A greve surge no aperfeiçoamento do capitalismo liberal, entre a medidas do neocapitalismo, como a jornada de oito horas e o reconhecimento do sindicato dos operários, ainda que o padre Lebret considerasse apenas tolerável o capitalismo reformado mas ainda não o ideal para a doutrina social da Igreja.
No Brasil, o direito à greve só aparece na Constituição de 1946, mas um direito em ser, pois não foi regulamentado senão quando Castello Branco assumiu a Presidência da República e encaminhou ao Congresso um projeto de lei que teve como relator o deputado Ulysses Guimarães.
Se não me equivoco, aprovado com a redação que lhe deu o deputado paulista, ainda em 1964. Excluía do direito de greve o funcionalismo público e os militares, exigia votação de maioria de cada categoria profissional obreira para ser declarada, e, se não houvesse consenso, quando considerada legal pelos tribunais do trabalho.
Antes, contudo, deveria satisfazer a uma série de medidas de tentativa de entendimento entre patrões e empregados. Durou até que a Constituinte de 1987, dominada pelas esquerdas, modificasse a lei vigente, como mudaria praticamente tudo o que fizera o direito positivo no ciclo militar.
Eu era contra “as velhas novidades” socialistas que impregnaram o texto da Constituição, em 1988, a ponto de um presidente da República tolerante —como era José Sarney— considerar que a Constituição tornava ingovernável o país.
Eu não pertenci ao Centrão, organizado com apoio de expressiva participação dos constituintes conservadores, que serviu de poder moderador enfrentando a esquerda radicalizada e xenófoba.
Procurado por meu amigo, deputado Inocêncio Oliveira, em nome da bancada do PT, concordei em defender, no plenário, o direito de greve livre das medidas que o tornavam inócuo. Inocêncio me levou, como emissário da bancada de Lula, o texto da emenda sobre greve. Aceitei-o em parte, ressalvando a condenação dos abusos e a definição, por lei, da greve nos serviços essenciais.
Soube que Lula era contra a restrição, mas interessante é que a primeira vez que trocamos opiniões por meio de uma estação de rádio ele mesmo me dissera que “líder sindical que é líder não precisa de piquetes para impedir os fura-greve”. Isto é, garantia o direito dos que preferiam comparecer ao trabalho. Muito menos os “arrastões”, os grupos de violência que retiram à força do local do trabalho os que sejam contra a greve.
Na prática, porém, após 1988 os abusos foram cometidos impunemente e com abundância. O governo Sarney enfrentou mais de 2.000 greves. Numa delas, deu-se a tragédia na siderúrgica de Volta Redonda, quando foi empregado o Exército contra grevistas abusivos.
Anos depois, embora a Constituição proíba a sindicalização e a greve aos militares, e haja exigido lei complementar que regule os termos e limites da greve aos servidores públicos civis, os abusos foram e são praticados, e os limites não são respeitados, nem mesmo nas atividades essenciais. O povo que se lixe. Ou, nas palavras chulas da ministra do Turismo, que “relaxe e goze”.
Por isso, Lula se tornou o grande líder modificador do sindicalismo brasileiro, quando se negou a aceitar a decisão do Tribunal do Trabalho de São Paulo, ao julgar a greve imensa do ABC, que o projetou na política nacional. Dele ouvi, líder do governo Figueiredo que eu era, dizer na televisão: “Não reconheço esse Tribunal”.
Sem nunca ter lido Henry Thoreau, o teórico da desobediência civil, Lula a instituiu no Brasil. Em Pernambuco, policiais militares não só “grevaram” como sustentaram tiroteio contra os defensores do Palácio do Governo. Não podendo ter sindicato, militares subalternos, policiais federais e os controladores de vôo da Aeronáutica têm associações que atuam como se sindicatos fossem.
A Aeronáutica, desafiada, enquadra na disciplina os controladores que têm a faca e o queijo nas mãos. Vencerão o caos? Ou a norma constitucional é daquelas que não pegaram?
Reportagem produzida pelo jornal DCI e reproduzida por Última Instância com autorização concedida por contrato de licenciamento de conteúdo
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Jarbas Passarinho é coronel R/1 do Exército, foi senador da República, governador do Pará e ministro do Trabalho, Educação, Previdência Social e Justiça