmente no campo do direito de família, ainda que tenhamos que nos socorrer da analogia, dos princípios gerais do direito, das legislações e jurisprudências alienígenas, ou ainda de doutrinas nacionais ou estrangeiras que tratam sobre o assunto com total propriedade.

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Ana Paula Pinto da Silva é advogada, pós-graduada em direito civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e associada ao Rocha, Calderon e Advogados, além de integrante do Ipojur (Instituto de Estudos e Ciências Políticas, Jurídicas)

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