Dispõe o artigo 791 da Consolidação das Leis do Trabalho que “os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final” (grifei). Amparado neste dispositivo consolidado espancou-se do âmbito da Justiça do Trabalho a cominação de honorários à parte vencida. Daí o que ocorre é o seguinte: não se vê, na prática trabalhista, o empregado reclamando pessoalmente seus direitos junto ao judiciário laboral. Vê-se sim o indeferimento de honorários ao advogado vencedor, o que reflete em pagamento daqueles com parte do que recebido pelo litigante vencedor e aqui uma verdadeira afronta aos direitos do reclamante, que bem demonstra a inviabilidade do jus postulandi: o reclamante (ou reclamado) vencedor não recebe da justiça tudo aquilo e precisamente aquilo a que faria jus. Arca, enfim, com os custos da lide a que não deu azo.
O antigo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 4.215 de 27 de abril de 1963) dissertava em seu artigo 68 que “No seu ministério privado o advogado presta serviço público, constituindo, com os juizes e membros do Ministério Público, elemento indispensável à administração da Justiça” (grifei). A detida análise das palavras é elemento essencial de manuseio imprescindível ao hermeneuta. Então vejamos: indispensável, segundo o minidicionário Aurélio é não dispensável, imprescindível. Ora, se o legislador claramente estabeleceu que o advogado é imprescindível à administração da justiça, evidentemente, fere a norma toda tentativa de afastá-lo de certos processos e/ou determinados setores especializados da Justiça.
Dispõe o decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de introdução ao Código Civil Brasileiro) em seu art. 2º, § 1º, que “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. (grifei). Com o devido respeito que merecem os que advogam a tese de permanência do jus postulandi ( até porque parecem ser maioria no âmbito do Poder Judiciário ) penso que a argumentação não resiste ao confronto do dispositivo acima referido. Penso que o antigo Estatuto da OAB revogou, naquela ocasião, a possibilidade de postulação pessoal em juízo permitida pelo art. 791 da CLT. Ainda que haja oposição a esta tese, outras existem e serão analisadas na seqüência.
O advogado é o detentor da capacidade postulatória, conforme se depreende do art. 36 do Código de Processo Civil Brasileiro: “A parte será representada em Juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-à lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver”. (grifei)
A Carta Magna de 1988 ressaltou a importância e a imprescindibilidade do advogado em seu art. 133 dispondo que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (grifei). O primeiro ponto a abordar aqui, a meu sentir, é que a Lei Maior recepcionou o art. 68, da Lei 4.215/63, que por sua vez havia banido do mundo jurídico o disposto no art. 791 da CLT. Dessa forma, não foi o constituinte de 1988 que fulminou o denominado jus postulandi, mas o próprio legislador ordinário. Mas, ainda assim, vou reforçar o argumento: não se pode fazer regra geral aquilo que é exceção. Toda vez que o constituinte pretendeu afastar determinadas situações de suas normas utilizou-se de expressões como “salvo” (como se vê, a título de exemplo, no art. 5º, inc. XII, CF/88) e “exceto” (vide art. 37, XVI, CF/88). Ora, ao inserir na Lex Legum o teor do art. 133, o legislador não ressalvou que o advogado seria indispensável apenas a determinada Justiça, daí por que não se pode afastá-lo da Justiça do Trabalho, sob argumento da existência do direito à parte de postular.
O artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988 afirma que “A República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: … IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (grifei). Parece-me que fere também este princípio constitucional, o entendimento que vê presente o jus postulandi, ao afastar tantas causas daquele profissional especializado em assuntos jurídicos, que tem em seu conhecimento jurídico seu meio de vida, que se revela através de suas causas.
O direito de defesa garantido ao cidadão também se vê arranhado, tendo em vista que o fácil acesso assegurado ao indivíduo através da postulação direta é um verdadeiro engodo. O processo do trabalho é complexo e apresenta dificuldades (e não poucas) até mesmo para os profissionais que militam na área trabalhista, sejam eles juizes, procuradores do trabalho, advogados. Como a parte desacompanhada de advogado ficaria diante de um certo tecnicismo necessário existente? Como resolveria questão presente frente ao ônus da prova? Estaria o juiz apto a conduzir-lhe pelo caminho do sucesso, sem seqüelas processuais ou materiais? Como ficaria ela diante dos prazos processuais? Saberia a parte carrear para os autos o que efetivamente necessita, o que viria, efetivamente, incutir o convencimento do juiz?
Os mais humildes (exatamente aqueles que poderiam “beneficiar-se” com o jus postulandi, vez que os mais abastados litigam acompanhados de advogados) intimidam-se com a simples presença do advogado, não lhe alcançam o vocábulo, enfim, sucumbem frente a uma covarde desigualdade.
Afora tudo isso, tem-se que a emoção nunca foi a melhor conselheira de ninguém e, não resta dúvida, esta restará sempre presente, junto àquele que sozinho “defende-se”.
Palavras de Rudolf Von Ihering: “A paz é o fim que o direito tem em vista, a luta é o meio de que se serve para o conseguir” (grifei). Não há dúvida que a vida do direito é uma luta, como bem disse Ihering. Nessa luta, a arma utilizada pelo advogado é o conhecimento adquirido, é o aprendizado da hermenêutica, é ensino arrancado com esforço no banco das faculdades, coisa que, obviamente, o “leigo” não tem.
Vejamos o inciso LXXIV, do art. 5º, CF/88: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (grifei). Agora, vejamos o inciso XXXIV, alínea ‘a’, do mesmo art. 5º: “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder” (grifei). Penso que aqui nestes dispositivos constitucionais encontram-se a verdadeira causa para tanta persistência no que atine ao jus postulandi. Qual deveria ser custo arcado pelo Estado para dar cumprimento ao texto constitucional (???). Ou o Estado disponibilizaria defensores públicos em número suficiente, em cumprimento a outro comando constitucional (art. 134: A defensoria pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV) ou faria convênio com a OAB disponibilizando advogados privados para tanto, sendo que em ambas circunstâncias haveria um alto custo econômico, mas um relevante cumprimento a ordem constitucional. Optou-se por fazer com que aquele que não possui condições financeiras faça sua autodefesa, se autoprejudicando. Daí, parece-me que as posições das altas Cortes da Justiça são políticas.
Se a teor do texto constitucional, bem assim do novo Estatuto dos Advogados (Lei n. 8.906/94) o advogado é indispensável à administração da justiça; se este mesmo estatuto em seu artigo 6º estabelece que não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e Membros do Ministério Público, poderia as altas Cortes do Judiciário dizer que em certos processos ou setores da Justiça os advogados são “dispensáveis” ??? O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição Federal (art. 102), mas poderia o intérprete maior fazer da exceção regra geral??? Ou seja, a CF/88 não excepciona a indispensabilidade, mas o intérprete visualizou a exceção.
O acesso à justiça é algo que vem sendo enfrentado há anos, com dificuldades. E é de fato necessário que todos tenham acesso ao Poder Judiciário, sem amarras. Com enorme felicidade o jurista italiano P.S. Mancini dividiu normas ideais em quatro princípios: lógico, jurídico, político e econômico. É evidente que a Justiça deve ser feita com os meios mais eficazes e expeditos na busca da verdade; é evidente que o processo deve igualar as partes (e não há esta isonomia quando uma delas está sem advogado); é evidente que deve-se atingir o máximo de resultado com o mínimo de sacrifício individual da liberdade; e é evidente que o processo não pode ter um custo elevado, seja de tempo ou dinheiro, que desestimule o indivíduo a buscar a justiça. Entretanto, isso não dá azo a afastar o advogado, pois o hipossuficiente tem direito a ele e se custos houver deverão ser arcados pelo Estado, que tem o dever constitucional de garantir justiça gratuita (mas isso deve dar-se sem ofensa a outros princípios como o da ampla defesa, mas com qualidade; o da isonomia, etc.).
Seria correto facilitar o acesso à justiça afastando o advogado, como se fosse este o responsável pelas mazelas do sistema!!!???
Uma última abordagem que pareceu-me bastante importante. A teor do art. 355, § único, do Código Penal Brasileiro incorre em pena de detenção de seis meses a três anos o advogado que defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias, denominando-se crime de Patrocínio simultâneo ou tergiversação. Ocorre porém, que naqueles locais em que se admitem o jus postulandi existem os setores de atermação, ou seja, a parte dirige-se a determinado setor no Fórum, expõe suas razões e funcionários lavram termo circunstanciado que servirá de inicial para citação da parte contrária. Nesses setores, evidentemente sem nenhuma má-fé (mas o que importa aqui é o fato) quando seus funcionários são procurados orientam as partes em todo decorrer do processo(!!!!). Enfim, legitima-se o que é crime para advogado(!!!). No caso, não estaria havendo um dano grave a alguma das partes (!!??). Ou qual seria a razão do legislador repudiar o patrocínio simultâneo??
Todos devem, sem dúvidas, ter em mente que SEM ADVOGADOS NÃO HÁ JUSTIÇA, mas estar sempre cientes também que, muitas vezes, JUSTIÇA é o que menos interessa aos detentores do poder.
Daí por que TODOS os manuseadores do direito devem estar sempre prontos para lutar…
* Ruberval José Ribeiro
Servidor público estadual e bacharel pela Faculdade de Direito de Marília