O Estado brasileiro contemporâneo

Guilherme Henrique de La Rocque Almeida
analista de finanças e controle externo do Tribunal de Contas da União

1. INTRODUÇÃO

Considerando que as limitações de espaço, típicas de um ensaio, impedem o detalhamento exaustivo de todas as formas assumidas pelo Estado, serão estudadas apenas três tipos: o corporativo, o do Bem-Estar (Welfare State) e o Reformado. Devido às restrições mencionadas, cada um deles será analisado de maneira muito sintética. Ressalte-se, ainda, ser extremamente difícil elaborar uma definição precisa e universalmente aceita de cada um desses conceitos.

Após a exposição das principais características dessas formas estatais, o autor deste ensaio expressará o seu entendimento sobre o Estado Brasileiro atual e suas perspectivas.

2. OS DIFERENTES MODELOS DE ESTADO

2.1 O ESTADO CORPORATIVO

Segundo Araújo e Tapia (1991), há importantes divergências acerca do significado e alcance desse termo. Diante disso, serão expostas as principais definições desse modelo de Estado, deixando ao leitor a incumbência de optar por uma delas ou formular a sua própria.

Por outro lado, deve-se ressaltar que os estudiosos do corporativismo partem de um ponto comum: a crítica ao pluralismo, o qual consideram incapaz de explicar o desenvolvimento da organização político-social, a dinâmica política e as transformações nas “formas institucionais de relação entre Estado e interesses de classe organizados” (idem, ibidem). Assim sendo, o corporativismo é visto como uma alternativa teórica ao pluralismo.

Ele se baseia nas seguintes premissas: o Estado possui elevada autonomia frente à sociedade; há uma competição limitada entre um pequeno grupo de organizações fortemente centralizadas, as quais detém o monopólio da representação; essas organizações são constituídas compulsoriamente e seus membros estão a ela vinculados; o Estado interfere diretamente no seu funcionamento, tornando-as quase públicas, e as relações entre elas são estáveis e obedecem a uma lógica de atender a interesses mútuos. A partir dessas premissas, pode-se definir corporativismo como sendo um sistema de representação de interesses que se distingue do pluralismo na medida em que é constituído por unidades não-competitivas, oficialmente sancionadas e supervisionadas pelo Estado.

Há dois tipos básicos de corporativismo: o estatal (detectado na América Latina) e o societal ou neocorporativismo (encontrado na Europa e nos Estados Unidos). A seguir, será abordado o modelo estatal, que por estar mais próximo da nossa realidade nos é mais interessante. Ele possui três correntes: a culturalista, a societalista e a estruturalista.

Os culturalistas afirmam que o surgimento do corporativismo se deve à herança íbero-romana e à tradição católica-organicista. Segundo Howard Wiarda (apud Araújo e Tapia, obra citada), essa corrente defende a existência de dois conceitos de corporativismo:

I – sistema de autoridade e de representação de interesses, derivado principalmente (mas não exclusivamente) do pensamento social católico, que enfatiza a representação funcional, a integração do trabalho e do capital numa vasta rede de unidades ordenadas hierarquicamente, ‘harmoniosas’, monopolistas, funcionalmente determinadas, guiadas e dirigidas pelo Estado. Essa definição se refere ao corporativismo praticada nas décadas de 30 e 40;

II – forma dominante de organização política-social que também é hierárquica, elitista, autoritária, burocrática, patrimonialista e católica.

Essa corrente ressalta a capacidade de adaptação desse modelo às mudanças sociais, econômicas e políticas ocorridas no século XX, o que possibilitou a preservação da estrutura de poder e da organização social que lhe são típicas. Defende que esse modelo estatal seria uma “terceira via”, uma alternativa latino-americana ao pluralismo e ao marxismo, distinta do fascismo.

Diante das limitações dessa abordagem e do fato de as nações latino-americanas serem apenas parcialmente corporativas, foi proposta uma abordagem eclética, que incorpora hipóteses estruturalistas (como o desenvolvimento tardio e a teoria da dependência).

Critica-se essa linha teórica por quatro motivos: há estruturas corporativas muito semelhantes em sociedades culturalmente diferenciadas; ela é incapaz de explicar porque países de tradição íbero-católica não adotaram esse modelo; a tese da continuidade cultural está em desacordo com evidências empíricas e a pretensa “terceira via” é muito questionável.

Para os societalistas, o corporativismo é reflexo da sociedade ou produto de processos sociais: a sociedade o geraria naturalmente, sem a interferência significativa do Estado, com base em grupos muito bem delimitados, unidos por características comuns, autodeterminados e autogovernados. O fator primordial para esse processo seria o incremento da complexidade das organizações sociais e econômicas. Rogowski e Wasserspring expressam essa idéia ao afirmar que “o comportamento corporativista é um tipo de soberania de grupo, muito parecido com a interação dos estados-nação.”

Esse posicionamento é muito criticado por considerar a sociedade como um agente político totalmente autônomo e, conseqüentemente, reduzir ao extremo o papel do Estado. Além disso, ela se aplica, quase que exclusivamente, aos estudos relativos ao período populista (1930/70).

Os estruturalistas consideram o corporativismo como estrutura de representação de interesses e/ou vinculação entre Estado e sociedade civil. Ressaltam o papel do Estado, os fatores estruturais e extra-políticos e os elementos de descontinuidade na explicação do surgimento do corporativismo. Assim sendo, rompem com os pressupostos das duas correntes anteriormente mencionadas.

Para eles, corporativismo é “um sistema de representação de interesses cujas unidades constituintes são organizadas em um número limitado de entidades singulares, compulsórias, não competitivas, hierarquicamente ordenadas e funcionalmente diferenciadas, reconhecidas ou licenciadas (quando não criadas) pelo Estado, às quais é concedido monopólio de representação dentro de sua respectiva categoria em troca da observância de certos controles na seleção de seus líderes e na articulação de demandas e suporte” (Schmitter, apud Araújo e Tapia, obra citada).

O avanço da teoria permitiu a definição de subtipos do corporativismo estatal. A partir da observação das diferentes políticas implementadas pelos regimes fascista, nazista, franquista, salazarista, varguista e militares na América Latina (anos 60 a 80), Stepan distingue dois subtipos: o inclusivo (que incorpora política e economicamente setores significativos da classe trabalhadora) e o excludente (assentado na repressão e na utilização de estruturas corporativas para desmobilizar e submeter a classe trabalhadora). Observou-se que o inclusivo ocorre com maior freqüência quando há uma crise no poder oligárquico, o nível de organização política é incipiente e a industrialização está na fase inicial. Já o excludente geralmente sucede uma crise política na qual há forte mobilização política, polarização ideológica e estagnação da industrialização. Geralmente, os regimes populistas (como o de Vargas) são inclusivos e os burocráticos-autoritários (como o de 1964 no Brasil) são excludentes. Ressalte-se que os regimes, normalmente, combinam elementos dos dois subtipos com a preponderância de um deles. Além disso, qualquer regime pode alterar suas políticas. Nessa mesma direção, surgem os conceitos de incentivos e constrangimentos, que corresponderiam à inclusão e à exclusão, respectivamente.

Em relação à nossa experiência histórica recente, Guillermo O’Donnell ressaltou o caráter “bifronte e segmentário” do corporativismo latino-americano sob o regime militar ou burocrático-autoritário. Ele é bifronte por possuir dois componentes distintos: o estatizante (subordinação ao Estado das organizações da sociedade civil, visando basicamente controlar a classe trabalhadora) e o privatista (abertura de áreas do Estado à representação de interesses organizados da sociedade civil, principalmente aqueles da classe economicamente dominante). É segmentário pois o funcionamento e o impacto das estruturas corporativas são distintos em relação às classes sociais.

2.2 O ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL OU WELFARE STATE

Segundo Wilenski (apud Pimenta de Faria, 1998), “a essência do Estado do Bem-Estar Social reside na proteção oferecida pelo governo na forma de padrões mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação e educação, assegurados a todos os cidadãos como um direito político, não como caridade”. Esse modelo estatal seria a institucionalização dos direitos sociais.

Essa definição foi criticada por não incluir o pleno emprego no seu núcleo central e concentrar-se excessivamente na garantia de renda mínima. Acentue-se ainda que, segundo Mishra, o termo “welfare state” possui uma conotação histórica (pós-guerra) e de política pública (institucional) muito específica.

É fundamental não confundir Estado de Bem-Estar Social com a mera adoção de políticas sociais. O welfare state não só aplica políticas visando melhorar as condições sociais de sua população, como ataca outras questões como o desemprego, a melhoria dos salários, o controle macroeconômico, etc. Assim, o Estado de Bem Estar Social é bem mais do que um Estado que aplica política sociais.

Há grandes controvérsias sobre as causas do surgimento do Welfare State. Entretanto, todos os autores concordam que houve pelo menos três elementos essenciais:

a) existência de excedentes econômicos passíveis de serem realocados pelo Estado para atender às necessidades sociais;

b) o Keynesianismo, que forneceu a base teórica;

c) a experiência de centralização governamental durante a 2ª Guerra Mundial, que propiciou o crescimento da capacidade administrativa do Estado.

A partir desses elementos básicos, foram construídas as seguintes teorias para explicar o surgimento e o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social:

a. Teoria da convergência ou lógica da industrialização: defende que o Estado passou a garantir um padrão mínimo de vida quando as instituições que tradicionalmente desempenhavam esse papel perderam a capacidade para desempenhá-lo. Todas as nações industrializadas, independentemente de suas especificidades históricas ou culturais, teriam adotado políticas sociais visando minimizar a marginalização de determinados grupos, a qual foi ocasionada pela industrialização. Afirma, ainda, que a expansão do Welfare State baseou-se na crença de que a ação redistributiva do Estado se harmonizava com o crescimento econômico, o qual, por sua vez, é indispensável para que o Estado possa exercer suas novas funções sociais. Por outro lado, condições econômicas favoráveis e necessidades sociais não são suficientes para estabelecer esse modelo estatal. É necessário, também, o desenvolvimento da burocracia e do sistema político. Pode-se dizer que as políticas sociais são simultaneamente requisito e conseqüência da economia capitalista e da democracia moderna. Assim, o crescimento econômico, a mudança demográfica e a burocratização seriam as principais causas do aparecimento desse tipo de Estado.

b. Essa teoria consegue explicar as diferenças existentes entre as políticas sociais implementadas nos países desenvolvidos e aquelas dos países do Terceiro Mundo. Por outro lado, ela é criticada por não esclarecer a causa das diferenças marcantes existentes entre as políticas sociais dos países do Primeiro Mundo; por desconsiderar as variáveis políticas, consideradas irrelevantes; por supor que os mesmos problemas econômicos e sociais levarão sempre à adoção das mesmas soluções, o que não ocorre na prática; e por não atentar para a forte correlação existente entre as dimensões do Estado de Bem-Estar e a força política da esquerda e dos sindicatos.

c. Perspectiva dos serviços sociais: defende que a adoção de políticas sociais decorre, em grande parte, dos problemas decorrentes da industrialização. Nesse sentido, Richard Titmuss afirmou que as origens dos programas sociais se encontram na crescente complexidade da divisão social do trabalho, decorrente da industrialização, que acarretou a especialização dos trabalhadores e os tornou dependentes da sociedade. Difere da corrente anterior por ressaltar que as necessidades atendidas pelas políticas sociais são determinadas pela cultura de cada país. Assim sendo, cada povo definiria suas próprias necessidades, as quais, por sua vez, condicionariam a adoção de uma determinada política pública.

d. Essa corrente é criticada por seu enfoque exclusivo em ações empíricas, pragmáticas e reformistas que visem amenizar as mazelas sociais. Consequentemente, não produz uma teoria, se concentra no estudo dos programas governamentais em curso e analisa políticas isoladas.

e. Teoria da cidadania: seu maior expoente, T. H. Marshall, concentrou-se na análise do desenvolvimento dos três componentes da cidadania moderna – direitos civis, políticos e sociais – na Inglaterra. Com base nos resultados de suas pesquisas, realizadas em um país onde a cidadania se desenvolveu por meio de um processo incremental, linear e evolucionário, Marshall procurou universalizar essas características. Entretanto, verifica-se que elas são, com freqüência, incongruentes com o desenvolvimento histórico de outros países. Além disso, critica-se essa teoria por prestar excessiva atenção aos programas sociais existentes.

f. Marxismo: afirma que o welfare state surgiu devido à natureza competitiva da dinâmica político-partidária das democracias de massa, que obrigou os partidos políticos a buscarem o máximo de apoio eleitoral. Essa ampliação do eleitorado gerou maior heterogeneidade dos grupos de apoio, diluiu a identidade coletiva e diminuiu o radicalismo político. Paralelamente, o conflito de classes nas sociedades industriais se institucionalizou, concentrando-se nas questões distributivas, em detrimento daquelas ligadas à produção.

g. Acrescenta que os Estados capitalistas procuram se legitimar perante os respectivos povos, visando garantir a continuidade do sistema econômico. Essa legitimidade é assegurada pela transformação de uma parte do excedente econômico nos mecanismos redistributivos do Estado do Bem-Estar. Nesse processo, os trabalhadores se tornariam mais dóceis e abriram mão de suas perspectivas revolucionárias.

h. Funcionalismo: assim como o marxismo defende que os programas sociais procuram gerar a harmonia social, aprimorando as aptidões dos trabalhadores e garantindo a eles um certo bem-estar. Dessa forma, contribuem para a otimização do funcionamento do mercado de trabalho capitalista. Além disso, ao subsidiar gastos sociais que estavam anteriormente a cargo do setor privado, o Estado opera primordialmente em benefício do capital.

i. Tanto a corrente marxista como a funcionalista avaliam que as políticas sociais são úteis e funcionais para o capitalismo, pois suavizam o processo de acumulação e reduzem os atritos inerentes à concentração de renda. Ao transferir renda do governo para determinados grupos, elas viabilizam simultaneamente a produção e a circulação de bens, reduzem os custos de reprodução, aumentam a produtividade dos trabalhadores e garantem a manutenção de níveis elevados de demanda agregada – minimizando os riscos de uma crise sistêmica.

j. Modelo dos recursos do poder ou paradigma social-democrata: elaborado a partir da experiência escandinava, baseia-se no controle da esquerda sobre os recursos do poder e afirma que a distribuição dos recursos políticos entre as classes determina a eficácia e a abrangência das políticas sociais. Segundo essa corrente, a expansão do Estado de Bem-Estar se deve à união do movimento trabalhista e à sua força crescente na sociedade civil e na esfera política. Os trabalhadores teriam transferido sua arena de luta para a política, com o intuito de alterar o quadro de desigualdades sociais. É um importante instrumento de análise de política comparada, sendo empregado principalmente na explicação dos diversos padrões de desenvolvimento do welfare state.

Essa teoria sofre as seguintes críticas: a ascenção da social-democracia não foi a única via para a expansão do welfare state e ela é insatisfatória quando se analisa experiências ocorridas em países não democráticos.

g) Neoinstitucionalismo: segundo Arretche, é uma abordagem centrada na política. Defende que o Estado e a burocracia são atores relevantes, capazes de influenciar a formulação de leis e a implementação de políticas sociais. A influência dos procedimentos e do aparato administrativo sobre o comportamento dos atores políticos e o desenvolvimento do Estado do Bem-Estar Social é considerada crucial e multifacetada. As instituições determinariam as regras do jogo para as lutas políticas e influenciariam a capacidade do governo de planejar intervenções políticas. Diante disso, entende que os governos que dispõem de grande capacidade administrativa e de coesão institucional são mais propensos a estabelecer welfare states fortes e bem estruturados. Dito de outra forma, quanto mais fragmentado for o sistema decisório, mais difícil se tornará a implementação de políticas redistributivas.

Outro fator muito importante para o desenvolvimento do welfare state foi o impacto de políticas sociais previamente implantadas, o chamado policy feedback. Referidas políticas proporcionam recursos e incentivos aos atores políticos e produzem conseqüências cognitivas. Segundo Pierson (apud Pimenta de Faria, obra citada), “as políticas públicas transformam e/ou expandem a capacidade do Estado, em termos de recursos administrativos, experiência de implementação, etc.” O mesmo autor acrescenta que “os programas podem servir de base para processos de aprendizado social que afetam os prognósticos de expansão de futuros programas, seja negativa, seja positivamente”. Além disso, a implementação de políticas sociais pode oferecer oportunidades para que ativistas políticos auxiliem na organização de grupos de interesse, ajudando-os a superar seus problemas de ação coletiva. Esse mecanismo explica o aparecimento de grupos de pressão sempre que surgem ameaças de restrição de benefícios sociais ou de cortes de serviços públicos. O policy feedback pode ser tão poderoso que Theda Skocpol afirmou que “se a política cria políticas, as políticas também recriam a política” (apud Pimenta de Faria, obra citada).

Após ter exposto de forma extremamente sucinta as teorias sobre o surgimento e o desenvolvimento do welfare state, vamos abordar a sua tipologia que compreende os seguintes modelos:

a) Bismarckiano: implementado na Alemanha no final do século XIX pelo Chanceler Bismarck, caracteriza-se por ser seletivo, corporativo e fortemente associado à idéia de seguridade social. A seguridade passou a ser considerada “social” porque o Estado forneceu-lhe os meios para suplantar os estreitos limites do mercado: criou uma nova burocracia e subsidiou o novo sistema. Era um modelo corporativista porque, nos seus primórdios, beneficiava exclusivamente os operários da indústria.

Visou explicitamente pacificar a classe operária, minar sua organização e garantir a paz social. Para tanto, concedeu-se à classe operária industrial um novo status social, melhor e mais digno, sob a tutela estatal. É considerado um modelo Bonapartista, por ter sido instituído pela elite visando evitar uma revolução popular.

Foi importante por ter sido o precursor do welfare state. Porém, seus benefícios eram restritos direcionados de forma seletiva – não pretendia ser um regime universal.

b) Beveridgeano: implementado na Inglaterra, após a 2ª Guerra Mundial, por Sir William Beveridge, visou integrar os mecanismos de seguridade social, disponibilizar benefícios e serviços para todos os cidadãos (sistema universal e uniforme), promover a solidariedade, compensar os indivíduos por perdas salariais e amenizar as crises econômicas. Pretendia funcionar como um mecanismo macroeconômico, seguindo a linha keynesiana. Para tanto, esse modelo se assentou em três pilares: o pleno emprego, o Serviço Nacional de Saúde e o abono da família.

Sua importância decorre de ter sido a base da legislação social da Grã-Bretanha, que se caracteriza por ser um meio-termo entre o modelo sueco e o americano. Além disso, influenciou policy-markers e intelectuais de todo o mundo.

c) Residual, Produtividade e Desempenho Industrial e Redistributivo Institucional: propostos por Richard Titmuss, visam defender a intervenção do Estado, fomentar a ética do trabalho, ressaltar o papel da família e destacar que os parâmetros econômicos não devem ser as únicas medidas para a provisão de bem-estar.

O modelo residual prevê que a participação do Estado deve ser mínima e temporária, cabendo à família e ao mercado satisfazer a maior parte das necessidades humanas. A assistência pública só deve ser concedida àqueles que se disponham a ajudar a si mesmos. Já o modelo de Produtividade e Desempenho Industrial propõe que o Estado desempenhe um papel mais relevante, complementar ao da iniciativa privada. Os benefícios oferecidos são proporcionais ao “mérito individual”, ou seja, à produtividade e ao desempenho no trabalho, funcionando basicamente como recompensas ao empenho individual. No modelo Redistributivo Institucional, o Estado assume papel essencial, os serviços e benefícios são fornecidos de forma universal, independentemente do mercado e de acordo com as necessidades individuais. Esse último modelo visa alcançar a maior igualdade possível entre os cidadãos, por considerar que o bem-estar individual é responsabilidade da sociedade e que todas as pessoas têm direito à cidadania plena.

Pode-se dizer que o modelo residual é o empregado nos EUA (Estado liberal), o de produtividade e desempenho industrial corresponde ao modelo bismarckiano (Estado corporativista) e o redistributivo institucional ao modelo de Beveridge (Estado social-democrata).

Destaque-se ainda que esses três modelos tratam da divisão de responsabilidades e tarefas entre três instituições: o Estado, o mercado e a família.

2.3 O ESTADO REFORMADO

A crise fiscal determinou o questionamento do modelo de desenvolvimento econômico e do Estado de Bem-Estar Social, colocando em primeiro plano a questão da reforma do Estado e de suas relações com a sociedade, o mercado e a política. Em contraposição ao modelo anterior que pregava a industrialização e a intervenção do Estado centralizado, o modelo proposto na década de 80 visou construir um Estado mais racional e eficiente, dentro de um contexto democrático.

É praticamente um consenso que o Estado deve ser reformado e que se deve evitar a apropriação das entidades públicas pelos interesses privados. Esse último objetivo pode ser atingido pelo estabelecimento de mecanismos institucionais que permitam ao governo monitorar o comportamento de agentes econômicos privados e, aos cidadãos, controlar o governo (accountability e participação). Adicionalmente, deve-se impedir que o insulamento das agências governamentais, promovido na busca da maximização da eficiência estatal, impeça o controle público e popular sobre elas.

Porém, o consenso acaba aí. Afinal, formou-se um consenso sobre o Estado que não se quer ter e não sobre aquele que é desejável. As perspectivas teóricas e as visões ideológicas sobre o assunto são tão divergentes que tornam extremamente complexo o quadro das alternativas possíveis. Nos países em desenvolvimento, cujas populações sofrem com distribuições de renda extremamente injustas, a questão se torna ainda mais complicada devido aos problemas decorrentes da implantação de uma agenda neoliberal simultâneamente à consolidação de suas democracias.

Antes de discutir os motivos que levaram à apresentação e implementação das reformas, cabe destacar ser imprescindível fugir dos modelos reducionistas que pregam um Estado máximo e todo-poderoso ou um Estado mínimo e que delegue ao mercado quase todas as suas funções. Da mesma forma, não se deve atribuir exclusivamente a fatores externos as propostas de reformar o Estado, sob pena de se atribuir um poder político supremo ao mercado internacional e, consequentemente, tornar inviável a busca de alternativas nacionais. Finalmente, não se deve reduzir a decisão sobre a reforma ao plano interno, pois os Estados atuais não estão insulados, mas sofrem significativa influência externa.

Quanto à motivação da reforma, constata-se que ela é vista de forma contraditória. Muitos analistas afirmam que o Estado deve ser reformado por ter fracassado na sua função básica de oferecer serviços públicos essenciais de qualidade à toda a população. Além disso, ressaltam a importância da crise fiscal que impossibilita os governos de efetuar investimentos em volume suficiente para diminuir significativamente o desemprego e a recessão. Para eles, os objetivos da reforma seriam: controlar de forma austera as finanças públicas, desenvolver a capacidade administrativa dos gestores públicos, melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população e satisfazer o cidadão.

Por outro lado, vários autores afirmam que a reforma do Estado resulta, no plano externo, de pressões do mercado internacional cada vez mais poderoso devido à globalização e, no plano interno, da necessidade de enfrentar a crise econômica e consolidar a democracia. Considerando que as influências externas não se dão de forma imediata, mas são “filtradas” pelas condições peculiares de cada país, deve-se adotar uma perspectiva que integre os dois planos de análise.

Preliminarmente, deve-se considerar a relação existente entre os poderes político e militar de cada Estado e a forma como eles se inserem no mercado internacional. A história demonstra que os países mais poderosos conseguem defender com mais eficácia seus interesses econômicos, inclusive junto aos foros internacionais. Além disso, os Estados fortes dispõem de estruturas governamentais sólidas e mais aptas a implantar políticas públicas consistentes e autônomas. Diante disso, conclui-se que as pressões externas incrementadas pela globalização aumentam a necessidade de o Estado contar com os instrumentos necessários para implementar políticas de interesse nacional.

No plano interno, durante a década de 80, predominou o enfoque neoliberal, segundo o qual as raízes da crise estão no gigantismo estatal. Logo, as reformas propõem fundamentalmente a redução dos gastos e do déficit público, a primazia do mercado na alocação de recursos e a busca da eficiência. Na América Latina, esse pensamento encontrou terreno fértil devido às reações contra a maximização do Estado, ocorrida nas duas décadas anteriores. No Brasil, a política administrativa do Governo Collor seguiu esse pensamento, adotando um procedimento que gerou um paradoxo: a globalização torna necessário um governo conte com estruturas administrativas fortes e o neoliberalismo, ao defender a minimização do Estado, acaba por propor o enfraquecimento dessas mesmas estruturas.

Por outro lado, dentro desse modelo, o fortalecimento do Executivo é imprescindível para que os governos reduzam seu papel na economia. A hipertrofia do Executivo fica patente quando se verifica que, em todos os programas de ajuste implementados na América Latina, utilizaram-se decretos, decretos-lei ou medidas provisórias (instrumento usado com extrema freqüência no Brasil). Esse aumento dos poderes regulatório e intervencionista do Estado seguiu uma lógica concentradora e discricionária e aumentou o poder da tecnocracia. Isso tudo acarretou um desequilíbrio entre os poderes e o enfraquecimento do Legislativo. Conforme observou Bresser Pereira, “De um modo geral, as reformas são adotadas por decreto ou, então, são forçadas a tramitar pelo Legislativo sem incorporar as modificações que poderiam refletir as divergências de interesses e opiniões, revelando um estilo político claramente autocrático, em que os governos procuram desmobilizar seus apoiadores em vez de adequar seus programas mediante uma consulta pública. Em resumo, a sociedade acaba aprendendo que pode votar, mas não escolher; o Legislativo acaba se convencendo de que não desempenha papel algum na elaboração das políticas, sindicatos e outras organizações nascentes tomam consciência de que suas vozes não contam. Assim, o estilo autocrático … tende a minar as instituições representativas.” (apud Diniz: 1998). Assim, surge o segundo paradoxo: as nações latino-americanas vivem um período de redemocratização, porém o fortalecimento excessivo do Executivo implica o enfraquecimento das instituições democráticas.

Há um último paradoxo: o insulamento da tecnocracia produz ganhos de produtividade a curto prazo. Porém, com o passar do tempo, crescem as resistências à implementação das políticas traçadas sem a participação da classe política e dos grupos de pressão. A única maneira de se manter essa forma de atuar é aumentar a coação. Entretanto, isso leva ao esfacelamento da base política do governo e à perda da legitimidade – gerando uma crise de governabilidade. Diante disso, muitos autores defendem que o governo deve desenvolver a capacidade de negociar, visando dar sustentação às suas políticas. Citam dois exemplos paradigmáticos: o Presidente Collor (cuja forma de governar autocrática e insulada facilitou o seu impeachment) e os “tigres asiáticos” (Estados ativos, com forte poder regulatório e alta capacidade de fazer valer suas decisões, além de elevado respaldo político). Afirma-se que a accountability é condição para o aprimoramento da democracia. Nesse mesmo sentido, o Banco Mundial ressaltou a importância de os administradores públicos prestarem contas à sociedade e aos outros poderes. Em síntese, defende-se que uma sociedade civil forte e atuante é um requisito para a eficácia governamental.

O fortalecimento dessa corrente levou, na segunda metade da década de 90, à reafirmação do valor da política e à conclusão de que planos econômicos por si só são incapazes de resolver a crise e assegurar o êxito das políticas públicas. A reforma do Estado deixou de visar apenas cortar custos e aumentar a eficiência administrativa e tornou-se uma tentativa de melhorar a governança, termo que envolve os aspectos institucional, técnico, administrativo e político da ação governamental.

3. CONCLUSÃO

A reforma do Estado no Brasil não decorre somente de uma imposição externa, mas também de complexas transformações pelas quais passa o país desde os anos 70, ou seja, ela resulta da combinação de fatores externos e internos. Entre os externos, destaca-se a globalização. Já entre os internos, merecem destaque:

a crise fiscal;
o baixo grau de accountability;
a captura do Estado, caracterizada pelo entrelaçamento dos interesses públicos com os privados, frequentemente com a prevalência desses últimos, e pela existência de uma burocracia centralizada, discricionária, ineficaz, altamente permeável aos interesses dominantes e com baixo grau de responsabilidade política;
a fraqueza do Estado quanto à obtenção de conformidade para as suas decisões, que acarretou a incapacidade de implementar e manter políticas públicas, arrecadar impostos, punir condutas delituosas dos administradores públicos, evitar desperdícios e administrar políticas redistributivas;
a disjunção do Estado com a sociedade, agravada pela prioridade absoluta atribuída ao controle da inflação em detrimento da implementação de políticas sociais, um processo que está em franco descompasso com a redemocratização que implicou o aumento das demandas sociais e da participação popular.
A partir desse diagnóstico das causas da crise do Estado brasileiro, fica patente que o sucesso da reforma estatal não depende só do controle do déficit público e do aprimoramento técnico da administração pública. É necessário o fortalecimento dos mecanismos de representação e participação da sociedade, a ampliação e o aperfeiçoamento dos instrumentos de controle externo da burocracia e o estabelecimento de canais permanentes de negociação entre governo e sociedade civil. Só assim será possível legitimar as políticas públicas formuladas e garantir que elas sejam efetivamente implementadas e mantidas.

BIBLIOGRAFIA

4.1 ABRUCIO, Fernando Luiz. Os avanços e os dilemas do modelo pós-burocratico: a reforma da administração pública à luz da experiência internacional recente. In BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos e SPINK, Peter (org.). Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 1998.

4.2 ARAÚJO, Angela M. C. e TAPIA, Jorge R. B. Corporativismo e Neocorporativismo: o Exame de duas Trajetórias. BIB nº 32, 1991, pp. 1-39.

4.3 ARRETCHE, Marta T. S. Emergência e Desenvolvimento do Welfare State: Teorias Explicativas. BIB nº 39, 1995, pp. 3-40.

4.4 DINIZ, Eli. Crise, Reforma do Estado e Governabilidade. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 1996.

4.5 _____. Globalização, Ajuste e Reforma do Estado: um Balanço da Literatura Recente. BIB nº 45, 1998, pp. 3-24.

4.6 DRAIBE, Sônia e HENRIQUE, Wilnês. Welfare State, Crise e Gestão da Crise: um Balanço da Literatura Internacional. Revista Brasileira de Ciências Sociais nº 3, fevereiro de 1988, pp. 53-78.

4.7 GROTH, Terrie R. Conceptual Understandings of State Reform. “Prepared for delivery at the 1998 meeting of the Latin American Studies Association, The Palmer House Hilton Hotel, Chicago, Illinois, 24-26 de setembro de 1998

4.8 GRYNSZPAN, Mário. A Teoria das Elites e sua Genealogia Consagrada. BIB nº 41, 1996, pp.35-84.

4.9 PEREIRA, Carlos. Em Busca de um Novo Perfil Institucional do Estado: uma Revisão Crítica da Literatura Recente. BIB nº 44, pp. 81-102.

4.10 PIMENTA DE FARIA, Carlos Aurélio. Uma Genealogia das Teorias e Modelos do Estado de Bem-Estar Social. BIB nº 46, 1998, pp. 39-78.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento