Leonardo José de Pádua Rivas
advogado, pós-graduado em Direito de Empresa pela Puc Minas, professor de Direito, membro da Comissão de Ensino Jurídico e assistente da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG
INTRODUÇÃO:
Atualmente o ensino jurídico é muito discutido em razão da proliferação dos cursos de Direito no Brasil e da preocupação do MEC e da OAB, nos processos de criação e reconhecimento destes cursos.
Inicialmente, este artigo se reportará às décadas de 80 e 90 a fim de poder compreender melhor o momento pelo qual está passando o ensino jurídico hoje. Deve-se ressaltar a importância histórica do curso de Direito no Brasil, uma vez que este foi a primeira área de ensino superior implantada no país e também a primeira, depois de um século e meio, a instituir e adotar um sistema de vigilância e responsabilização social na maneira como os cursos jurídicos formam seus novos quadros profissionais.
A matéria demonstrará também a participação do Ministério da Educação e Cultura na regulamentação dos cursos jurídicos através da edição da portaria 1886/94, que trouxe significativas mudanças para os currículos existentes nas faculdades. A atuação da OAB nos cursos de Direito será outro ponto a ser evidenciado, pois, esta instituição vem se posicionando ativamente na autorização e reconhecimento de novos cursos.
Ao final, o artigo traz algumas propostas para a melhoria da qualidade do ensino jurídico na relação dialética entre professor e aluno, com a participação das faculdades de Direito e órgãos representativos de classe, face aos baixos índices de aprovação nos exames de ordem e nos concursos públicos.
UMA BREVE HISTÓRIA RECENTE DA CRISE DO ENSINO JURÍDICO
Criado em 11 de agosto de 1827, nas cidades de São Paulo e Olinda, o ensino jurídico vem sofrendo mudanças desde a época de sua criação, devido à evolução constante da própria sociedade.
Os cursos de Direito vêm sendo alvo de críticas a partir das décadas de 1980 e 1990. Foi, justamente, nesse período que o ensino jurídico tomou grandes proporções, sendo objeto de estudo de renomados juristas brasileiros.
Neste período, o número de bacharéis em Direito já crescia em descompasso com as oportunidades oferecidas no mercado de trabalho. O mercado demonstrava ser cada vez mais competitivo e o bacharel teria que se adequar às exigências de capacitação profissional crescente a cada dia.
O ensino jurídico na década de 1980:
Na década de 1980, o ensino jurídico já atravessava uma crise relevante para a própria ciência jurídica, não satisfazendo os interesses das classes envolvidas na aplicação do Direito na vida profissional.
O prestígio profissional do advogado já se encontrava bastante desgastado pelo fato do mesmo se encontrar despreparado para lidar com um mundo profissional em transformação e nele assumir seu papel.
O lugar dos operadores do Direito passou a ser ocupado por outros profissionais como economistas, administradores e tecnocratas em geral, sendo a tarefa dos egressos dos cursos jurídicos reduzidos a atividades e funções estritamente técnicas.
Em relação ao aspecto didático-pedagógico do ensino jurídico, continuava a se impor à concepção de que, para se lecionar Direito, bastavam professores, alunos, códigos, poucos livros textos e uma sala de aula. A atividade de pesquisa e análise crítica do fenômeno jurídico era praticamente inexistente.
No quadro sócio-político brasileiro, ocorreu uma série de fatos que contribuíram para a crise do ensino jurídico. Dentre esses fatos pode-se citar a intensa produção legislativa a que se sujeitou o Direito a fim de acompanhar as mudanças sociais que ocorriam no Brasil. O país se preparava para deixar para trás uma ditadura que perdurou vinte anos e refazer mais uma constituição em prol da democracia e da cidadania (1988). A preocupação com a segurança jurídica das instituições democráticas era grande.
O crescimento do número de vagas e de faculdades de Direito em todo o país contribuiu para o crescimento considerável do número de alunos e dos profissionais que ingressavam anualmente no mercado de trabalho.
Já em 1987, o Direito foi o curso mais procurado em todo o Brasil, por ocasião dos concursos vestibulares.
E, de lá para cá, a procura pelo curso jurídico não parou de crescer.
Na década de 80, o Direito ainda se encontrava engessado às normas positivadas pelo Estado. Ainda com a retomada do movimento democrático contra a ditadura que assolou o país por muitos anos, a análise e interpretação crítica da ciência jurídica pelos estudantes deixavam a desejar.
O ensino jurídico na década de 1990:
No decorrer da década de 90, ocorreram significativas mudanças na história da educação superior brasileira, como a instauração do “Provão” pelo MEC em diversos cursos de nível superior.
Nesta década, a OAB passou a exercer forte influência na avaliação externa dos cursos jurídicos, e cumpriu fundamental importância no tocante à reforma do ensino jurídico no país. Isso porque, como nenhuma outra corporação profissional, a OAB pode interferir na conformação dos elementos essenciais que determinam as capacidades e características de suas futuras gerações de profissionais.
Em 14 de dezembro de 1992, foi instituída, em caráter permanente, através do Provimento nº 76/92, a Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB.
O decreto nº 1.303, de 08 de novembro de 1994, aplicou o Novo Estatuto da OAB, lei nº 8.906/94, instituindo a manifestação prévia do Conselho Federal da Ordem nos pedidos de autorização e reconhecimento dos cursos de Direito a serem implantados no país.
A portaria nº 005/95, em conformidade com a Portaria do MEC nº 1.886/94, dispôs os critérios para a manifestação da OAB nos pedidos de criação e reconhecimento de cursos jurídicos. Em seus sete artigos, pode-se verificar que a competência para apreciar e julgar estes pedidos é da Comissão de Ensino Jurídico. Portanto, essa comissão é de suma importância para a participação da OAB junto ao MEC para criação e reconhecimento de cursos jurídicos emergentes no Brasil, assumindo funções acadêmico-burocráticas e constituindo um desafio real de aplicação de critérios de qualidade projetados para os cursos de Direito.
Ainda nesta década, se discutiu, também, a readaptação curricular e ajustamento de programas acadêmicos a fim de atender às exigências de formação profissional para o mercado de trabalho.
O estudante de Direito não podia mais ser direcionado apenas ao academicismo ou à prática sem referências conceituais. Ambos dissociavam o Direito de sua dimensão social e reflexiva, impedindo o desenvolvimento de sua autenticidade na realidade jurídica.
Os currículos jurídicos eram, até então, exageradamente normativos, permitindo apenas a transmissão de um conhecimento dogmático e pouco dirigido para a solução de problemas. Em outro ponto de vista, os currículos jurídicos eram altamente resistentes a um ensino interdisciplinar. Eles sedimentavam uma metodologia de ensino baseada em conhecimentos presentes em códigos, circunscrevendo e empobrecendo o conhecimento jurídico que tem na vida e nos costumes sua fonte primordial.
A PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NA REGULAMENTAÇÃO DOS CURSOS DE DIREITO:
Em 30 de dezembro de 1994, o Ministério da Educação e Cultura, tendo como ministro o senhor Murilo de Avelar Hingel editou a portaria de nº 1886/94 na forma do art. 4º da Medida Provisória de nº 765, de 30 de dezembro do mesmo ano. Esta portaria teve como finalidade regulamentar os cursos jurídicos existentes até aquela data, como também os que viriam a serem criados. O MEC, para a edição da mesma portaria, considerou o que foi recomendado nos seminários regionais e nacionais dos cursos jurídicos, e pela Comissão de Especialistas de Ensino de Direito da Secretaria da Educação Superior do MEC.
Uma das características que mais se destaca na Portaria 1886/94 é que esta resgatou nos cursos jurídicos a responsabilidade institucional para com o desenvolvimento de habilidades que permitem a aplicação concreta da formação teórica. Dessa forma, a ênfase da Portaria para a implementação obrigatória das atividades práticas vinculadas à pesquisa, a estágios e à extensão foi a mola propulsora em direção a habilidades que, por décadas, estiveram dissociadas da formação da maioria dos bacharéis em Direito no país. Assim, foi possível consolidar uma perspectiva de educação jurídica não mais com conhecimentos a serem transmitidos unilateralmente na relação professor/aluno, mas com o desenvolvimento de habilidades e vocações que capacitasse o bacharel para perseguir, com segurança e sucesso, o futuro profissional mais desejado.
A educação jurídica é, observando os requisitos da Portaria 1886/94, um processo contínuo, em que o estudante deve adotar uma atitude ativa e não reativa às proposições teóricas e práticas em torno do conhecimento que lhe é apresentado como válido em sua formação profissional.
As linhas modificativas deste currículo podem ser sintetizadas da seguinte forma:
– Ampliação da carga horária formativa do aluno.
– Conexão do ensino jurídico com as atividades de pesquisa e extensão.
– Intercâmbio internacional e consultas bibliográficas e jurisprudenciais.
– Coordenação entre o currículo mínimo e o pleno em cada curso.
– Incentivo às áreas de especialização, após o cumprimento do conteúdo mínimo curricular regimental.
– Incentivo às monografias de curso.
– Definição das atividades do estágio de prática jurídica, coordenada com o estágio profissional de advocacia.
A introdução de especialização de disciplinas no programa curricular é um enorme avanço e um forte instrumento de reforço formativo do aluno, permitindo a ele cursar novas disciplinas originadas de novas demandas de mercado (Direito do Consumidor, Direito Ambiental, Direitos Humanos, Direito Virtual, Propriedade Intelectual), entre outras, além daquelas tradicionais.
É importante ressaltar que a portaria do Mec supracitada estabelece a obrigação de defesa de trabalho monográfico perante banca examinadora. Esse trabalho monográfico proporciona o desenvolvimento de atividades de pesquisa, como também, a aproximação do curso de graduação com o de pós-graduação.
PROPOSTAS PARA DIRIMIR PROBLEMAS AINDA EXISTENTES NO ENSINO JURÍDICO
A análise crucial reivindicada pela problemática educacional jurídica reside na relação entre o que se ensina e o modo como se ensina, justaposta à outra face do problema que é a relação do que se aprende.
Nos cursos de Direito, o ensino deve ser essencialmente formativo e não informativo. Ele não deve se limitar apenas ao fornecimento de normas, mas, sobretudo, preparar o aluno para saber pensar o Direito, capacitando-o para abordar e meditar os casos jurídicos com que vier a se deparar no seu futuro profissional.
Uma das condições mais importantes para o ensino de qualidade é o desenvolvimento da capacidade crítica do aluno diante da realidade na qual está inserido. O educador deve estimular a capacidade crítica e a curiosidade do educando em relação à ciência lecionada. O fundamental é dar condições ao aluno para pensar juridicamente. E, para tanto, é fundamental que haja o desenvolvimento de um ensino interdisciplinar, estabelecendo conexões entre várias disciplinas lecionadas em sala de aula, permitindo que o aluno se adapte às necessidades do mercado de trabalho cada vez mais competitivo e exigente.
No curso de graduação, uma das formas alternativas a compor uma possível solução para os problemas de defasagem curricular do ensino jurídico é instituir nos currículos disciplinas inovadoras, a fim de que o estudante possa desenvolver uma reflexão multidisciplinar capaz de desvendar as relações sociais subjacentes às normas e às relações jurídicas.
Deve-se fazer um sério questionamento sobre a própria pedagogia aplicada no ensino superior hoje em dia. O método expositivo ou aula conferência, tradicionalmente utilizada no ensino do Direito, pode correr o risco de contribuir para a passividade do aluno em sala de aula. Penso que, além da aula expositiva, é extremamente importante inovar na didática do ensino jurídico a fim de despertar no aluno maior interesse acerca da disciplina a ser lecionada. E, para tanto, deve-se desenvolver a pesquisa e a comunicação em sala de aula.
Aprender significa muito mais do que acumular conhecimentos que são transferidos aos alunos pelos professores. A formação do conhecimento do aluno se dá com a construção de idéias que surgem quando este estuda e reflete nas informações que chegam até ele. Portanto, a pesquisa é um dos melhores métodos para se associar novas idéias, encurtando as distâncias entre o velho e o novo conhecimento a ser adquirido pelo aluno.
Comunicar ou dialogar com os alunos é fundamental para que o professor possa saber se o que ensina está sendo transmitido aos seus aprendizes. Comunicar com os alunos, também significa promover a discussão, o debate e o entrosamento deles acerca de determinado assunto ou tema ligado à disciplina lecionada. Isto é possível através da construção de grupos de trabalho (GT) e de grupos de discussão (GD) sob a supervisão e mediação do professor. Nesses grupos, os alunos debatem entre si um determinado assunto ou caso concreto (GT) para, em seguida, refletirem juntamente com o professor a sua relação com a própria disciplina lecionada em sala de aula (GD).
Creio que Inovar no método didático é extremamente importante para se elevar o nível intelectual dos alunos.
CONCLUSÃO:
Enfim, é importante notar que o ensino jurídico evoluiu bastante nas últimas duas décadas. Porém, há muito que se fazer ainda.
Depois de várias reações contra a defasagem do ensino do Direito por parte do Estado, da Ordem dos Advogados do Brasil e de algumas faculdades, principalmente na década de 90, ainda não se conseguiu superar todas as deficiências até o presente momento. Para exemplificar, podemos pegar os últimos resultados dos exames de ordem no país. O exame é necessário para que o bacharel em Direito possa exercer a profissão de advogado. A OAB realiza três exames por ano: em abril, agosto e dezembro. Cada um possui duas fases, uma objetiva (prova fechada) e outra subjetiva (construção de peça processual).
Em Minas Gerais, o índice de reprovação do último exame (abril de 2004) ultrapassou o percentual de 70% na primeira etapa.
O exame da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná, deste ano, teve o pior índice de aprovação desde que o teste foi oficializado pela OAB nacional, há oito anos. Dos 2.366 inscritos, apenas 335 foram aprovados, ou seja, menos de 14% do total. O índice de reprovação, portanto, chegou a 86%.
Por ocasião dos concursos públicos, muitas vagas não são preenchidas em razão da dificuldade dos candidatos em alcançar a pontuação mínima necessária para a sua devida aprovação.
A solução para todo este problema, ao meu modo de ver, aponta para algumas mudanças que devem ocorrer no ensino jurídico por iniciativa do Estado, de instituições como a OAB e, principalmente, pelas faculdades de Direito que são:
1) A instalação imediata de um fórum permanente de discussão e debate sobre o ensino jurídico, com a participação de representantes de diversos cursos de Direito e centros acadêmicos, de representantes do Ministério Público e de instituições representativas de classe como a OAB e AMAGIS para identificar os problemas e apontar as possíveis soluções para a melhoria do ensino jurídico no Brasil.
2) Inovar nos métodos didáticos aplicados no ensino jurídico para que este desperte a consciência crítica do aluno no tocante ao conhecimento transmitido pelo professor, a fim de que o discente adquira uma postura ativa e não passiva em sala de aula.
3) Deve haver um severo rompimento do senso comum no tocante a formação do bacharel em Direito. Torna-se imprescindível fornecer ao estudante de Direito oportunidades de conscientização da própria função social do operador jurídico no cotidiano da sociedade. É importante demonstrar que o aluno deve vislumbrar não só seus interesses pessoais a serem alcançados após a conclusão do curso, mas também, os interesses sociais como meta profissional a fim de melhorar a qualidade e a imagem da profissão jurídica.
4) Quanto à proliferação dos cursos de Direito, penso que esta preocupação deve se voltar mais para as instituições de ensino que pedem a criação de novos cursos. Em relação aos cursos já existentes, estes devem se aprimorar cada vez mais a fim de ocuparem lugar de destaque no cenário jurídico e educacional brasileiro.
BIBLIOGRAFIA
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