O interrogatório e a confissão no processo penal

I – O interrogatório

“O interrogatório é concomitantemente meio de prova e meio de defesa, pois enquanto o acusado se defende, não deixa de ministrar ao Juiz, elementos úteis à apuração da verdade, seja pelo confronto com provas existentes, seja por circunstâncias e particularidades das próprias declarações que presta”.

Quando o réu confessa, ele pode estar fazendo falsa confissão, pode ter motivos que o próprio juiz desconheça e o judiciário, não poderia aquiescer com essa confissão não verdadeira, não autêntica.

E por quê? Porque a segurança do Direito, a segurança de um processo, precisaria ser preservada a qualquer preço. Dessa forma, começamos a verificar desde o início de uma produção de prova até a confissão e sobretudo os fundamentos desse ato.

Sabemos da violência que ainda campeia nesse momento na investigação criminal, a qual é uma tônica no processo criminal brasileiro, pela sua importância, pois de um lado, estamos investigando o crime e, de outro, o cidadão com seus direitos e garantias individuais.

Este confronto, até que ponto o judiciário e os profissionais do direito, de um modo geral, poderiam resolver? Seria o choque do individual com o coletivo e mais ainda, qual seria o aspecto a predominar?

O interrogatório no Tribunal do Júri é um momento muito especial, pois é o único ato processual de instrução, obrigatoriamente realizado perante os jurados, na medida em que, a inquirição de testemunhas e a leitura de peças seriam também outros atos de instrução diretamente diante do juiz, normalmente não são utilizados ou se são, poderiam não ter o alcance desejado ou porque a testemunha falta e para não adiar o julgamento, a parte dispensa a sua inquirição, ou porque não se quer cansar demais os jurados com a leitura de uma ou várias peças.

O interrogatório acaba sendo o ato de instrução efetivamente realizado em todos os julgamentos, perante os jurados.

De forma que é um momento em que aquele que vai julgar tem contato com o que vai ser julgado e todos os gestos, feições e palavras são observados fielmente e anotados pelo julgador, mormente o julgador leigo, porque este, talvez até por ser leigo, ou julgar com seu bom senso, ou julgar com a sua experiência de vida, com seu conhecimento de mundo, não tem muitas vezes, o preconceito do magistrado togado. Muitas vezes, o juiz leigo não leva ao réu, aquele preconceito de que todos os acusados mentem, ou de que, todos os acusados se retratam em juízo para conseguir uma sentença de absolvição.

Observamos que o jurado busca dar a chance àquele que se apresenta diante dele, normalmente com humildade, para que essa pessoa possa externar a sua posição, possa contar a sua história, possa contar a sua versão. Esse contato é essencial e fundamental no Tribunal do Júri.

Dessa maneira, quando o réu dá a sua versão e pede aos jurados também um provimento, ele levanta uma tese (recentemente, com a modificação do Código de Processo Penal, o juiz togado é obrigado a fazer quesito específico sobre a tese apresentada pelo réu), observamos que há casos em que os jurados querem absolver, querem atender aos reclamos do réu, ainda que as partes tenham postulado ao contrário.

Dessa forma, o julgamento à revelia, no Tribunal do Júri, parece algo não desejado. O réu deve estar presente em plenário, deve apresentar a sua versão, deve ser ouvido por aquele que não tem experiência jurídica mas tem experiência de vida, até porque justifica a existência do Tribunal do Júri.

Os crimes de homicídio são da competência do Tribunal do Júri, justamente porque fazem parte de uma natureza específica; por exemplo: o matar, o tirar a vida, é algo que o legislador considera peculiar, diferente dos demais delitos, porque todos nós somos suscetíveis de cometer um ato brutal, num momento de perturbação, num momento de desequilíbrio, ainda que momentâneo.

“A finalidade do interrogatório é tríplice: a) facultar ao magistrado o conhecimento do caráter, da índole, dos sentimentos do acusado: em suma, compreender-lhe a personalidade; b) transmitir ao julgador a versão, que, do acontecimento, dá, sincera ou tendenciosamente, o inculpado, com a menção dos elementos, de que o último dispõe, ou pretende dispor, para convencer da idoneidade da sua versão; c) verificar as reações do acusado, ao lhe ser dada diretamente, pelo Juiz, a ciência do que os autos encerram contra ele. Aí está porque se costume dizer, e muito razoavelmente, que o interrogatório é uma fonte de prova”.

Somente a sociedade, no entender do legislador, deveria e poderia conhecer os meandros da natureza humana e julgar seus semelhantes nestes casos.

II – A presença do réu

Dessa maneira, retirar dos jurados, a possibilidade de ver a face de quem eles estão julgando, de ter esse contato direto, é grave prejuízo à ampla defesa do réu e também grave prejuízo à instrução do processo no plenário do Tribunal do Júri, de acordo com as peculiaridades que ele possui.

E mais, observamos essa preocupação do legislador, quando editou a lei 9.271/96, dizendo que os processos, cujo réu for citado por edital, portanto citação ficta, deverão ser suspensos pelo magistrados, não poderão prosseguir, até que o réu seja pessoalmente cientificado da ação penal.

Antes mesmo de pensarmos em subtrair do júri essa possibilidade de contato pessoal com o réu, devemos pensar que o legislador quer que o próprio juiz togado tenha oportunidade de dar ciência, através do oficial de justiça, do processo penal contra alguém, para que esse alguém possa se apresentar em juízo, dando diretamente ao magistrado a sua versão. É o princípio básico de autodefesa, que é garantido pela maior parte das legislações modernas.

A ausência do réu não é um benefício para a busca da verdade e sim um prejuízo a um princípio amplo de defesa e como um prejuízo a um princípio mais amplo de instrução no plenário.

Esse contato do réu com o julgador, merece ser feito exclusivamente entre o juiz e o acusado, porque adotamos no Brasil o interrogatório, que é um meio eminentemente de defesa e secundariamente um meio de prova, ainda que o seja, porém, ele somente será meio de prova se o réu quiser falar. Se o réu ficar calado, será eminentemente um ato de defesa; dessa maneira, sendo primordialmente um ato de defesa, não seria cabível que as partes perguntassem ao réu, por uma razão muito simples: se o promotor, eventualmente fizer uma pergunta mais agressiva, naquele momento de tensão para o réu, ou mesmo capciosa, teríamos uma possibilidade do acusado incidir na confissão involuntária e, a confissão involuntária seria de todo indesejável.

O Código Penal Espanhol, de 1995, em seu art. 392 diz: “Quando o processado recuse a responder, ou se finja de louco, surdo ou mudo, o juiz instrutor lhe advertirá que, não obstante seu silêncio, e sua simulada doença, continuará a instrução do processo”.

De outra maneira, a defesa poderia, numa pergunta menos prudente, levar o próprio cliente a uma involuntária confissão, o que é até admissível no processo civil mas totalmente inaceitável no processo criminal, quando a confissão deve ser um ato voluntário, desejável realmente pelo acusado ou por aquele que está prestando o seu depoimento.

III – Os jurados

Isso no tocante às partes; agora no tocante aos jurados, que hoje já acontece, ou seja, que o juiz deve dirigir ao acusado (o juiz deve ser uma pessoa que vai buscar auxiliar o réu nesse momento difícil, para que ele forneça a sua versão mais amplamente possível), logo o juiz não é uma peça que vai lançar o réu num momento difícil e nem induzi-lo e levá-lo à confissão.

Sob essa visão, o juiz deve guardar todos esses cuidados. Será que o jurado guarda? A experiência tem demonstrado que sim; o jurado guarda essa cautela. O jurado, quando faz a pergunta, faz realmente tentando saber algo mais sobre o processo e, em absoluto, o jurado faz uma pergunta que possa levar o réu a uma situação embaraçosa ou mesmo a uma confissão involuntária. Essas perguntas feitas pelo juiz e pelos jurados, diretamente, são de um ponto de vista, salutares, mas não são, no tocante às partes.

“A decisão dos jurados, decorrente da votação do questionário, pode representar, com atenção à classificação penal homologada pela decisão de pronúncia, solução de improcedência total do libelo, ou do acatamento, total ou parcial, do mesmo, ou solução desclassificatória (própria ou imprópria)”.

“O encontro da vontade do Conselho de Sentença decorre da identificação da vontade da maioria dos jurados, expressada na votação isolada dos quesitos e na votação inteira do questionário”.

IV – As testemunhas

Testemunha é a pessoa que, perante o Juiz, declara o que sabe acerca dos fatos sobre os quais se litiga no processo penal.

A ciência da testemunha lhe é dada por seus sentidos, principalmente a vista e a audição, não se excluindo, entretanto, os outros pois, em determinados casos, o paladar, o olfato e o tato lhe podem fornecer o conhecimento de um fato.

É dos mais discutidos o valor do testemunho humano, sabido que nossos sentidos, freqüentemente nos iludem. Influem ainda diversamente a capacidade de observação e a memória, já não se falando na mendacidade que freqüentemente vicia o depoimento.

“Falível que é o testemunho, sujeito a vícios que o deturpam, deve merecer toda a cautela do Juiz, não apenas quanto ao conteúdo, mas também quanto à idoneidade de quem o presta, o modo por que o faz etc.”

Ainda com relação à fase instrutória que se realiza em plenário, no tocante às testemunhas, que são atualmente perguntadas diretamente pelas partes, nesse campo, em se tratando de testemunha, pessoa compromissada a dizer a verdade, portanto vinculada a um parâmetro diferente do parâmetro que possui o réu, é válido esse sistema, mesmo porque o Tribunal do Júri brasileiro guarda uma conotação muito grande com o sistema acusatório, que é tipicamente realizado diretamente pelas partes, fazendo perguntas às testemunhas, e portanto é positivo as partes pressionarem a testemunha a contar a verdade, a fazê-la incidir numa confissão, desde que a confissão seja fruto de uma inverdade e o juiz deve ser apenas o árbitro dessas perguntas, para que a testemunha não seja indevidamente pressionada ou coagida.

Mas de um modo geral, as partes devem perguntar diretamente à testemunha, porém não há como perguntar diretamente ao acusado.

Em nosso sistema, as perguntas são feitas diretamente pelo juiz; há uma indignação em nosso sistema, quando as perguntas são feitas por intermédio do juiz. A parte, numa audiência, dirige ao juiz uma pergunta e este, se volta à testemunha e faz a mesma pergunta; a testemunha então, incrédula, se volta ao perguntador original e começa a responder, quando é advertida pelo juiz, dizendo que não deve responder a quem fez a pergunta e sim a ele, juiz.

Então, a testemunha acaba ficando sem saber efetivamente quem quer fazer a indagação; essa é uma característica do sistema misto, que durante a instrução concentra na figura do juiz a possibilidade das perguntas mas que, no Tribunal do Júri, de uma maneira salutar, impede que isto aconteça, não gerando a situação de constrangimento, onde a pergunta é dirigida diretamente à testemunha e a resposta volta a quem perguntou.

V – A confissão

“Confissão é a declaração ou admissão, pelo acusado, do crime que praticou”.

A confissão, como atenuante, comporta duas posições: aqueles que defendem que a confissão deve ser voluntária e por isso ela já deve ser considerada uma atenuante; outros defendem que, além da voluntariedade, ela deveria ser espontânea, fazendo, em Direito Penal uma diferença entre voluntariedade e espontaneidade.

Voluntário é aquele que é feito livre de coação, livre de qualquer pressão, desejado pelo indivíduo, mas não necessariamente espontâneo, não de modo sincero, de modo íntimo que demonstre sinceridade no arrependimento. Então dentro dessa concepção, uma primeira corrente defende que a confissão deva ser voluntária.

Uma segunda corrente que parece, salvo melhor juízo, ser predominante, entende que a confissão deva ser, além de voluntária, espontânea.

Quando o réu confessa e depois volta atrás, que é um direito dele, retrata-se, portanto renega aquela confissão, ele não mostra mais sua espontaneidade de colaborar com a justiça e, com isso, ele não mereceria o benefício da atenuante da confissão espontânea.

Na realidade, a lei 9.099/95 teve por fim conceder ao acusado a vantagem de não sofrer, de não se submeter a um processo, que para a maioria da pessoas é uma pressão muito grande, processo que para muitas pessoas seria algo mais sério que a pena e a finalidade da pena. O réu poderá estar reeducado, pelo simples fato de ser chamado a juízo, defrontar-se com o promotor de justiça e o juiz e naquele instante, ele dar-se por satisfeito em receber do Estado uma punição; mesmo porque essa punição, no seu entender, na medida em que foi chamado regularmente, apresentou-se e teve direito a uma defesa técnica, apenas ele não quis mitigar.

Pela gravidade do ato praticado, o desenrolar do processo, seria uma punição maior do que a própria pena afinal. Então neste sentido, a sociedade sairia ganhando, porque o devido processo legal em si, representaria a possibilidade real de defesa e que é garantido pela lei 9.099/95.

Às vezes nem o réu sabe se é inocente; um acidente automobilístico, o réu é chamado apenas porque a outra parte é a vítima mas, poderia ter sido ele a vítima e o outro ser chamado como réu. As coisas às vezes se desenrolam no processo, nem a parte que está envolvida sabe ao certo se foi mais ou menos imprudente que a outra parte.

Até a própria verdade é um conceito relativo, parece salutar, pois em questões menores, deixar a oportunidade do réu para que ele possa admitir a punição, mas que afaste de si a dificuldade, o peso de um processo.

Um dos fundamentos da confissão é o alívio interior; esta situação mostra que muitos réus confessam, apenas e tão somente para afastar o peso de um processo. Ele, durante a lide penal, se sente tão pressionado, tão amargurado, pelos familiares, por aquela posição que o processo traz, especialmente ao homem de bem, que ele acaba confessando, mesmo sendo inocente.

Na delegacia de polícia deveria haver um profissional que submetesse o suspeito, antes de ser acusado, a um teste psicológico, para ser avaliado se é uma pessoa emocionalmente fraca ou não, de capacitação para entender perguntas técnicas que serão feitas e sobretudo apurar as pessoas depressivas e emocionalmente perturbadas por natureza, que, quando colocadas em interrogatório, aumentam esse estado depressivo, podendo isso levá-las a erros ou a um não entendimento das perguntas e confessar algo que não cometeram.

Na confissão qualificada, que é aquela que o indivíduo admite a autoria, justamente para poder alegar a excludente em seu benefício, o indivíduo, ao reconhecer a autoria, clamar a excludente, ele não retira o ônus da prova da acusação de provar a sua autoria.

A situação ficaria extremamente delicada para o réu: ele diz que é o autor, para poder pleitear um benefício e se isto realmente exonerasse a acusação em provar a autoria, estaria invertendo-se indevidamente o ônus da prova, fazendo com que o réu ficasse com o encargo de provar não só a autoria, mas também a excludente.

O juiz deve ter a cautela de não só admitir a argumentação, se for o autor, para poder levar em conta o benefício, mas ainda mantendo o ônus da prova da autoria para a acusação.

VI – A prescrição e sua suspensão

A lei 9.271/96 traz elementos de ordem processual, de ordem penal. Dessa maneira, nada impediria que houvesse uma aplicação atual dos elementos de ordem processual, ou seja, da parte que beneficiasse o acusado, como a suspensão: o réu é citado devidamente, o fato praticado anteriormente à vigência da lei, sem dúvida, a aplicação seria imediata, até porque é benefício para ele não ser processado sem o conhecimento, portanto, sem ampla defesa.

Na parte penal que a lei abrange, seria no caso a prescrição, a suspensão da prescrição, não há dúvida que não deve ser aplicada, tendo em vista fato anterior à lei, porque de fato é um prejuízo ao acusado.

Entretanto, o que se observa atualmente é que, a tendência da doutrina é posicionar-se pela não possibilidade de uma suspensão da prescrição ad infinitum, ou seja, que a prescrição ficasse efetivamente suspensa sem um prazo. Ao que parece, a doutrina está se aproximando no sentido de que os únicos dois crimes imprescritíveis, racismo e terrorismo, sejam as únicas hipóteses de fato imprescritíveis, as demais não poderiam ser abrangidas por uma lei ordinária.

De modo que a lei 9.271/96, na parte que diz que a suspensão fica prescrita, e o fez de modo a não possibilitar uma interpretação de “prescrever” porque ela diz “suspende”, não deu prazo e supõe-se ser indefinidamente mas, pela regra geral do sistema, isso seria impossível acontecer, de modo que acabaria prescrevendo também.

Mas ainda assim, como se trata de uma questão não só controversa, mas também que não se chegou a um prazo de prescrição, qual seria esse prazo? Parece que não seria aplicada na parte que implica aspecto penal, se o fato é ulterior à lei 9.271/96 e nada havendo contra, faz-se essa diferença, analisando a mesma lei, aplicando o instituto presentemente em instituto penal.

Para Bento de Faria, a confissão, ainda que tenha nascido de uma maneira indevida, mas que depois ela tenha apontado elementos místicos, tais como um auto de apreensão de uma coisa roubada ou furtada, o juiz poderia desprezar aquela parte inicial ilícita, extraída sob tortura ou sob coação e considerar como prova, para condenação, a segunda parte, que seria o auto de apreensão naquela presunção, que foi criada pelos tribunais de que, se uma pessoa é encontrada com a res furtiva ela tem que dizer porque está com a coisa em seu poder, ela tem que dar a prova de que não é roubada.

De qualquer maneira, o auto de apreensão seria suficiente, as testemunhas que a acompanharam até o local poderiam testemunhar, enfim, todo o complexo que adviria após aquela confissão ilícita, seria lícito.

VII – A confissão na polícia e no júri

A confissão na Polícia, é classificada como um indício, não como uma prova direta, porém, o indício é uma prova, ainda que indireta, é uma prova aceita pelo Código de Processo Penal; logo, se o juiz desprezar a retratação em juízo, o que realmente pode fazer, dando valor à prova obtida na Polícia, ainda que indiciária, mas dando valor a ela por crer que ela é a versão mais legítima do que realmente aconteceu, neste caso o réu deve ser beneficiado.

Se o juiz acreditou na sua versão e naquela ocasião havia uma espontaneidade, parece que deve, apesar de ter-se retratado em juízo, ser merecedor de uma atenuante.

VIII – O voto dos jurados – art. 14 C.F.

O voto dos jurados é confundido por alguns, como um voto para a população exercer a sua soberania, para exercer seus direitos políticos.

A inclusão do júri no rol dos momentos nos quais a população deveria exercer de modo mais expresso a sua soberania, pelo art. 14 da Constituição Federal, parece que não seria o local adequado para colocar a instituição do júri.

Em primeiro lugar porque esse capítulo, destinado aos direitos políticos parece concernente muito mais ao direito de ser eleito, de eleger e portanto de participação na vida política e institucional do país, do que propriamente da vida judiciária, das decisões jurisdicionais.

Tendo em vista a separação dos poderes, o Judiciário é o único poder que está fora desta análise por sufrágio popular, por análise através do voto, ainda que isto seja discutível, ainda que um dia isso provavelmente venha a ser feito, mas o fato é que o poder Judiciário está fora dessa análise feita diretamente pela população.

As decisões do Judiciário têm todo um contorno jurisdicional e elas são apenas legitimadas pela população mas não referendadas pela população, como no caso através do voto e, quando o Judiciário decide, ele tem uma função jurisdicional, incompatível com a função política tratada no capítulo 4º do art. 14 da Constituição Federal, que significaria um exercício de cidadania maior, avesso à instituição do Judiciário e o júri, por natureza é um órgão do poder Judiciário, ainda que o legislador tenha tido o cuidado de colocá-lo nos direitos individuais.

Por outro lado, os jurados ao decidirem pelo voto direto e secreto, não deixam eventualmente de exercer o direito a um voto, mas um voto sobre outra conotação, um voto jurisdicional, um voto que seria equiparado ao de um juiz de segundo grau, um voto que tem uma conotação de composição de uma lide e não de uma satisfação de competir e por essas razões, a instituição do júri não ficaria bem enfocada no art. 14 acima referido.

“… é possível dizer que são auxiliares da Justiça todas aquelas pessoas que de alguma forma participam da movimentação do processo, sob a autoridade do juiz, colaborando com este para tornar possível a prestação jurisdicional; considerando que os sujeitos principais do processo são necessariamente três (Estado, autor, réu), os auxiliares são pessoas que, ao lado do juiz, agem em nome do Estado no processo para a prestação do serviço às partes litigantes”.

IX – A imprensa no Tribunal do Júri

De outra parte, o problema do avanço da imprensa e do Tribunal do Júri é uma questão bastante polêmica, pois o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem um provimento, datado de 1942, que veda qualquer acesso da imprensa ao plenário do Tribunal do Júri.

Porém, com o avanço das instituições e com as novas constituições que vieram após esse provimento e sobretudo com a tão apregoada liberdade de imprensa e o direito do cidadão de acompanhar a vida pública de um modo geral, a imprensa começou a “exigir” a sua participação numa decisão, que não deixa de ser pública, a portas abertas para que todos possam acompanhar.

Ai surgiu o impasse: alguns juizes vedando esse acesso em nome do direito à imagem do acusado que está em julgamento e outros juizes, permitiram em nome da liberdade de imprensa.

A composição parece razoável se for feita com a concordância das partes presentes. Sendo o julgamento público, onde qualquer pessoa pode acompanhar, a notícia pode ser dada, desde que evidentemente não ofenda a pessoa e que seja uma notícia imparcial, sem juízo de valor atrelado a ela, parece que, se o juiz contar com o aval das partes em jogo, desde o réu, passando pelo. seu defensor e também pelo promotor de justiça, a imprensa poderia ter acesso ao Tribunal do Júri.

Por outro lado, não parece cabível uma ação para impedir esse acesso, na medida em que não só a polícia dos trabalhos em plenário compete ao juiz fazer, pois todos que estão naquele recinto estão sob sua autoridade direta, mas também, porque se o juiz não extravasar essa sua competência, porque aí caberia até, se fosse o caso, um mandado de segurança junto ao tribunal superior, mas não uma ação direta, então nesse caso não se vê uma ação do ministério público, mormente porque o ministério público teria concordado. O ministério público sendo uno, não iria, concordando de um lado, por outro lado, ajuizar uma demanda.

X – A imagem do réu

Uma vez que haja concordância, onde o cidadão possa abrir mão desse direito à imagem, permitir que sua imagem seja cultuada, evidente que desde que o faça de modo imparcial, não seja uma veiculação nociva, não há prejuízo a ninguém poder utilizar uma ação de uso da imagem.

Por outro lado, a notícia uma vez dada, ela dificilmente é relatada como inverídica, não só porque a imprensa tem o hábito de colocar suas erratas em notas minúsculas para a reparação do dano, o que seria inócuo, o destaque dado pena notícia nociva não é compensado pela reparação, mas também, porque sabemos que, uma vez veiculada uma notícia como tal, jamais vai ser reparada para todas as pessoas que tomaram ciência daquela notícia.

É uma situação muito difícil; uma vez que aconteça, caberá a reparação, sem dúvida nenhuma, por dano material e por dano moral.

No mais, antes da pessoa saber qual é a notícia que vai ser dada, não é cabível a censura, porque neste caso estaríamos retrocedendo; então, a imprensa teria a sua liberdade garantida ao publicar mas, responderia por isso, posteriormente.

Não se vislumbra, por ora, mecanismo intermediário, ou seja, algo que impedisse aquela veiculação nociva, sem que fosse violada a liberdade de imprensa; parece que a questão tem que ser resolvida no dano material e moral.

Entretanto, tivemos no Brasil um caso concreto: quando a TV Manchete quis exibir uma novela, retratando o impeachment do presidente Collor e o presidente ingressou com mandado de segurança, foi concedida liminar no mérito e foi dado ganho de causa, no sentido de não exibir a novela, porque, diante das chamadas exibidas na TV, percebia claramente que haveria um dano à imagem.

O direito de informação poderia ou não se sobrepor ao direito individual? — É uma questão tormentosa e o equilíbrio deve ser buscado. No livro Direito à Imagem, de Luiz Alberto David Araújo, são mencionadas uma série de situações e restrições em que a liberdade de imprensa deve ser cerceada, ou mesmo, o direito à imagem deve ser cerceado, como no caso de segurança nacional, de saúde pública e questões do interesse do Judiciário.

“Logo, o noticiário não pode ser cerceado pelo direito à imagem, se a pessoa faz parte do mundo, ela poderá ser fotografada em certo local e até mesmo ao lado de uma batida policial e aquela foto ser publicada no jornal e a pessoa não teria direito à reparação pela imagem, o interesse pelo noticiário prevaleceria, estaria acima do interesse individual”.

Há modos e modos de veicular uma notícia; uma notícia pode ser veiculada de modo pejorativo e veicular a mesma notícia com título diferente, mudando o enfoque daquela mesma foto ou daquela mesma situação.

Outro ponto, é quanto ao fato do delegado ou promotor dando parecer sobre o caso. De fato não é atribuição do delegado dizer se o réu é culpado ou inocente e muito menos do promotor de justiça fazer isso.

Cada um deve seguir a sua atividade, a sua competência e aquilo que a lei permite. Isso é muito comum, inclusive, na própria imprensa. Quando a imprensa noticia: “Presos os culpados de tal crime”. Ela está julgando e condenando; aquilo não só nunca mais será reparado totalmente, como também sabemos que no Brasil, réus pobres, não terão condições de entrar com uma ação pleiteando indenização por danos à imagem. Alias, talvez os réus nem saibam que têm imagem; eles acham que são pessoas desprovidas do direito à honra, integridade física e de direitos, sobretudo à imagem.

O direito à imagem é novo para os brasileiros, pois entrou na Constituição de 88 expressamente.

O delegado e o promotor, que assim agirem de má-fé, parece cabível que eles respondam, inclusive, o Estado em primeiro lugar e eles em seguida, por esse ato causado ao particular, e a imprensa inclusive.

XI – Conclusão

Por isso que nesse capítulo que trata da relação da imprensa com o réu, a imprensa não tem direito de veicular essas imagens dizendo: “aqui está o culpado…”, mesmo porque, a pessoa pode não ser culpada e depois, ainda que seja culpada, a pessoa tem direito à imagem, pois esta, positiva ou negativa é dele e não se trata de uma veiculação sem a sua autorização em nome de um direito de comunicação.

Logo, se essa alegação for feita logo no início da instrução, poderá prejudicar o andamento dos trabalhos, mormente no Tribunal do Júri.

Quando promotores arrolam delegados para deporem no Tribunal do Júri e eles dizem “acho que o réu é culpado”, o juiz deve encerrar a fase de instrução e alertar os jurados que se trata de uma opinião de uma autoridade que conduziu as investigações e que tem uma parcialidade natural em sustentar em relatório aquela conclusão que ele chegou, justamente para não levar os jurados a acharem que a opinião do delegado vale mais que a de outro cidadão pobre que chegou ai e que pode ser até testemunha visual do fato.

Quanto ao problema do juiz poder ou não ser um deficiente visual e o jurado também. É uma questão difícil de ser resolvida mas, nada impede que sejam, pois o deficiente visual desenvolve naturalmente mais outro sentido, como o da audição, por exemplo, podendo captar qualquer alteração na voz do réu; qualquer resposta que o réu titubeie ou apresente qualquer alteração em seu procedimento.

“A grande preocupação da Subcomissão Revisora do anteprojeto foi a de reforçar o sistema acusatório, e, também, a de tornar reais e efetivas as garantias constitucionais do direito de defesa. Ao juiz cabe, unicamente, dar eqüidistante e imparcialmente a cada um o que é seu, aplicando a vontade da lei”.

Edison Maluf, advogado, com Curso de Pós-Graduação em Direito Penal pela FMU-SP, Mestre em Direito Penal pela PUC-SP, Doutorando pela PUC-SP, Professor de Direito Penal na Universidade Paulista – São Paulo.

BIBLIOGRAFIA

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CINTRA, Antônio C. de Araújo et All. Teoria Geral do Processo – 12ª edição, São Paulo: Malheiros, 1996.

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MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal – Vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1965.

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NORONHA, Edgard Magalhães – Curso de Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 1971.

PORTO, Hermínio A. Marques. Júri, 8ª edição, São Paulo: Malheiros, 1996.

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