Marcelo Nunes Apolinário*
Consideramos bárbaras e cruéis as penas de antigamente e não aceitamos os métodos que eram utilizados para punir os criminosos; contudo, não serão também as penas de hoje severas demais, ao obrigar um homem a permanecer 15, 25 ou até 30 anos numa prisão onde nada de positivo será obtido para ele, tampouco para a sociedade, que não se conformou enquanto não o viu condenado atrás das grades de uma cela?
Com o passar dos tempos, a pena não pode ser considerada somente como reparação do mal causado, mas também, como meio capaz de preparar o indivíduo para retornar ao meio social em que vivia; portanto, não podemos analisar a pena privativa de liberdade como um meio eficiente para o combate à criminalidade, se o indivíduo condenado depende exaustivamente das custas dos impostos pagos pela sociedade, o que inclui sua família e até mesmo a família da própria vitima, já atingida pelas conseqüências da ação criminosa por ele praticada.
Sabemos, que a pena de prisão não pode ser excluída totalmente do sistema penal, pois, assim como existem pessoas que nunca deveriam ir para o cárcere, outros, para o seu próprio bem e para a proteção da sociedade, deveriam e necessitam lá permanecer por um bom tempo. Achamos que devem continuar havendo previsão de estabelecimentos de segurança máxima para os mais perigosos, mas, desde que tais instituições apresentem estruturas e condições dignas e humanas de tratamento, a fim de que a pena privativa de liberdade cumpra a sua finalidade de ressocialização. Não podemos acreditar em recuperação, sabendo da situação dos nossos estabelecimentos penitenciários. Como iremos recuperar os criminosos se esses se encontram amontoados de forma promíscua, sem condições físicas de locomoção e higiene, até mesmo sem condições sequer de sobrevivência com dignidade.
Reiteramos nosso entendimento de que, a pena de prisão se mantém contaminada pelos aspectos negativos da origem das penas do passado, ressaltando uma tendência de certa forma natural à desumanização, não atingindo o resultado que os diversos estudiosos do direito penal programaram ou previram, que seria simplesmente a recuperação.
Manter um indivíduo afastado do seu meio social, por si só, não soluciona o problema, pois não proporciona à ele condições para uma vida em sociedade; como irá proporcionar se sua futura liberdade ao invés de ser festejada, irá ser um problema, pois a sociedade demonstra forte rejeição em relação aos ex-presidiários; assim, embora esses homens tenham saldado sua dívida com a sociedade ao cumprirem a pena de prisão, continuam estigmatizados. Portanto, no cárcere, o homem é preparado para continuar no cárcere e não para a vida em liberdade.
A vida em sociedade exige integração, racionalidade e critérios de comportamentos para uma boa lógica do convívio social, nesse sentido, Irene Batista Muakad observa que: “É erro prender entre quatro paredes alguém que já é um prisioneiro de sua anormalidade e de sua indisciplina, em vez de se lhe dar um tratamento adequado, um ambiente propicio para que se liberte e seja um homem capaz de viver regularmente no convívio social. Assim como a ciência veio demonstrar que de nada serve a segregação do doente mental, está na hora de se considerar que o criminoso deve repensar sua vida e refletir sobre seus crimes. A pena de prisão, por si mesma, não está apta a reformar o homem, servindo apenas para afastá-lo da sociedade; portanto, só pode oferecer algum resultado se houver possibilidade de submetê-lo a uma boa terapia de valorização da vida livre”.
O cárcere é um ambiente prejudicial por que agrava ainda mais as tendências anti-sociais e cria nos condenados um comportamento hostil e agressivo contra a sociedade e ao direito. Esse contexto da prisão é tão perigoso e contraditório, pois considerável número de presos primários é formado por indivíduos que viveram em ambientes saudáveis e considerados normais, delinqüiram por um desvio de conduta que pode ter sido influenciado por emoções, paixão ou alguma modalidade de culpa, são encarcerados em locais tão perniciosos. Neles o meio carcerário acaba causando um efeito contrário ao que ele está acostumado, funcionando como elemento gerador de revolta, e isso, é um importante fator negativo para a readaptação.
Como podemos sonhar que o sujeito que ficou algum tempo afastado do convívio social e em contato com um grupo cujos valores são totalmente diferentes e promíscuos, saia apto a ser reintegrado àquela que se lhe tornou estranha? Não podemos aceitar a carcerização como solução para a violência social, tampouco podemos atribuir-lhe efeitos ressocializadores, pois é uma instituição que se destacou pelo elevado índice de doenças mentais, surgidas ou desenvolvidas por diversos fatores, sendo seus malefícios reconhecidos tanto em relação às penas de curto como as de longos períodos.
É necessário amenizar o regramento disciplinar dos regimes carcerários, abolindo-se imposições humilhantes como, por exemplo, a obrigação de utilizar um ridículo uniforme prisional. Óbvio que certas restrições como disciplina no horário de levantar e trabalhar devem ser cumpridas pelos apenados. Mas, é preciso conscientizar o presidiário de que ele não se trata de uma pessoa anti-social ou extra-social, pois permanece como membro integrante da sociedade.
A educação promove o sentimento de liberdade e de espontaneidade do indivíduo: a vida no cárcere, como universo disciplinar, tem um caráter repressivo e uniformizante. O que corrobora que o pretendido efeito terapêutico – a ressocialização é incompatível com o encarceramento. A ruptura de laços familiares e outros afetivos, a convivência promíscua da prisão, o homossexualismo não desejado, mas imposto, são elementos que jamais colaborarão com a integração do ser humano.
Observa-se por isso que a pena privativa de liberdade exerce um efeito devastador sobre a mente da pessoa, cria e agrava valores negativos e comportamentos conturbados. O isolamento forçado, o controle total da pessoa do apenado não pode constituir treinamento para vida livre, após o mero cumprimento da pena.
Tem-se discutido muito sobre a finalidade da pena de prisão, punir ou recuperar, mas a realidade é que pouco se tem feito sobre a idéia de ressocialização. Na verdade precisamos modificar radicalmente nossos sistemas penitenciários, criando dentro deles situações em que o apenado possa pelo menos não esquecer a sua conduta, o seu respeito e sua utilidade como ser social, mesmo inserido em outro ambiente que não seja o seu, e entendemos que a inclusão do trabalho e de programas de ensino técnico-profissionalizante, como forma de conteúdo e de obrigação, colaborará muito para atingir esses objetivos da reeducação, pois outro grave fator negativo é a ociosidade.
A conclusão lógica a que chegamos é que a ressocialização no meio carcerário atual é um mito, é um sonho, é um desejo. Na realidade, sabemos que o indivíduo não poderá ser reeducado para viver num mundo de liberdade e honestidade, se o ambiente educador é um cativeiro, uma escola do crime criada e mantida pelo próprio Estado.
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Notas: MUAKAD, Irene Batista. Prisão Albergue – 3a. ed.- São Paulo: Atlas, 1998. p.22.
* Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pelotas/RS