O Direito Informático como ramo autônomo da ciência do Direito

José Augusto Delgado*

Mário Antônio Lobato de Paiva, eminente e culto advogado, editor da coluna de Direito Eletrônico da Revista Jurídica Consulex, resolveu enfrentar um desafio: o de fazer nascer o Direito Informático como ramo autônomo da Ciência do Direito. É evidente que essa pretensão só podia surgir de mente privilegiada por forte dosagem de inteligência e cultura como é a do mencionado operador do direito. A tarefa não é fácil. É, porém, possível e Mário Antônio Lobato de Paiva tem todas as condições para desenvolvê-la e realizá-la com êxito.

Não se pode ignorar os fenômenos vivenciados, na atualidade, pela sociedade e que estão ligadas a fatos decorrentes do uso da informática, exigindo, conseqüentemente, a presença de regras jurídicas para discipliná-las.

Nos últimos séculos, o mundo deparou-se com descobertas científicas que alteraram o panorama das relações humanas, quer em nível local, quer em contato globalizado. Entre elas, há destaque especial para o avanço científico da informática, não só por ter acelerado o processo de comunicação, mas, também, por ter aberto espaço para que novas condutas culturais surgissem nos campos específicos dos negócios e das comunicações. Os estudiosos do assunto têm chamado a atenção das comunidades jurídicas para o fato de que, hoje, temos, aproximadamente, 370 milhões de internautas, e que, em 2005, teremos 766 milhões.

Essa evolução exige dos cientistas do direito um urgente posicionamento, haja vista que esses relacionamentos, em potencializada escala, irão determinar formação de negócios jurídicos e não jurídicos que necessitam de regulamentação com força estatal, a fim de que sejam solucionados, o mais rápido possível, os conflitos que naturalmente surgirão.

A importância dessa revolução provocada pelo uso da informática foi destacada por BRIAN GEIBER, diretor de consultoria norte-americana e para projetos, em manifestação inserida no site Internet.principals.com.

O mencionado consultor lembra que o telefone levou 74 anos para conquistar 50 milhões de usuários. A Web atingiu essa marca em apenas quatro anos e se prevê aumentar de 370 para 766 milhões de internautas em, apenas, quatro anos. É evidente que todos esses fenômenos não podem ficar indiferentes à ciência jurídica. Examinando esse panorama, Ricardo Luiz Lorenzetti, professor titular em Direito Civil, Universidade de Buenos Aires, escreveu:

“O surgimento da era digital tem suscitado a necessidade de repensar importantes aspectos relativos à organização social, à democracia, à tecnologia, à privacidade, à liberdade e observa-se que muitos enfoques não apresentam a sofisticação teórico que semelhantes problemas requerem: esterelizam-se obnubidados pela retórica, pela ideologia e pela ingenuidade.”

Tem-se como presente, para fins de reflexão sobre o surgimento de um direito autônomo dedicado a disciplinar os relacionamentos decorrentes do uso da informática, as idéias de NORBERT WIENER (in Cibernética e Sociedade, Trad. de José Paulo de Paes, Cutrix/SP), considerado como sendo o pai da Cibernética, que as resumo no esquema seguinte:

a) os problemas da lei podem ser considerados problemas de comunicação e de cibernética, vale dizer, problemas de controle sistemático e reiterável de certas situações críticas;

b) enquanto “nós, da comunidade, não decidirmos se o que realmente queremos é expiação, ou afastamento, ou reforma, ou desencorajamento de criminosos potenciais, não teremos nem uma coisa nem outra, mas tão-somente uma confusão em que o crime engendrará mais crime.”

Por outro ângulo, merece análise as propostas de Lee Leovinger (Jurimetrics, Minessota Law Review, 1949) de ser criada uma disciplina jurídica nova denominada de jurimetria. Esta, com “caráter eminentemente empírico, teria como proposição a racionalização do Direito mediante aplicação dos métodos quantitativos da automação à experiência jurídica.”

O mencionado autor defende que três são os fatos fundamentais da pesquisa jurimétrica:

a) o processamento eletrônico dos dados jurídicos;

b) o uso da lógica no campo do Direito;

c) a análise das decisões judiciais.

Mário Losano (Informática Jurídica, Univ. de São Paulo, Saraiva, SP, 1976) propõe o que chama de juscibernética. Esta disciplina abordaria os seguintes aspectos:

a) o de que o mundo do Direito, na sua totalidade, deve ser considerado “um subsistema em relação ao sistema social” e, por isso, devem ser “estudadas as inter-relações entre os dois, conforme um modelo cibernético”;

b) no mundo do Direito estudado como um sistema normativo, dinâmico e auto-regulador, cabe inserir os problemas gerados pelo uso da informática;

c) os modelos jurídicos cibernéticos, em geral, deveriam ser idealizados tendo em vista a sua utilização em máquinas cibernéticas.

As referências sobre as relações entre o Direito e a Cibernética, envolvendo o que pensa os autores Noberto Wiener, Lee Leovinger e Mário Losano, foram extraídos do maravilhoso trabalho da autoria de Newton de Lucca, intitulado “Títulos e Contratos Eletrônicos: O Advento da Informática e seu Impacto no Mundo Jurídico”, publicado na obra coletiva “Direito e Internet”, coordenado pelo próprio Newton de Lucca e Adalberto Simão Filho, São Paulo, Edipro, em convênio com o Instituto Brasileiro de Proteção e Defesa dos Consumidores de Internet, pgs. 21/99.

Há, portanto, campo aberto para que o Direito Informático surja, com absoluta autonomia, possuindo princípios específicos e abrangendo o disciplinamento, com regras próprias, das seguintes situações fáticas:

a) as fraudes provocadas por manipulação de dados e programas;

b) o furto, a apropriação indébita e o estelionato no âmbito da informática;

c) a prática de crimes do colarinho branco por via da utilização dos computadores; idem os contra a liberdade individual, a intimidade ou o sigilo das comunicações;

d) os delitos na área dos direitos autorais;

e) os crimes contra a propriedade industrial, a proteção de marcas de indústria e comércio (espionagem ou sabotagem industrial);

f) a delimitação da responsabilidade civil pelos danos causadas por vírus introduzidas no computador;

g) a configuração de crime par ao fato de enviar vírus, haja vista que o delito, na atualidade, não se ajusta, pelas suas proporções, ao dano como configurado pelo Direito Penal;

h) os atentados às redes de telecomunicações nacionais e internacionais;

i) a formação dos negócios jurídicos, o momento de sua consumação, a execução, a simulação, a aplicação do direito do consumidor, etc.

É, por demais vasto, o campo a ser abordado por um Direito autônomo informático, pelo que o seu surgimento é de absoluta necessidade.
Essa nobre tarefa está sendo iniciada pelo esforço, cultura, inteligência e acuidade científica de Mário Antônio Lobato de Paiva. A obra “Introdução ao Estudo do Direito Eletrônico” (1) que terei a honra de prefaciar lança os primeiros dogmas sobre o Direito Informático, fazendo-o surgir como ramo autônomo científico.

Uma ciência, como é sabido, é formada por um conjunto organizado de conhecimentos relativos a determinada área do saber, caracterizando-se por ter metodologia específica.

O que demonstra a obra é que o direito informativo tem princípios que somente a ele se aplicam e que as relações jurídicas por ele reguladas não são alcançadas, diretamente, por qualquer outro ramo do direito.
O autor propõe, inicialmente, conceito específico para o Direito Informático, demonstra a razão pela qual defende a sua autonomia e desdobra, com absoluto critério científico, a sua natureza jurídica.
Elabora, a seguir, quadro demonstrativo do seu relacionamento com os demais ramos do Direito, ultimando por apresentar os essenciais princípios que o regem: o da existência concreta, o da racionalidade, o da lealdade, o da intervenção estatal, o da subsidiariedade, e o da efetividade e o da submissão.

Tem-se, como demonstrado, um quadro científico concretizado a imprimir autonomia ao ramo do conhecimento informático. O Direito Informático, portanto, ramo autônomo da ciência jurídica, caracteriza-se pela sua complexidade no definir relações sociais, negociais e comportamentos individuais e coletivos que estão vinculados, obrigatoriamente, a uma tecnologia sofisticada e em grau de rápida e intensa expansão.

As regras jurídicas já implantadas e a serem afirmadas por esse ramo jurídico, mais do que as postas nos ordenamentos já estruturados, serão marcados pela dinâmica que lhes imprimirá a evolução tecnológica. É, portanto, um direito em constante modificação e que exigirá esforço constante dos pensadores jurídicos para a sua atualização. Louvo, portanto, a idéia de Mário Antônio Lobato de Paiva. Lanço os meus aplausos à contribuição que esse jovem e culto autor entrega ao mundo científico do Direito.

Tenho absoluta convicção de que a leitura da obra acima mencionada proporcionará ao leitor conhecimentos de acentuada profundidade sobre o Direito Informático. É, portanto, com imensa satisfação que encerro este artigo, certo de que novas manifestações para o aperfeiçoamento da Ciência Jurídica estão presentes no magnífico trabalho de Mário Antônio Lobato de Paiva intitulado “Introdução ao Estudo do Direito Eletrônico”.

Nota de rodapé

Obra em fase de produção pela editora Manole previsto seu lançamento para outubro de 2002.

Revista Consultor Jurídico

José Augusto Delgado é ministro do Superior Tribunal de Justiça

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