José Carlos Gobbis Pagliuca
A natureza delitiva e a personalidade de cada ofendido, bem como todas as circunstâncias da infração derivam em diferentes seqüelas à vitimização. Daí porque, temos as denominadas vitimização primária e vitimização secundária. A primária reflete as ações e conseqüências obtidas pela vítima no contato preliminar e inicial decorrente do delito, tais como temor, dano físico, social, psicológico ou econômico. Há, genericamente, em decorrência do delito, um choque emocional na vítima, expressado, mais das vezes, por aqueles sentimentos. A segunda espelha as resultantes dos delitos com o sistema policial e jurídico-penal do aparelhamento estatal diante da vítima. A vitimização secundária, infelizmente, por muitas vezes, se torna mais traumática que a experiência primária. Assim, ao invés de reduzir os impactos maléficos da infração, o Estado conduz o lesado a um ponto de maior estresse e insegurança, quiçá ainda, à total insegurança, não apenas material, mas também social, haja vista a indiferença do Estado frente aos seus jurisdicionados. O que seria para o lesado o ponto de partida para o resgate de seu bem jurídico ofendido, pode tornar-se mais um dissabor, desgaste físico ou moral e por que não, mais uma vez econômico. Por isso, as vítimas devem ser tratadas pelos órgãos responsáveis por sua interpelação, duma forma onde a vitimização secundária seja repelida ao máximo. Diante disso, uma série de requisitos deveria, mas não é, ser adotada pelo Estado, mediante treinamento e implementação efetiva de seus servidores, de forma a evitar qualquer dano adicional à pessoa da vítima. Dentre esses meios, não tão difíceis, têm-se, p. ex., informações de como receber assistência pública ou privada material, psicológica ou médica; noticiar os direitos inerentes ao seu estado passivo e modo de obter a reparação do delinqüente e até mesmo do Estado. Ademais, modernamente, com a edição de leis mais flexíveis quanto ao isso, muito está aquém, como visto na prática, a correta informação à vítima de como proceder. Tirante isso, poder-se-ia estabelecer certas regras de condutas, tanto para a Polícia como para o Poder Judiciário, a fim de reduzir os impactos decorrentes da vitimização primária, a fim de evitar, por consequência, a vitimização secundária, mormente em delitos considerados de lesividade econômica ou psicológica exacerbada, que, certamente, afligem de modo superior o comportamento da pessoa prejudicada. Não raro serem as vítimas objeto de tratamento desprezivo, irônico ou até mesmo suspeito por parte dos agentes e suas autoridades. Há, infelizmente, um despreparo técnico e psicológico dessas pessoas para o exercício de seus misteres, muitas vezes manchando todo trabalho até então bem produzido por outras pessoas intervenientes.
Não há dúvida que para a Polícia incumbe, papel-chave em primeiro plano, a assistência às vítimas, mesmo porque, além do tratamento penal do fato, claro está que a situação implica num reconhecimento implícito do direito reconhecido pelo Estado-assistência (Providência), decorrente da solidariedade do Governo, haja vista sua tarefa constitucional que é o bem-comum, como expressamente traz o artigo 3º, IV da Constituição da República. É pois, o que se denomina papel “doce” da polícia.
Sem embargo do tratamento humano e digno para a pessoa, o mau atendimento da vítima, não poucas vezes leva ao fracasso da investigação e repressão à delinqüência, já que a informação preliminar pode derivar duma obtenção por forma errônea, precipitada ou decorrente da situação na qual a vítima foi colocada que a inibe ou impede de direcionar fatores relevantes para a persecução penal. Aliás, isso é muito comum hoje em dia, em vista da total ineficiência estatal para a securidade social, levando ainda, em número considerável, pessoas a não comparecerem sequer para comunicarem os fatos dos quais foram vítimas. A acolhida policial, como “front” do ofendido com a realidade do fato criminoso é de curial relevância, pois deve complementar todo o sofrimento decorrente do crime, e, psicologicamente, é importantíssima, já que, na verdade, possibilitará a avaliação de como seus governantes preocupam-se com sua individualidade social. Ademais, uma assistência eficiente eleva as possibilidades do ofendido retomar o controle de suas atividades e voltar ao seu normal posicionamento. É indiscutível que o Poder Público afeto à segurança e jurisdcionalidade deve compreender as consequências da vitimização e as seqüelas materiais e morais decorrentes das infrações. Não apenas o treinamento pessoal deve ser considerado, como também as instalações físicas das repartições devem preencher formas capazes de fomentar uma acolhida digna, demonstrando, mais uma vez, a importância da pessoa humana perante o Estado. Além de todo esse aparato pessoal e material, imprescindível o acompanhamento da vítima pós-delito e pós- comunicação da infração, informando-a de como proceder em casos de subtração de documentos, veículos, obtenção de seguros, possibilidade de assistência jurídica, etc. Tudo isso, porque o ofendido chega, após sofrer o delito, ao abismo do desconhecido ,e, por sua vontade, corretamente não estaria naquela situação. Assim, nunca poderia adivinhar ou supor como, realmente, proceder, senão à idéia de, o mais rápido, comunicar ao policial mais próximo possível da sua dificuldade. A repartição policial é a última fronteira para a pessoa desesperada pela sujeição passiva ao delito, devendo, ao sair dali, estar renovada, ao menos moralmente, pela ideal assistência estatal, devendo, quando retornar para complementar a investigação ou mesmo já em prédio forense, perceber que sua situação foi um evento naturalístico, mas alguém esteve preocupando-se com sua recomposição.
São Paulo,04 de dezembro de 1999.
José Carlos Gobbis Pagliuca é Promotor de Justiça em São Paulo.