O Desafio da Justiça

“A Paz é fruto da Justiça”
“Desenvolvimento é o novo nome da Paz”

Levi Quaresma

Cabe-me a grande honra e bem maior responsabilidade de transmitir-lhes uma mensagem. É a mensagem dos bacharelandos de 1968, Turma Gastão Graça da Faculdade de Direito de Campos.
Esta responsabilidade não seria grande se me limitasse, tão-somente, a retratar para os senhores o entre-choque de emoções que nos traz este momento tão grato. Dir-lhes-ia de nossa satisfação ao concluir os 5 anos da Faculdade, complemento dos outros 12 anos anteriores do primário, ginásio e colégio. Falar-lhes-ia de nossa gratidão aos genitores e Mestres pelo devotamento com que nos transmitiram as luzes do Amor e do Saber. Patentear-lhes-ia, com as blandícies e melifluidades propícias da ocasião, o desvanecimento por termos alcançado o privilégio que é, em nosso país, como nos demais, a conclusão de um curso de nível superior. E pronto. Estaria terminada a missão do que Nelson Rodrigues chamaria a missão do “óbvio ululante”…

Nossa perspectiva, porém, não se esgota aí. Alternando nestes últimos cinco anos as atribulações dos nossos labores profissionais com as canseiras do estudo escolar, abriram-se para nós amplas janelas espirituais que nos permitem uma visão integrada do momento histórico que vivemos. Enquanto festejamos aqui momentos de júbilo e gáudio, há, lá fora, toda uma realidade existencial; num espaço que não é só este espaço e nuns instantes que não são só estes instantes. Realidade dinâmica que extravaza os estáticos limites destas quatro paredes e se projeta na corrida para o amanhã.

Foi nos meados do século XVIII, com a descoberta da máquina, após lento e milenar acumular-se de conhecimentos científicos sobre a natureza da matéria, que o homem conseguiu domar e canalizar para o seu próprio proveito as energias da matéria, num movimento que passou à História com o nome de Revolução Industrial. Hoje, neste virar decisivo do século XX, igualmente após paciente acumular-se de conhecimentos científicos sobre a própria Sociedade, a Humanidade vai vislumbrando, pela primeira vez na História, nova e concreta perspectiva – a de capturar as próprias forças sociais e canalizá-las a serviço de um desenvolvimento acelerado, equilibrado e integral.

É a Humanidade inteira a sacudir o jugo do Subdesenvolvimento. É o atualíssimo fenômeno do planejamento econômico e da programação social. É a problemática do Desenvolvimento que vai tomando de assalto toda a Humanidade, numa nova tomada de consciência de que não deve mais sofrer passivamente o processo histórico como um jogo de forças cegas e incontroláveis. Pelo contrário, já lhe é possível dirigir o leito da História, construindo e autodeterminando, conscientemente, o próprio destino.

Essa nova maneira de encarar o futuro, aliás, vem assumindo, ultimamente, foros de verdadeira perquirição científica, fugindo, já, do campo da mera especulação adivinha, para inserir-se num processo de opção entre “futuros alternativos”, conforme expressão de DANIEL BELL, da Universidade de Colúmbia, Presidente da Comissão Para o Ano 2.000, da Academia Americana de Artes e Ciências, na Introdução do momentoso livro “O Ano 2.000”, de Herman Kahn e Anthony Wiener. São esses “futuros alternativos” que, cientificamente identificáveis e já facilmente projetáveis, são cada vez mais humanamente manipuláveis, formando campo específico de disciplina autônoma, a que ROBERTO DE OLIVEIRA CAMPOS, no Prefácio da tradução brasileira da obra citada, chama “a nova ciência da prospecção”.

Pois bem, Senhores. É dentro desse contexto desenvolvimentista em que as nações subdesenvolvidas procuram acompanhar o rasto das nações desenvolvidas, e estas, por sua vez, digladiam-se entre si, em disputa mais acentuadamente tecnológica que propriamente ideológica, dentro desse contexto de Desenvolvimento, Senhores, é que se engaja a colação de grau de mais uma turma de bacharelandos de Direito.

Sabemos do pessimismo e descrédito com que muitos acolhem a formatura de novos advogados. Precisamos é de técnicos, não de bacharéis, dizem. Abaixo a cultura humanística e viva a Tecnologia, bradam.

Mais que nunca oportunas, pois se apresentam as judiciosas observações do Professor CARVALHO PINTO de que “o ensino humanístico cuja fina flor são as disciplinas jurídicas – foi não apenas necessário, mas exigido mesmo por aquele Brasil inteiramente desprovido de industrialização, que não poderia, por certo, menosprezar a função das ciências jurídicas e sociais na preservação dos valores básicos de sua civilização e na defesa de uma unidade política que constitui um dos maiores patrimônios da nacionalidade”.

Nos Estados Unidos, segundo nos informa SUZANNE KELLER (O Destino das Elites, pág.321), os advogados são tidos em alto apreço. Segundo DE TOCQUEVILLE, em 1832, por que eram eles uma necessária força de equilíbrio para a Democracia que acabava de ser implantada. Mais recentemente, HAROLD LASKI atribuiu o alto apreço em que são tidos os advogados à “gratidão pelos serviços prestados pelos advogados na defesa da causa norte-americana na Revolução e à necessidade crescente de seus serviços, com a expansão da indústria e do comércio, depois de conquistada a independência”.

E a própria SUZANNE KELLER arremata: “O duplo papel desempenhado pelos advogados em uma sociedade que se transforma com rapidez explica muito bem sua importância pública. Não somente devem eles manter-se informados acerca do passado – pois isso é uma contingência do conhecimento das leis – como também devem estar a par das condições cambiantes – pois é exatamente isso que deles se requer no exercício de sua profissão. Em uma sociedade dinâmica, portanto, os advogados são, ao mesmo tempo guardiões da velha ordem e criadores da nova ordem”.

Não há pois, Senhores, qualquer antagonismo entre Desenvolvimento e Direito. Entre Tecnologia e Justiça. Entre o engenheiro e o bacharel. O Desenvolvimento, nas lapidares expressões da POPULORUM PROGRESSIO, “não se reduz a um simples crescimento econômico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo, como justa e vincadamente sublinhou um eminente especialista – não aceitamos que o econômico se separe do humano; nem o desenvolvimento, das civilizações em que ele se inclui. O que conta para nós é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira”.

Aqui está Senhores, precisamente, a dignificante missão do Advogado – trabalhar no pré-requisito do Desenvolvimento – A Seara da Justiça. Pois se o “Desenvolvimento é o novo nome da Paz”, como acentuou o próprio Papa Paulo VI, não é menos verdade que a “A Paz é fruto da Justiça”, como gostava de repetir o Papa Pio XII.

Justiça para a Paz e Paz para o Desenvolvimento – eis a mensagem dos bacharelandos de 1968. Desenvolvimento que é o nome novo da Paz. E Paz para cujo alcance dois caminhos se nos apresentam. Um é o caminho do “Se vis pacem, para bellum”, isto é o caminho do “Se queres a Paz prepara-te para a guerra”. Este é o caminho dos iníquos. O outro, é o caminho da Justiça, o caminho dos cristãos, que conduz à Paz real. Não uma Paz precária conseqüência de eventual equilíbrio de forças proporcionado pela tecnologia, mas uma Paz duradoura, porque fruto da justiça.

Agora, perguntar-me-ão os Senhores: Se a Justiça traz a Paz e a Paz o Desenvolvimento, por que não se consegue assim um efetivo Desenvolvimento, a despeito das inúmeras turmas de bacharéis de Direito que, anualmente, saem de nossas Faculdades?

Não posso dar resposta específica a esta pergunta, mas espero apresentar-lhes, em conclusão, quatro dados que possivelmente apontarão a resposta.

O primeiro dado é que tem-se preocupado demasiadamente com a “produção”, em detrimento da “distribuição” da Justiça. É realmente impressionante o número dos que necessitam, cada vez mais, de assistência jurídica, ainda que não se dêem conta disso. Se é que podemos aplicar “a linguagem econômica” ao fenômeno, diríamos que a “produção” de novos advogados não vem sendo acompanhada da “conquista de novos mercados”…

O segundo dado, conexo, talvez, com o primeiro, é que as mais avançadas técnicas educacionais não têm encontrado a guarida que seria de se desejar nas nossas Faculdades de Direito. Em época em que o entrosamento ESCOLA x EMPRESA é apontado como a verdadeira solução universitária para o problema da qualificação da mão-de-obra nacional, torna-se desanimadora a constatação do tremendo hiato existente entre as Faculdades – no que toca ao ensino ministrado – e a Comunidade. Concluído o curso, se lhe aparece algum constituinte, necessitando, vg, de sua assistência na Vara Criminal, ver-se-á o bacharel diante de uma nova experiência, talvez nunca dantes vivida, se é que não teve a ventura de participar dos atraentes júris simulados que, ao contrário do que muita gente pensa, não é atividade curricular, mas dos Diretórios Acadêmicos! Nesse sentido, quantos benefícios não seriam hauridos a favor da Causa da Justiça, com a disseminação das Clínicas Jurídicas que tanta voga alcançaram nas Faculdades dos Estados Unidos da América do Norte.

O terceiro dado refere-se à máquina da Justiça, tradicionalmente refratária a mudança e absorção das novas técnicas modernas. Toda a Empresa se mobiliza na pesquisa de novas rotinas de trabalho e novos métodos de dinâmica operacional, numa busca constante da maximização do lucro e minimização do prejuízo. Até mesmo entidades estatais parecem sensíveis a esse novo surto, como é o caso da recente transformação do tradicional Departamento de Correios e Telégrafos em Empresa. A máquina da Justiça, porém, parece alheia aos formidáveis veículos de comunicação de massa e telecomunicações, como ao advento da era da automação, no século que descobriu o computador.

Finalmente, queremos referir-nos às distorções de entendimento dos leigos, sobre o verdadeiro papel dos advogados. Certos setores parecem ignorar completamente a verdade clara de que o advogado não julga, o advogado advoga. E as críticas, os achincalhes e os apodos que tentam jogar sobre a classe, não percebem dirigirem-se, em última análise, ao julgador, seja ele de direito, como o Magistrado togado, seja ele de fato, como o componente do Tribunal do Júri.

Estes são, Senhores, alguns dados da Realidade onde militaremos. E ao partirmos para o nosso campo de trabalho, para a Seara da Justiça que frutifica a Paz e Paz cujo novo nome é Desenvolvimento, fazemos nossas, como esperamos que os Senhores façam suas, as palavras de FRANK BORMAN, ao realizar a terceira volta ao redor da lua, na histórica viagem de dezembro último: – “Dai-nos, ó Deus, a visão que pode enxergar o vosso amor no mundo, a despeito dos fracassos dos homens. Dai-nos a fé, para entregarmo-nos à vossa vontade, apesar da nossa ignorância e da nossa fraqueza. Dai-nos o conhecimento, para que possamos continuar dirigindo-nos a vós com o coração sensível; mostrai-nos o que cada um de nós pode fazer para apressar a chegada do dia da paz universal”!

Discurso proferido em 19.04.1969, na condição de orador da turma dos bacharelandos de 1968 da Faculdade de Direito de Campos, na cerimônia de Colação de Grau, no Forum Nilo Peçanha, Campos/RJ.

Levi Quaresma é ex-aluno da 5ª Turma (1964-1968) da Faculdade de Direito de Campos, Procurador de Justiça do Ministério Público/RJ junto ao Tribunal de Contas do Estado, Professor de Direito Processual Penal e Direito Administrativo e Diretor da Faculdade de Direito de Campos.

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