Por Bruno Sá Freire Martins
O ano de 2011 vai ficar marcado na Previdência Social, como o ano em que se resolveu, por intermédio da ação dos Tribunais Superiores, uma das questões mais delicadas relativa à concessão de benefícios previdenciários, em especial o destinado aos dependentes do segurado falecido, no caso, a pensão por morte.
Nossa sociedade, nos últimos anos apresentou avanços significativos, permitindo que situações que até bem pouco tempo eram reprimidas com veemência, ante a enorme carga de pré-conceitos existentes em seu seio, passassem a ser reconhecidas não só de fato, mas, também como juridicamente possíveis, caso da natureza jurídica da união afetuosa entre pessoas do mesmo sexo.
No início do atual milênio a discussão atinente a existência de direito à pensão por morte por parte do companheiro do mesmo sexo supérstite, foi levada aos Tribunais pátrios, cabendo ao Juízo da 3ª Vara Federal de Porto Alegre, proferir decisão pioneira na Ação Civil Pública n. 2000.71.00.0009347-0, concedendo o benefício, no âmbito do Regime Geral de Previdência Social, não só no caso em julgamento, mas, também, estendendo seus efeitos às demais demandas administrativas existentes no mesmo sentido.
A importância, a repercussão e a magnitude da decisão proferida no douto Juízo federal, levaram o INSS a reconhecer, por intermédio de ato administrativo (Instrução Normativa), o direito a pensão por morte para aqueles que conviviam em união homoafetiva, desde que o (a) sobrevivente demonstrasse que o (a) falecido (a) contribuía efetivamente para o seu sustento.
Mesmo na esfera administrativa, depara-se com uma clássica hipótese de aplicação da Teoria Tridimensional do Direito, elaborada pelo mestre Miguel Reale Júnior, onde o fato (união homoafetiva) foi reconhecido pela sociedade como algo relevante (valor social) e consequentemente exigiu sua normatização (edição da norma).
É preciso destacar que a atitude da Autarquia Federal, apesar de louvável, ainda carregava em sim uma carga de desigualdade e ofensa à dignidade destas pessoas à medida que lhes reconhecia a condição de equiparado aos beneficiários de 1ª Classe, somente quando ocorresse a comprovação de que o segurado falecido contribuía financeiramente para o sustento do supérstite.
Exigências estas não aplicáveis aos casais heterossexuais que são considerados dependentes de primeira classe, devendo apenas provar a condição de cônjuge ou companheiro para usufruírem do benefício.
Durante todo este período tanto os Tribunais pátrios quanto a legislação atinente aos Regimes Próprios de Previdência Social, caminharam no sentido de reconhecer a condição de dependente para efeitos previdenciários para os companheiros do mesmo sexo e em igualdade de condições com os casais heterossexuais.
Até que o Supremo Tribunal Federal ao julgar, conjuntamente, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132, deu o primeiro e decisivo passo para solucionar definitivamente a questão, tanto na esfera previdenciária quanto para todo o ordenamento jurídico pátrio.
Inicialmente reconhecendo que o sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica.[1]
E que o caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa.[2]
Para ao final estabelecer, utilizando-se do instituto da Interpretação conforme a Constituição, que a união homoafetiva deve ser considerada como uma entidade familiar já que caracteriza uma das espécies de união estável previstas no artigo 1.723, do Código Civil brasileiro.
E agora, o Superior Tribunal de Justiça, reconheceu a possibilidade de que pessoas do mesmo sexo se habilitem para o casamento, aduzindo quepor consequência, o mesmo raciocínio utilizado, tanto pelo STJ quanto pelo STF, para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união estável, deve ser utilizado para lhes franquear a via do casamento civil, mesmo porque é a própria Constituição Federal que determina a facilitação da conversão da união estável em casamento (art. 226, § 3º).[3]
Estas decisões permitem às pessoas do mesmo sexo celebrar uniões estáveis ou mesmo casamento, sendo-lhe garantido, a partir de então, a condição de dependente de primeira classe na escala de futuros beneficiários da pensão por morte concedida e administrada pelo INSS, já que o artigo 16, da Lei n. 8.13/91 assim estabelece:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;
Da mesma forma ocorre no âmbito dos Regimes Próprios, já que estes, em regra, também definem em suas legislações a cônjuge e o companheiro (a), como dependentes de primeira classe.
As decisões proferidas pelas Cortes Superiores afastam de vez os homossexuais da condição de equiparados a cônjuge ou companheiros, passando estes a integrá-las efetivamente, proporcionando-lhe a concessão do benefício mediante a simples comprovação da existência de união estável ou casamento.
Tais decisões facilitarão a vida destas pessoas que não mais precisarão submeter-se ao constrangimento de ver seu pleito de pensão por morte, ou mesmo, de outros benefícios previdenciários negados.
Basta-lhes, apenas a apresentação das mesmas provas exigidas para o casal heterossexual, para que possam receber seus benefícios de forma vitalícia, garantindo-se, assim, o respeito a sua dignidade, independente de sua opção sexual, apregoado pela Constituição Federal.
Portanto, independente de convicções pessoais, o fato é que as decisões proferidas tanto pela Corte Suprema, quanto pelo Superior Tribunal de Justiça, ensejam a solução do conflito existente na relação Beneficiários/Previdência Social em decorrência da opção sexual do segurado falecido.
[1] Trecho da Ementa da ADIN n. 4.277. Rel. Min. Ayres Brito. STF
[2] Trecho da Ementa da ADIN n. 4.277. Rel. Min. Ayres Brito. STF.
[3] Trecho do voto do Min. Luiz Felipe Salomão no REsp n. 1.183.378-RS. STJ.
Bruno Sá Freire Martins é advogado e professor da Universidade de Cuiabá.