Nas últimas semanas os cidadãos brasileiros têm acompanhado os escândalos de corrupção e pagamento de propinas que envolvem os partidos políticos que compõem a base aliada ao Governo federal, mais precisamente no caso dos Correios e do chamado “mensalão”.
Entretanto, na semana passada assistimos estarrecidos e catatônicos a alguns dos acusados de serem articulares e operadores dos referidos escândalos impetrarem no Supremo Tribunal Federal, habeas-corpus preventivos, com o intuito de não saírem algemados e presos ao término de suas declarações perante as CPIs que investigam as supostas irregularidades nos Correios e no Congresso Nacional, após as denúncias feitas no mês passado pelo deputado Federal Roberto Jeferson (RJ).
Certamente o povo brasileiro deve estar se perguntando que espécie de ação judicial pode manter nas ruas, mesmo que provisoriamente, pessoas que flagrantemente vêm cometendo inúmeros crimes contra o patrimônio público nacional, que vão desde a sonegação de impostos até o pagamento de propinas e corrupção.
Pois bem, a Constituição Brasileira de 1988 garante ao cidadão o direito fundamental à manutenção de sua liberdade de locomoção sempre que esta sofra ou se ache ameaçada de sofrer alguma restrição (através de violência ou coação) por ato ilegal ou abusivo de poder praticado pela autoridade pública. Tal garantia é concedida através do chamado habeas corpus (art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal).
O habeas corpus, portanto, tal como garantido pela nossa Constituição Federal, possui duas formas bastante distintas. A primeira é o habeas corpus propriamente dito ou habeas corpus sucessivo que representa a garantia da liberdade de locomoção quando efetivamente a autoridade pública, no uso de suas atribuições, restrinja violentamente o coativamente o direito do cidadão de ir, vir ou permanecer através de um ato ilegal ou de abuso de poder. A segunda é o chamado habeas corpus preventivo, modalidade esta utilizada quando o cidadão encontra-se na iminência ou ameaçado de ter sua liberdade de locomoção restringida por ato de ilegalidade ou abuso de poder por parte da autoridade pública.
A forma utilizada pelos atores políticos envolvidos nas denúncias de irregularidades e corrupção é a do habeas corpus preventivo, ação esta que mantém a liberdade de locomoção do cidadão sempre este se encontre ameaçado ou na iminência de sofrer restrições em seu direito fundamental. Isto significa dizer que antes que a autoridade pública cometa algum ato de ilegalidade ou abuso de poder, o cidadão pode lançar mão de habeas corpus preventivo para que sua liberdade de ir, vir e ficar seja salvaguardada.
Diga-se aqui que em qualquer das modalidades do habeas corpus, tanto a sucessiva quanto a preventiva, se não estiverem presentes os pressupostos indispensáveis à salvaguarda da liberdade amparada por habeas corpus, ou seja, restrição da liberdade de locomoção tenha sido realizada de forma ilegal ou através de abuso de poder, a prisão deve ser mantida, posto que o cidadão se encontra amparado por habeas corpus.
O habeas corpus preventivo concedido pelo Supremo Tribunal Federal aos envolvidos garante tão-somente aos acusados o direito de não assinar o termo de compromisso legal como testemunhas na CPI, para serem tão-somente ouvidos na condição de investigados, posto que, ao contrário, ao não responder às perguntas formuladas, mentir ou responder de modo a se incriminarem, podem ser presos em flagrante delito, pelo cometimento dos crimes dos quais são acusados ou no mínimo por perjuro ou falso-testemunho.
Por outro lado, a concessão do habeas corpus preventivo aos acusados de modo algum lhes garante salvo-conduto irrestrito e incondicional durante toda a investigação, haja vista que nos termos das concessões dos habeas corpus preventivos pelo Supremo Tribunal Federal só lhes é garantido o direito de comparecer à CPI na condição de investigados e de permanecer em silêncio para não se incriminarem.
Em qualquer outra situação, senão naquelas descritas anteriormente, se no decorrer das investigações, tanto por parte da CPI quanto da Polícia Federal, restar comprovado que os investigados Marcos Valério, Delúbio Soares e Silvio José Pereira cometeram os crimes dos quais são acusados, podem ter suas liberdades de locomoção restringidas, sendo inclusive presos, não se podendo socorrer dos habeas corpus preventivos concedidos pelo Supremo Tribunal Federal, ainda mais quando o cerceamento das liberdades de locomoção for realizado dentro da estrita legalidade e sem qualquer abuso de poder por parte da autoridade pública.
Em se comprovando, portanto, através das investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito e da Polícia Federal a subsistência dos crimes, de nada valerão aos investigados os habeas corpus preventivos que lhes foram concedidos pelo Supremo Tribunal Federal.
Omar Kadri
Advogado, sócio do escritório Kadri Advogados, mestre e doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra – Portugal, professor da graduação e pós-graduação de Direito Constitucional