O Direito, o crime e a fundamentação durkheimiana

Bernardo Araújo Costa

Para dar início à formulação do tema proposto, num primeiro momento, há a necessidade da apresentação do Direito como peça fundamental do estudo, para posteriormente poder introduzir aos demais tópicos. Surge aí um grande desafio, que não será o de mostrar o Direito como ele realmente é e, sim, destruir, aniquilar as falsas e distorcidas idéias que as pessoas costumam construir em torno desta temática.
Partindo deste princípio, é preciso que se esqueça o que se acredita saber e entender sobre o Direito, pois várias noções podem ser implementadas e se fortalecer ao longo do tempo. Não se pode afirmar que estes conceitos, já enraizados em nós, venham a se caracterizar como falsos. Deve-se primeiramente, desenvolver a base correta do pensamento de forma objetiva e concreta, para que assim, possamos, futuramente, englobar novos conhecimentos, sabendo excluir aqueles que realmente se apresentam como falsos, incorretos ou indevidos.
Iniciando todo o processo de busca do que venha a ser, verdadeiramente, o Direito, estudiosos depararam-se com vários vocábulos que freqüentemente são associados ao Direito, em diversas línguas. Entretanto, esta questão não se trata de um problema de vocabulário ou exclusivamente literário, como alguns juristas ainda acreditam ser. Esse pensamento, ao nosso ver, pode ser desenvolvido a partir da observância da lei como parte integrada ao Estado, ou seja, a lei sempre emanando do Estado. No entanto, essa atitude pode originar uma profunda alienação, haja vista que o Estado sempre busca privilegiar e atender os interesses da classe dominante, ferindo o princípio da representatividade, como afirmava Karl Marx.
Se adentramos na teoria marxista, economicamente, o capitalismo alienou, isto é, separou o trabalhador dos seus meios de produção , que se tornaram propriedade privada do
capitalista. O trabalhador, no sistema capitalista de produção, perdeu ainda o controle do
produto de seu trabalho e o pior, teve seu bem mais valioso roubado de maneira cruel e desumana – seu saber, seu conhecimento. Politicamente, também o homem se tornou alienado, pois o princípio da representatividade, base do liberalismo, criou a idéia de Estado como um órgão político imparcial, capaz de representar toda a sociedade e dirigi-la através do poder delegado pelos indivíduos.
Voltando àquela idéia inicial, o Estado sempre busca representar e agir conforme a vontade da classe dominante, fazendo da grande massa popular uma classe marginalizada e desamparada social, política e economicamente. Baseando-se nesta teoria, é necessário dizer que as leis, emanando do Estado, tendem a exercer a mesma função que este. Fica, desta forma, caracterizado o chamado Direito e Antidireito, ou seja, o direito reto e correto, mas também, o direito distorcido pelos interesses classísticos, respectivamente. Assim, torna-se impossível permitir que o Direito seja admitido como uma questão meramente legislativa, aprisionado em leis que não atendem às expectativas gerais e globais da sociedade. É importante entender que o Direito deve ser tido como uma idéia maior, presente na sociedade, contudo, sem ligações específicas dentro desta, tornando a lei, desta maneira, um simples complemento acidental. Para que isto ocorra, é imprescindível saber se o Estado, fazendo uso das sábias palavras de LYRA FILHO, “é autoritário ou democrático; reveste uma estrutura espoliativa ou tendente à justiça social efetiva e não apenas demagógica e palavrosa; a classe social que nele prevalece é a capitalista ou a trabalhadora; a burocracia e a tecnocracia servem ao poder incontrolado ou as bases dominam o processo político” (ano, p.10); e, por último, se os grupos minoritários têm garantia ao seu direito à diferença, o qual podemos constatar no art.5º da CF . Isto nada mais é do que manter em vigor os denominados Direitos Humanos, tão necessários para que uma sociedade evolua cada vez mais, levando consigo todas as classes presentes no sistema, sem permanecer na constante alienação.
Chega-se assim, ao ponto chave para a determinação do indeterminável, ou seja, o Direito “nada é”, em um sentido pronto e estático; o Direito “tudo é, sendo”. O que se quer afirmar com esta proposição é que a definição de Direito não é estática, está sempre em evolução, sempre em movimento. Um movimento que se transforma, se constrói e se reconstrói; “nada sendo” de forma estanque e acabada e “tudo sendo” no interior das práticas evolutivas e cíclicas nas quais a sociedade, para garantir espaço político, detém o poder e o saber dos povos. É o chamado “panta rei” (tudo flui). Certamente, o conceito de direito encontra-se no Devir, no vir-a-ser.
Chegados a esse ponto, após algumas incursões sobre a definição de Direito, tornou-se impossível determinar a essência do que é o Direito propriamente dito, ficando como grande valor as idéias gerais e a nova concepção a ser formada de agora em diante sobre o Direito. Aquelas antigas concepções totalmente desguarnecidas de embasamento teórico, de veracidade e de autenticidade devem ser desprezadas para que futuras formulações estruturais sobre o Direito estejam fortemente interligadas às transformações sociais e à evolução dinâmica que acompanha o processo de desenvolvimento representativo de homens e mulheres na sociedade como cidadãos de “direito”. A partir de agora, sabemos que ainda não possuímos uma definição satisfatória do Direito, mas temos uma nova visão sobre o assunto.
Após um breve comentário sobre a compreensão do Direito em si, o campo do crime (fato social) e as valiosas idéias de Émile Durkheim a esse respeito serão revisitados, pois estas temáticas são a razão principal deste texto – a relação entre o crime e o direito e a fundamentação durkheimiana.
Inicialmente, há a necessidade de uma pequena questão introdutória, no que tange ao crime. O crime é uma espécie de fato social e foi criado e desenvolvido, brilhantemente, pelo filósofo Émile Durkheim. Este sempre afirmou que o fato social é um ente pertencente às sociedades em geral e que, a partir do estudo de cada fato social individualmente, é que poderíamos estabelecer algumas idéias e conceitos sobre determinada sociedade.
Para o autor, o fato social possui três importantes características: Coerção, Generalidade e Exterioridade. A primeira é a força que os fatos exercem sobre os indivíduos, tornando-os compreensivos e conformados às regras, tradições e costumes que a sociedade a que pertence estabelece, sem se preocupar com suas vontades e escolhas, cabendo ao indivíduo apenas aceitá-las. Uma forma especial e extremamente importante para exemplificar essa força aparece nos Códigos de leis, os quais se deve respeitar, seja esta a nossa vontade ou não. A Segunda característica apontada por Durkheim é a Generalidade. É social todo fato que é geral, que se repete em todos os indivíduos ou, pelo menos, na maioria deles. Desse modo, os fatos sociais manifestam sua natureza coletiva ou um estado comum ao grupo, como as formas de habitação, de comunicação, de demonstração dos sentimentos e da moral. Por fim, a terceira e última característica dos fatos sociais é que eles existem e atuam sobre os indivíduos independentemente de sua vontade ou de sua adesão consciente, ou seja, eles são exteriores aos indivíduos. As regras sociais, os costumes, as leis, já existem antes do nascimento das pessoas, são a elas impostos por mecanismos de coerção social, como exemplo, a própria educação. Portanto, na verdade, estes três elementos acabam se confundindo, uma vez que um depende do outro para a sua ampla e total existência e aplicação. Basta observar que os fatos sociais são ao mesmo tempo coercitivos e dotados de existência exterior às consciências individuais, além de serem propostos a uma coletividade na sua total amplitude.
O maior valor de toda a obra durkheimiana é sua visão crítica do desvio humano. Para o grande teórico, o desvio é algo extremamente normal e compreensivo em todas as sociedades . Entretanto, é de fundamental importância ater-se e buscar entendimento em relação à negatividade deste desvio, ou seja, buscar os limites aos quais os desvios podem alcançar, sem provocar o que Durkheim chama de anomia. Anomia, neste caso, é toda a incidência de criminalidade que vai além dos limites suportáveis pela sociedade, o que acaba por prejudicar toda a estrutura social e o próprio desenvolvimento desta. Assim, vale lembrar que existe uma certa elasticidade e uma constante renovação e transformação social, sempre tentando dar bases e respostas a determinadas ações para que desta forma, não acabem por danificar uma estrutura social previamente montada. O que se quer dizer neste momento, é que o que é patológico para uma sociedade pode não ser para outra e, também, o que era patológico no passado, pode se tornar normal em uma mesma sociedade no presente. O inverso também pode ser verdadeiro.
Desta maneira, pode-se observar que o delito (desvio) é uma espécie de necessidade dentro da sociedade, contanto que não se torne algo patológico. Todavia, ainda sem uma real, significativa e correta coerção social, visto que nosso sistema penal se apresenta de forma extremamente ineficaz.

ü Referência Bibliográfica:

1) REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25. Ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
2) GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos: introdução às bases criminológicas da Lei 9.099/95, lei dos juizados especiais criminais / Antonio García-Pablo de Molina, Luiz Flávio Gomes. 3. Ed. ver., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
3) LYRA FILHO, Roberto. Direito e Lei. In:________. O que é Direito?.

Bernardo Araújo Costa é estudante de Direito (Unit) e Professor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento