O DIREITO E A MORAL

Gustavo Mehmeri Gusmão dos Santos
Estudante de Direito da Universidade Católica do Salvador
E-Mail: cresa@ssa.zaz.com.br

Um dos temas mais interessantes abordados pela Filosofia Jurídica abrange a questão da relação entre o direito e a moral, permitindo uma infinita discussão doutrinária acerca do assunto.
De fato, na vida quotidiana estamos constantemente cumprindo normas que visam regular nossa conduta perante a sociedade e até mesmo frente a nós mesmos.
Há normas que somos obrigados a cumprir, ou seja, possuem um caráter imperativo, pois versam sobre condutas consideradas essenciais para o funcionamento normal da vida social. São regras que visam a satisfação do bem coletivo, o equilíbrio das relações humanas e a manutenção da ordem na esfera comunitária, portanto, não estando sujeitas ao livre arbítrio da vontade individual. Dessa maneira, podemos nos situar no campo do direito, que impõe regras de conduta que devem ser observadas, valendo-se até mesmo da força coercitiva para assegurar o seu cumprimento.
Entretanto, há preceitos que seguimos livre e conscientemente, tomando-os como valores subjetivos para a satisfação de um bem individual ou para a realização de uma vontade de espírito. Assim, estamos situados na esfera da moral. Não são regras imperativas, muito menos coercitivas, sendo o seu cumprimento ou não dependente do caráter de cada pessoa. Os valores morais encontram-se dentro da consciência de cada indivíduo, cabendo a este julgar o que considera certo ou errado, tolerável ou intolerável. Porém, ninguém nasce com a consciência repleta de normas ou valores, sendo estes transmitidos da sociedade para o indivíduo. Um dos principais “canais transmissores” destes preceitos é a família que nos ensina desde pequenos quais os limites entre o moral e o imoral. Contudo, como já foi citado anteriormente, depende da consciência da cada indivíduo aceitar ou não estes limites, caso contrário, seríamos como cópias dos nossos pais. É por isso que os valores morais variam de sociedade para sociedade e de época para época.
A imperatividade, com efeito, é uma das balizas que nos permite visualizar uma diferença entre as regras morais e as normas jurídicas. No caso da moral, a aceitação destas normas fica a cargo da consciência de cada indivíduo, enquanto que, na seara jurídica, há uma força externa que nos compele a obedecê-las. Por ex., nenhuma empresa é obrigada a realizar doações para uma instituição de caridade (cumprimento de um preceito moral), porém, todas têm que pagar tributos ao Estado (observação de uma norma jurídica), sob pena de sofrer as conseqüências impostas por este.
Porém, o problema da diferença entre a moral e o direito não é tão simples quanto parece. Para Maria Helena Diniz (1), é na questão do autorizamento que reside a principal resposta para essa discussão. A norma jurídica é a única que concede ao lesado pela sua violação a permissão para exigir a devida reparação pelo mal sofrido. Autoriza o indivíduo prejudicado a acionar o poder público para que este valha-se até mesmo da força que possui para assegurar a sua observação. Já as regras morais não possuem tal característica. De fato, ninguém pode mover o Poder Judiciário para exigir que determinada pessoa conceda uma esmola a um mendigo, por exemplo.
É impossível falar da relação entre o direito e a moral sem mencionar a “Teoria do Mínimo Ético” (2), defendida por vários filósofos e doutrinadores do direito. Tal teoria classifica o direito como uma parte da moral, ou seja, os valores jurídicos seriam, antes de tudo, valores morais. O direito não seria nada mais que um conjunto de normas morais consideradas essenciais para a sobrevivência da sociedade. Desta maneira, apenas alguns valores morais, devido a sua importância, necessitariam de uma forma especial, transformando-se em normas jurídicas.
Cabe agora indagar se realmente o direito limita-se a abranger regras puramente morais. É óbvio que não. De fato existem normas jurídicas que nascem de preceitos morais estabelecidos pelos costumes de um determinado povo. Mas não seria correto afirmar que todas as leis de uma região possuem conteúdo moral. Basta citar que existem normas amorais (alheias ao campo da moral) que são jurídicas (por ex., as normas de tráfego aéreo), bem como normas que tutelam fatos considerados imorais pela maioria da sociedade e que são, à luz do direito, perfeitamente legais. É o caso, por ex., do divórcio. O direito chega ao ponto de, em alguns países, tolerar o casamento homossexual e a prostituição.
Mesmo com tantos argumentos e teorias a discussão sobre a relação entre a moral e o direito está longe de acabar. Devemos, contudo, distinguir esses dois grandes segmentos normativos da vida, porém, sem separá-los em pólos extremos. Ensina-nos com muita propriedade o ilustre jurista Miguel Reale: “Ao homem afoito e de pouca cultura basta perceber uma diferença entre dois seres para, imediatamente, extremá-los um do outro, mas os mais experientes sabem a arte de distinguir sem separar, a não ser que haja razões essenciais que justifiquem a contraposição.” (3)

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. Maria Helena Diniz, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, 9ª ed. atualizada, SP, 1997, Saraiva, Pg. 373.
2. Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, 23ª ed., SP, 1996, Saraiva, Pg. 42.
3. Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, 23ª ed., SP, 1996, Saraiva, Pg. 41.

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