O Fim do Monopólio do IRB

Foi sancionada no dia 15 de janeiro do corrente ano, com alguns vetos, a Lei Complementar nº 126/2007, que acaba com o monopólio do resseguro a cargo do IRB-Brasil Resseguros S.A, que ainda “fica autorizado a continuar exercendo suas atividades de resseguro e de retrocessão, independentemente de requerimento e autorização governamental, qualificando-se este instituto como ressegurador local,” ex vi legis, artigo 22 ( Disposições finais), do sobredito diploma legal.

Impende sublinhar, antes de se adentrar no tema propriamente dito, que a parte que disciplinava o seguro rural foi objeto de veto, sob o guante de que esta matéria já está sendo analisada, de forma mais abrangente, pelo Ministério da Agricultura.

Dessarte, para fins desta Lei Complementar, diz o seu artigo segundo, se consideram as figuras de “cedente”, “co-seguro”, “resseguro” e “retrocessão”, tal qual disciplinam os incisos I a IV deste dispositivo legal.

O Código Civil de 2002 só cuidou do co-seguro no artigo 761, quando diz que “quando o risco for assumido em co-seguro, a apólice indicará o segurador que administrará o contrato e representará os demais, para todos os seus efeitos”.

O co-seguro está previsto, também, no Decreto nº 60.459, de 13 de março de 1967, com suas alterações, que regulamentou o Decreto-Lei nº 73/66, que dispôs sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, objeto, também, de várias alterações em seus dispositivos legais, conforme se demonstrará nesta sucinta exposição.

O parágrafo único, do artigo quinto, do Decreto regulamentador, afirma que a apólice de seguro conterá os nomes de todas as cosseguradoras, destacando os valores da respectiva responsabilidade assumida, embora não enfatize a ausência de solidariedade entre elas, rectius, seguradoras, tal qual prevê, expressamente, o inciso II, do parágrafo 1º, do artigo 2º da novel Lei Complementar.

Destarte, a política de resseguro, retrocessão, co-seguro, contratações de seguro no exterior são objetos desta atual lei, inclusive alterando vários dispositivos insertos no Decreto-Lei nº73/66, na Lei 8.031/90, previstos em seu pórtico, além de prever em seu bojo expressa revogação, em seu último dispositivo legal, vale dizer, artigo 31, a algumas regras pertinentes ao tema referenciado no Sistema Nacional de Seguros Privados, bem como a Lei nº 9.932/99.

Preliminarmente, data vênia, do entendimento dos que pensam de modo diverso, sou favorável a “uma Codificação de toda a Legislação Securitária”, tal como venho preconizando desde a primeira edição de meu livro, em 1992, “O Seguro no Direito Brasileiro”, Síntese, página 45 e seguintes, hoje, na sua oitava tiragem.

Neste sentir, o Projeto de Lei 3555/2004, do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), sob a dinâmica Presidência do colega Ernesto Tzirulnik, trata de consolidar toda a matéria securitária em um único instrumento legal, exatamente, para facilitar a consulta e aplicação da legislação esparsa sobre o contrato de seguro, que, atualmente, é um verdadeiro cipoal legislativo para não usar a conhecida expressão legal, de “uma verdadeira colcha de retalhos.”

Aliás, esta Lei Complementar foi palco, também, de manifestação pública daquele Instituto, enviada aos Congressistas, por ocasião do PLC 249/2005.

Esta manifestação subscrita por integrantes do mencionado sodalício inicia dizendo, “que o maior e mais grave problema é que o texto deixa muito aberta a regulamentação para autoridades administrativas, esquecendo-se que no caso em tela não temos agências com independência como em outros setores.” (Sic, documento referenciado).

Diria eu, plagiando, em parte, o que dissera mestre Orlando Gomes, quando do advento da primeira Lei de Previdência Privada a de número 6.435/77, em palestra proferida no auditório do Gboex, no mesmo ano de edição daquela Lei, que o “conceito de certos institutos jurídicos utilizados pelo legislador é deplorável”. Tal acontece com a Lei Complementar em questão, rogando respeitosas vênias aos operadores deste novo texto legal.

O parágrafo1º, do artigo 2º, criou a figura do “cedente”, que é “a sociedade seguradora que contrata operação de resseguro ou o ressegurador que contrata operação de retrocessão”. Aqui, data vênia, reside uma imprecisão técnica de vez que a cessão é de seu próprio interesse e não do risco. Foi por isto, que alicerçado uma vez mais nos argumentos daquela manifestação pública exarada pelo IBDS, que se alvitrou a redação nos seguintes termos: “a seguradora que garante seu interesse por meio de resseguro ou o ressegurador que garante seu interesse por meio de retrocessão. De fato. O artigo 757 do novo Código Civil, disciplina que “o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados”.

No Capítulo que versa “Dos Resseguradores”, a nova legislação prevê a atuação de três espécies de resseguradores: local, admitido ou eventual.

O primeiro é aquele sediado no País, constituído sob a forma de sociedade anônima, tendo por objeto exclusivo a realização de operações de resseguro e retrocessão; o segundo é sediado no exterior, com escritório de representação no País, que tenha se cadastrado como tal no órgão fiscalizador de seguros a fim de realizar operações de resseguro e retrocessão; e o último, vale dizer, o eventual é a empresa resseguradora estrangeira sediada no exterior sem escritório de representação no País que, atendendo às exigências legais, tenha sido cadastrada como tal no órgão fiscalizador de seguros para realizar operações de resseguro e retrocessão.

O ressegurador local é aquele que se instala no país, com exigência de capital sujeito à supervisão e fiscalização do órgão regulador de seguros. De acordo com o artigo 11 da lei em comento, esta espécie de resseguro terá preferência de 60% de todas as operações de resseguros realizadas pelo mercado de seguros brasileiro, nos três primeiros anos e de 40% no período subseqüente. Ademais, como preceitua o parágrafo primeiro, do artigo nono, o operador local terá exclusividade para operar nos ramos de seguro de vida por sobrevivência e de previdência.

Por outra banda, o ressegurador admitido, com sede no exterior, deverá ter representação no país de origem, para subscrever resseguros locais e internacionais nos ramos em que pretenda operar no Brasil e que tenha dado início a tais operações no país de origem, há mais de cinco anos, tudo como determina o inciso I, do artigo sexto da lei em tela. E mais. Deverá ter capacidade financeira, ser portador de avaliação de solvência, ter procurador domiciliado no Brasil, além de outros requisitos fixados pelo órgão regulador de seguros brasileiro, tudo como se dessume da leitura dos cinco incisos do mencionado artigo sexto da lei em foco.

Por fim, o ressegurador eventual, com sede no exterior, também deverá obedecer aos mesmos critérios acima elencados, determinados pelo mencionado artigo sexto, quer para este, quer para o ressegurador admitido.

A taxa de fiscalização a ser paga pelos resseguradores locais e admitidos será estipulada na forma da lei, diz o artigo sétimo da Lei Complementar.

Dentro do Capítulo que trata “Dos Critérios Básicos de Cessão” há o artigo décimo, cuja redação é a seguinte:

“O órgão fiscalizador de seguros terá acesso a todos os contratos de resseguro e de retrocessão, inclusive os celebrados no exterior, sob pena de ser desconsiderada, para todos os efeitos, a existência do contrato de resseguro e de retrocessão”.

Quid iures deste dispositivo legal?

Para todos os efeitos de direito, data vênia, cuida-se de um dispositivo sem validade, despido, a meu sentir, de qualquer eficácia jurídica. Como o órgão fiscalizador terá acesso a todos os contratos de resseguro e de retrocessão celebrados no exterior?

Impende ressaltar, que no Capítulo subseqüente, que trata “Das Operações,” caberia um dispositivo que dispusesse que estes contratos, quer de resseguro, quer de retrocessão devem estar subordinados, até para estar em perfeita sintonia com o que se disse acima, à lei brasileira e à competência desta jurisdição, utilizando-se do juízo arbitral com sede no país, tal como prevê a “Carta Manifesto”, do IBDS.

Um outro dispositivo legal desta Lei Complementar, também, a meu juízo, pode gerar uma série de conflitos. Cuida-se do disposto no artigo 14, que se refere aos resseguradores e os seus retrocessionários não responderem diretamente perante o segurado, ficando as cedentes que emitiram o contrato inteiramente responsáveis por indenizá-los.

Em verdade, como conceituaram os subscritores daquele manifesto acima referenciado, vale dizer, do IBDS, “resseguro é a relação obrigacional pela qual a resseguradora, mediante o recebimento do prêmio, garante o interesse da seguradora contra os riscos próprios de sua atividade, decorrentes da celebração e execução de negócios de seguro”.

Louvando-me, outrossim, em ensinanças de Rubén S. Stiglitz, “cabe afirmar que el contrato de reaseguro se asienta en una suerte de “pacto de confianza’’, ya que el reasegurador confia al asegurador cedente la gestión e liquidación del siniestro. (In, Derecho de Seguros, Tomo III, 4ª edición, Ed. La Ley, 2004 Pág. 302).

Quanto à retrocessão o conceito adotado é o mesmo levando-se em conta que nesta a retrocedente garante o interesse da resseguradora contra os riscos próprios de sua atividade.

Dessarte, retornando o que se disse alhures em relação a não responsabilidade direta, quer dos resseguradores, quer dos retrocessionários, como se põem a questão alvitrada pelo novo Código Civil no que pertine a possibilidade da ação direta pela vítima do dano contra o segurador, prevista expressamente no parágrafo único do artigo 788 do Código Civil?.

Por fim, em razão até da recentíssima edição desta Lei Complementar, vale sublinhar, uma vez mais, que o seu artigo 27, outorgou nova redação a vários dispositivos insertos no Decreto-Lei número 73, de 21 de novembro de 1966, que se referem mais de perto ao tema versado, sem esquecer o disposto em seu artigo 29, que prevê uma vacatio legis de 180 dias para o Instituto de Resseguros do Brasil “se adequar às novas regras de negócios, operações de resseguro, renovação dos contratos de retrocessão, plano de contas, regras de tributação, controle dos negócios de retrocessão no exterior e demais aspectos provenientes da alteração do marco regulatório decorrente desta Lei Complementar”.

Segundo reportagem datada de 16 de Janeiro do corrente ano, o caderno finanças do Jornal “Valor Econômico”, em reportagem de Arnaldo Galvão, repórter de Brasília, diz: “O governo acredita que o ingresso de novos resseguradores e a maior liberdade para operar com resseguradores estrangeiros permitirá inovações e o desenvolvimento de produtos mais específicos e adequados, tanto para as seguradoras, quanto para empresas e para o consumidor. Nessa expectativa oficial a lei também vai dar mais eficiência às seguradoras, que terão ganhos com a possibilidade de diversificação. Isso significa acesso a resseguradores especializados, aumentando a capacidade de subscrição’’.

Oxalá, que o testemunho desta reportagem se concretize e que o mercado de seguros brasileiro seja mais competitivo aumentando cada vez mais seu crescimento no Produto Interno Bruto.

Eis aí, em síntese apertada, algumas considerações que julguei oportunas abordar neste ligeiro ensaio no dealbar desta nova lei.

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Voltaire Marensi
Advogado e Professor em Brasília.

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