De fato. A matéria está pacificada perante os Tribunais Superiores, mas alguns municípios ainda insistem em autuar empresas no sentido de recolher o imposto sobre serviços em casos desse jaez.
Não há hipótese de incidência tributária quando a incorporadora é proprietária de bem imóvel e efetua uma construção própria, não se encaixando, por conseguinte, na definição de sujeito passivo do tributo em questão (art. 121 CTN).
Mas para se chegar a tal conclusão, vamos primeiro definir alguns detalhes acerca da natureza jurídica do imposto e da obrigação em questão, visando uma melhor compreensão do tema.
Trata-se o ISS de imposto municipal, que de acordo com o artigo 156, inciso III da Constituição Federal, tem a seguinte redação:
“art. 156) Compete aos municípios instituir impostos sobre:
…
III – serviços de qualquer natureza não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar:
…”
Nesse passo, definido por Lei Complementar, o artigo 1º da Lei Complementar nº. 116/2003, item 7. subitem 7.02, retrata que:
“Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.”
“7 – Serviços relativos a engenharia, arquitetura, geologia, urbanismo, construção civil, manutenção, limpeza, meio ambiente, saneamento e congêneres.
…
7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).”
Conforme pode se observar nos dispositivos legais citados acima, parece, numa primeira impressão que o imposto sobre serviços é aplicado também no caso da empresa que constrói em imóvel próprio, vez que conforme normalmente vistos nos livros fiscais, objeto de fiscalização, há construção de tantos m2 e várias aquisições de bens para o ativo imobilizado.
Na visão de alguns municípios, a empresa incorporadora, cujo objeto social é de aluguel de imóveis próprios, loteamentos de imóveis próprios, compra e venda de imóveis próprios, construção de edifícios e de comércio varejista de materiais de construção em geral, também teria que arcar com referido imposto.
Não obstante a tal de ponto de vista, numa análise mais acurada do tema, a tese do fisco municipal desaba quando se vislumbra o simples fato de que a empresa realizou a construção em questão para si própria, tratando-se de uma atividade meio e não atividade fim, não envolvendo operação mercantil para com terceiro.
Nesse diapasão, o ISS não pode incidir sobre toda a construção realizada pela Incorporadora, pois esta a fez única e exclusivamente em propriedade vossa, não auferindo lucro e não envolvendo terceiros (terceira construtora), o que contraria frontalmente o disposto no artigo 8º, do Decreto lei 406/68 e artigo 1º da Lei Complementar 116/2003, já que não houve atividade mercantil propriamente dita.
Melhor dizendo, não havendo terceiros na atividade da construção, não há incidência do ISS, já que este imposto presume a prestação de serviços pela Incorporadora como atividade fim, visando lucratividade econômica.
A propósito, KIYOSHI HARADA ensina que:
“Vejamos o fato gerador do ISS definido no art. 8º do Decreto-lei nº. 406/68:
Art. 8º) O imposto, de competência dos municípios, sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa.
Como se depreende do caput, a obrigação tributária principal surge com o exercício da atividade de prestação de serviço específico na lista, por empresa ou profissional autônomo, isto é, serviço prestado em caráter mercantil.” (in, Doutrina e Prática, Editora Atlas, São Paulo-SP, 2008, pag. 10) – grifo e negrito nosso
Na mesma senda de raciocínio, LEANDRO PAULSEN também não diverge de tal entendimento ao sustentar que:
“O conceito de serviços de qualquer natureza é fundamental para a
delimitação da base econômica dada à tributação, ou seja, para definirmos o que pode ser tributado a título de ISS. Para Aires F.
Barreto, ‘serviço é esforço de pessoas desenvolvido em favor de outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, em caráter negocial, tendente a produzir uma utilidade material ou
imaterial’. Pode-se dizer que se trata de um fazer em favor de
terceiros, específico, como objeto mesmo de um negócio jurídico, ou
seja, um fazer como fim colimado e não como simples meio para
outra prestação. Ademais, deve ser prestado a título oneroso, mediante contraprestação” (Curso de Direito Tributário Completo,
5ª Edição, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2013, p.289/290) – grifo e negrito nosso
Na mesma senda de pensamento, o Egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ decidiu que:
“Apelação cível. Embargos à execução. ISS. Empresa Incorporadora de Imóveis. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Possibilidade. Atividade de construção desenvolvida pelo ora apelado. Incorporação direta. Atividade-meio para alcançar o seu fim último que é a compra e venda. Recurso não provido. Inexistindo nos autos elementos aptos a elidirem a assertiva de que a atividade desenvolvida pela embargante caracteriza-se como incorporação direta, sobre a qual não incide ISSQN, mantém-se a decisão singular.” (TJPR – 3ª C.Cível – ACR – 1112378-7 – Foro Regional de São José dos Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba – Rel.: Hélio Henrique Lopes Fernandes Lima – Unânime – – J. 26.11.2013)
Outro não é o maciço e pacífico entendimento esposado pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA que já sacramentou o tema da seguinte forma:
“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ISSQN. INCORPORAÇÃO DIRETA. TRIBUTO INDEVIDO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, “não cabe a incidência de ISSQN na incorporação direta, já que o alvo desse imposto é atividade humana prestada em favor de terceiros como fim ou objeto; tributa-se o serviço-fim, nunca o serviço-meio, realizado para alcançar determinada finalidade. As etapas intermediárias são realizadas em benefício do próprio prestador, para que atinja o objetivo final, não podendo, assim, ser tidas como fatos geradores da exação” (REsp 1.166.039/RN, Rel. Min. CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJe 11/06/10).
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1356977/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/03/2013, DJe 25/03/2013) – grifo e negrito nosso
Ainda:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇO. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA DIRETA. CONSTRUÇÃO FEITA PELO INCORPORADOR EM TERRENO PRÓPRIO. NÃO INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO A TERCEIRO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO JULGADO.
1. Não incide ISSQN na hipótese em que a construção é feita pelo próprio incorporador, uma vez que a atuação do incorporador é como construtor.
2. Precedentes: EREsp 884.778/MT, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 5.10.2010; REsp 1.263.039/RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 19.9.2011; REsp 922.956/RN, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 1°.7.2010; REsp 1.166.039/RN, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 11.6.2010.
3. O embargante, inconformado, busca com a oposição destes embargos declaratórios ver reexaminada e decidida a controvérsia de acordo com sua tese. Todavia, não é possível dar efeitos efeitos infringentes aos aclaratórios sem a demonstração de qualquer vício ou teratologia.
Embargos de declaração rejeitados.”
(EDcl no AgRg no REsp 935.323/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/11/2011, DJe 25/11/2011) – grifo e negrito nosso
Em que pese o entendimento do Fisco Fazendário Municipal, a matéria em foco está totalmente pacificada perante os Tribunais Superiores, não havendo espaço para mais discussões à respeito do tema.
Éderson Ribas Basso e Silva, é advogado na cidade de Umuarama-PR, especialista em Direito Processual Civil pela UFPR