O monopólio estadual na distribuição de gás canalizado

Autor: Cid Tomanik Pompeu Filho (*)

 

Durante anos, os estados vêm atuando na atividade de distribuição de gás canalizado em seus respectivos territórios, mas somente com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, essa atividade começou a ser regulamentada.

No parágrafo 2º do artigo 25 no Título III – Da Organização do Estado – Capítulo III – Dos Estados Federados, ficou estabelecido que pertencessem somente às empresas estaduais a exclusividade da distribuição de gás canalizado:

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.

(…)

§ 2º Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão a empresa estatal, com exclusividade de distribuição, os serviços locais de gás canalizado.

No caso, a expressão “gás canalizado” é empregada para designar o serviço de movimentação de qualquer fluído em estado gasoso através de tubulações. Podendo esse fluído gasoso ser gás natural, biometano, gás liquefeito de petróleo e nafta, entre outros.

Em 15 de agosto de 1995, a Emenda Constitucional 5 deu nova redação ao parágrafo 2º do artigo 25 da Constituição Federal. Tal emenda retirou do texto constitucional a exclusividade de empresa estadual na exploração da distribuição de gás canalizado, passando a vigorar com a seguinte redação:

§2º – Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.

As atividades de exploração da prestação de serviço público de distribuição de gás canalizado, previstas no parágrafo supra, gerou um mercado exclusivo — monopólio — dos estados, não estando aberta para a livre concorrência.

Em decorrência do texto constitucional supra, foram criadas duas castas de prestadores de serviços públicos de distribuição de gás canalizado, ou seja, as concessionárias e as empresas públicas, sendo a primeira regulada pela Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e a segunda, pela Lei 13.303, de 30 de junho de 2016.

Concessionárias de distribuição de gás canalizado
Com a promulgação de Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (Lei de Concessão e Permissão de Serviço Público), foram estabelecidas diretrizes para o regime de concessão de serviço público, através do qual o poder concedente, mediante licitação, delega e transfere a terceiros a responsabilidade da execução de serviços de utilidade pública, por prazo determinado.

Assim sendo, o regime para a concessão de serviço público — previsto no artigo 175 da Constituição Federal — refletia desestatização do Estado brasileiro, ou seja:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II – os direitos dos usuários;

III – política tarifária;

IV – a obrigação de manter serviço adequado.

O inciso II do artigo 2º da Lei de Concessão e Permissão de Serviço Público esclarece que “a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”.

Em decorrência dessa lei, os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo puderam passar à iniciativa privada, por meio de concessão, a exploração da prestação de serviço público de distribuição de gás canalizado.

Empresas públicas de distribuição de gás canalizado
Segundo o artigo 173 e seus parágrafos da Constituição Federal, a exploração direta de atividade econômica pelo estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Em 1998, por meio da Emenda Constitucional 19, foi dada nova redação ao artigo 173:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

IV – a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

V – os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

§ 3º A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.

Assim, através de lei própria, deverá ser regulamentado o regime societário de empresa pública e da sociedade de economia mista que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços.

No início de julho de 2016, foi publicada a Lei 13.303, de 30 de junho de 2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, abrangendo toda e qualquer sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio, ou seja, de prestação de serviços públicos. Inclusive as empresa de propósito específico, que sejam controladas por empresa pública ou sociedade de economia mista.

A constituição de empresa pública ou de sociedade de economia mista dependerá de prévia autorização legal que indique, de forma clara, relevante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional, nos termos do artigo 173 da Constituição Federal.

A sociedade de economia mista será constituída sob a forma de sociedade anônima e, ressalvado o disposto nessa lei, estará sujeita ao regime previsto na Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

A empresa pública e a sociedade de economia mista constituídas anteriormente à vigência dessa lei deverão, no prazo de 24 meses, promover as adaptações necessárias à adequação ao disposto nessa lei.

Estão submetidas ao regime previsto nessa lei, todas as empresas públicas estaduais de distribuição de gás canalizado, visto que essa atividade se enquadra em relevante interesse coletivo, conforme previsto na Lei 7.783, de 28 de junho de 1989.

Privatizações de estatais de distribuição de gás canalizado
Em 22 de maio de 2017, foi publicada a Lei Complementar 159, de 19 de maio de 2017, a qual institui o regime de recuperação fiscal dos estados e do Distrito Federal. A referida lei suspende o pagamento de dívidas estaduais com a União e bancos estatais por três anos, prorrogáveis por mais três. Como contrapartida, os governadores terão de adotar medidas de ajuste fiscal, como a privatização de estatais e congelamento de salários de servidores.

O texto legal prevê:

Art. 2º O Plano de Recuperação será formado por lei ou por conjunto de leis do Estado que desejar aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, por diagnóstico em que se reconhece a situação de desequilíbrio financeiro e pelo detalhamento das medidas de ajuste, com os impactos esperados e os prazos para a sua adoção.

§ 1º A lei ou o conjunto de leis de que trata o caput deste artigo deverá implementar as seguintes medidas:

I – a autorização de privatização de empresas dos setores financeiro, de energia, de saneamento e outros, na forma do inciso II do § 1º do art. 4º, com vistas à utilização dos recursos para quitação de passivos;

(…)

Para aprovação do plano de recuperação, o estado deverá:

Art. 4º O Estado protocolará o pedido de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal no Ministério da Fazenda por meio da apresentação do Plano de Recuperação.

§ 1º O pedido de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal conterá, no mínimo, a comprovação de que:

(…)

II – as privatizações de empresas estatais autorizadas na forma do inciso I do § 1º do art. 2º (*) gerarão recursos suficientes para a quitação de passivos, segundo os critérios definidos pelo Ministério da Fazenda;

(…)

Para as privatizações, os estados contarão com o suporte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na estruturação e no desenvolvimento de projetos no setor de distribuição de gás canalizado. Esse suporte foi autorizado pelo Decreto 9.036, de 20 de abril de 2017, o qual dispôs sobre a priorização de políticas de fomento aos projetos de empreendimentos públicos dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Segundo o decreto, são consideradas políticas públicas prioritárias aquelas relativas aos setores de infraestrutura dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, tais como saneamento básico, iluminação pública e distribuição de gás canalizado.

 

 

 

 

Autor: Cid Tomanik Pompeu Filho é advogado especialista no mercado de gás natural e gás canalizado e consultor de Usuários Industriais, na análise de risco jurídico-regulatório, estruturação e negociação de contratos de fornecimento de gás canalizado.


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