por Luiza Nagib Eluf
Todo final de ano, o Presidente da República assina um decreto de indulto que tem a finalidade de agraciar prisioneiros com o encurtamento de suas penas, extinguindo-se antecipadamente a punibilidade dos beneficiados.
O instituto tem origens na Roma antiga. Os imperadores praticavam-no com freqüência, para abrandar os excessivos rigores das penas dos crimes comuns, principalmente no que se referia à pena de morte. Na história do direito penal brasileiro, vê-se o imperador D. Pedro II aplicar sistematicamente o perdão com relação à pena de morte, que era imposta, mas não era executada, sendo convertida em galés perpétuas. Assim, o indulto e a graça eram utilizados para premiar um sentenciado exemplar ou para induzir modificações legais.
Atualmente, o indulto perdeu suas características originais. Embora a motivação continue a ser, aparentemente, o perdão para situações peculiares, em razão dos sentimentos despertados pelo período de Natal, o indulto passou a ter como objetivo principal o esvaziamento dos presídios. Por essa razão, mesmo com o crescimento da criminalidade de forma assustadora, a tendência dos decretos de indulto tem sido a de aumentar sua abrangência, a fim de que cada vez mais presidiários possam ser colocados na rua.
Nesse passo, o Decreto número 5.295, de 2 de dezembro de 2004, concede indulto condicional aos condenados a reprimenda não superior a seis anos, que já tenham cumprido um terço da pena, se não reincidentes, e metade da pena, se reincidentes. Da mesma forma, poderão ser agraciados com a extinção da punibilidade antecipada os condenados a pena superior a seis anos (portanto, a qualquer pena), desde que tenham completado 60 anos; os condenados que estejam cumprindo pena em regime semi-aberto e tenham usufruído de, no mínimo, cinco saídas temporárias; as mães de filhos menores de 14 anos que necessitem de cuidados; os paraplégicos, tetraplégicos ou portadores de cegueira total, desde que tais condições não sejam anteriores à prática de delito; os acometidos de doença grave permanente que exija cuidados contínuos.
O Decreto de Indulto não beneficia os condenados por crime hediondo, praticado após a edição da Lei correspondente, ou seja, 25 de julho de 1990, e os condenados por crime de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de entorpecente.
Algumas observações merecem ser feitas com relação ao Decreto de 2004.
Embora o instituto do indulto esteja solidamente incorporado à nossa tradição, a tendência liberalizante não condiz com a realidade social que somos obrigados a enfrentar no cotidiano. A cada dia que passa, aumentam os crimes praticados com violência e mediante emprego de arma de fogo. Recente campanha do governo federal pelo desarmamento da população mostrou a importância de impedir o uso ou mesmo o porte de arma indiscriminados. No entanto, o último decreto de indulto pode ter beneficiado autores de roubo a mão armada, pois a pena mínima prevista para esse tipo de delito é de cinco anos e quatro meses – menos de seis anos. A prudência recomendaria que assaltantes não fossem beneficiados.
Outro ponto delicado do decreto refere-se à possibilidade de indulto ao condenado, cumprindo pena em regime semi-aberto, que tenha obtido autorização para cinco saídas temporárias. Esse critério, que já havia sido adotado no Decreto de 2002 e foi retirado em 2003, talvez não devesse ter sido novamente estabelecido. Sua recuperação, no presente momento, é arriscada, em termos de segurança social. A autorização para as saídas temporárias é dada pelo diretor do presídio e não pelo Poder Judiciário. Uma vez cumprido o requisito das cinco saídas, o preso passará, automaticamente, a pleitear indulto. Teremos de observar com atenção como essa hipótese de benefício funcionará, na prática. Se já não deu certo uma vez, é muito provável que ocorram problemas.
No entanto, também há inovações interessantes no Decreto, como o “indulto de gênero”. As mães de filhos menores de 14 anos seriam merecedoras do perdão, para cuidar deles. Com a devida licença dos que entendem ser despropositado o benefício, acho-o perfeitamente justificável. Filhos abandonados podem transformar-se nos criminosos de amanhã.
Certa vez, tive nas mãos o caso de uma senhora que havia matado o marido e fora condenada a 13 anos de reclusão pelo Tribunal do Júri, decisão confirmada em segunda instância. A meu ver, tratou-se de erro judiciário, pois ela agiu, claramente, em legítima defesa, e o assunto foi encaminhado para revisão criminal.
A condenada tinha dois filhos ainda crianças, que estavam completamente abandonados, pois o pai morrera e a mãe estava encarcerada. Não havia parentes. Ela escreveu cartas, de próprio punho, pedindo encarecidamente para sair da prisão e cuidar dos filhos, que se tornaram moradores de rua. Na época, porém, não existia previsão de indulto para as mães e não houve como solucionar a situação, de imediato.
A concessão de indulto deve ser analisada caso a caso. O problema da superpopulação carcerária é preocupação de todos e providências que possam auxiliar na resolução do impasse hoje criado são importantes. No entanto, os benefícios durante o cumprimento de pena precisarão ser cuidadosamente analisados pela Justiça para não se aumentar o risco de insegurança social.
A construção de novos estabelecimentos penais é imperiosa, por mais que se façam concessões no sistema de punição de criminosos. A criação de novas vagas para delinqüentes perigosos deve acompanhar o crescimento populacional, lançando-se mão da privatização de presídios, se não houver outra saída. Além disso, é preciso cuidar da colocação profissional do egresso, para evitar a reincidência.
A legislação já foi bastante liberalizada, com a inovação trazida pelas penas alternativas e a instituição dos Juizados Especiais Criminais. Hoje, para ser condenado a pena de reclusão, um criminoso tem de fazer bastante esforço. Precisa usar de muita violência, matar, seqüestrar, estuprar. Não há mais delinqüentes de pequeno potencial ofensivo cumprindo pena em regime fechado. No entanto, os que conseguiram ser presos e encontram-se condenados por crimes terríveis precisam continuar apartados do convívio social. Nenhum perdão pode beneficiá-los.
Revista Consultor Jurídico, 11 de Janeiro de 2005